sábado, 27 de dezembro de 2014

INTERVENÇÃO OU INTIMAÇÃO DIVINA

INTERVENÇÃO OU INTIMAÇÃO DIVINA

            Gente, fui aprovado!
            Foi aos berros que entrei na cozinha naquela manhã para noticiar a minha entrada como docente em uma Universidade Federal no sul do país. Infelizmente a tática de esperar na cama e aguardar que todos estivessem reunidos para o desjejum dera em nada. No local, junto a pia, encontrava-se apenas minha mãe. Ela cantarolava baixinho.
            Diacho, onde está todo mundo, pensei irritado comigo mesmo por não ter esperado mais um pouco na cama.
Mamãe não disse nada ante minha chegada intempestiva.  Apenas se virou lentamente e fixou os olhos em mim enquanto enxugava, torcia e retorcia as mãos no avental.  Em silêncio. Em choque. Em transe.
 Fiquei incomodado com a reação dela.  Eu que esperava gritos, sorrisos, beijos e abraços, muitos abraços murchei como uma uva passa. Que me importava que o pessoal da casa estivesse dormindo às 11 horas da manhã?  Diante de mim, a principal incentivadora da minha vida profissional estava calada. Nenhum afago. Nenhum sorriso. Nenhuma lágrima. Fiquei incomodado com a reação dela.  Bah, mas quem entende as mulheres?   Ou melhor, quem compreende as mães? Pois naquele exato instante estava eu diante de uma completa estranha. À minha frente estava uma mulher morena, pequena e baixa de olhar sereno e lábios cerrados me olhando. E eu olhando para ela.  Senti que algo ou alguém havia usurpado o corpo daquela que me concebera. Não reconhecia nela aquela mulher guerreira que durante anos me motivara, auxiliara e sacrificara tantas e tantas vezes. Balancei a cabeça atarantado. E veio à mente a conhecida história familiar. Em meados dos anos 78, após conclusão de um curso de especialização no Rio de Janeiro, meu pai cuja alma gaúcha não esconde de ninguém, teve oportunidade de escolha para ser transferido para Santa Maria. Acontece que a senhora gravidíssima do filho que agora escreve não aceitou de jeito nenhum. “Frio, muito frio”. Pelo estado delicado que ela se achava, meio a contragosto, papai buscou satisfazê-la. Arriscou seu futuro. Como era de se esperar, infelizmente, as coisas não deram muito certo na região escolhida. Exatos cinco anos estavam de volta ao interior de São Paulo. Papai nunca se conformou com a infame trajetória.         
            E agora, me encontrava quase na mesma situação. Querem saber, estava encrencado. Por bons motivos. Existe algo pior que não realizar seus sonhos? Antes mesmo de o resultado do concurso público sair eu já sonhava com os lírios dos campos de Veríssimo. Vagava entre as imagens de Vargas, Brizola, Anita Garibaldi e tantos outros guardiães e gáudios da alma gaúcha e brasileira. Via-me nos braços amorosos de uma gentil prenda. Ensaiava uns passos ligeiros do xote, do fandango ao som de um vanerão.  Nas festivas estâncias fazia par com Pantagruel ao me empanturrar de churrasco, vinho e mate.
Mas cá entre nós existe algo pior que desapontar uma mãe? Senhor, não, não podia. Ainda mais a minha tão sensitiva. Meio bruxa, costumávamos eu e meus irmãos falar.   Ninguém conseguia esconder nada dela.  Aproximei-me dela e disse:
- Mamãe, sou um grande idiota. Desculpe-me se a assustei!           
            Ela passou os braços na minha cintura e apertou. Então as lágrimas hibernadas irromperam e deslizaram pelo rosto. Choramos juntos. Antes de a avalanche passar ficamos cercados pelos dorminhocos.
            - O que está acontecendo? Por que mamãe está chorando? O que você fez?
            - Nada! Juro.
            Mamãe com um simples olhar acabou com o alvoroço. E sem largar meu braço disse num tom sério:
            - Ele irá nos deixar.
            - Eu não-não decidi nada ainda, mãe!
             - Ele passou no concurso da UFSM! - bradou minha irmã mais velha num tom exultante.   
            - Tchi! – resmungou meu pai e acrescentou num tom irônico: Sua mãe não vai deixar você ir por causa do frio, da distância e sabe-se-lá os motivos que lhe derem na telha. Eu já aconteço essa história de outros tempos.
            Ela não se abalou. E falou mais ou menos assim:
            - Aí que você se engana meu velho. Ele foi intimado.
            - Intimado? Por quem?
            Mamãe suspirou profundamente. E meus olhos ainda úmidos presenciaram algo inimaginável. Estava do lado de uma giganta. Uma mulher corajosa, otimista, cheia de fé e virtudes. Senti aos trinta anos e com 1,90 de altura um ser pequenino diante dela e de suas palavras:
            - Não esmoreça diante dos sacrifícios, desafios e dificuldades que hão de estar pelos caminhos que irá percorrer. Você estará longe de sua família, amigos e conhecidos apenas fisicamente. Espiritualmente, estaremos sempre ao seu lado. Há um projeto reservado para você. Cumpra com dedicação, solidariedade e amor. Ensine e aprenda. Aprenda e ensine.  Essa noite em sonho Nossa Senhora anunciou sua vitória, meu filho.  Também me disse que eu seria a primeira pessoa que receberia a notícia. Acho que por isso todos dormiram tanto, não é verdade? Vamos cumprimentem seu irmão.
            Enquanto era parabenizado, não tirei os olhos dela. Mas quem pode entender as mulheres? E o coração de mãe? Confesso que as batidas de meu coração estrondeavam dentro do peito. Eu sabia que tudo iria dar certo. E tem dado, graças a Deus.   


José Renato Ferraz da Silveira  

Vida

Vida

Vida....é assim que a chamo.
Vida...foi o alimento da minha alma.
 Recordo da Vida...  quando fecho meus olhos: relembro dos longos abraços, das conversas e risos, das viagens e de cada gesto de carinho e ternura através de um poema ou um post it, ou mesmo através de um sorriso ou um olhar iluminado. Aquela piscadela mortal. Ou mesmo do beijo de despertar.
Carrego na memória: as lembranças dos beijos doces, as canções, aqueles olhos verdes fitando-me. Momentos felizes e o prazer desmedido.
Revejo as fotos, as promessas de amor eterno, sinto o gosto do ratatouille, entre outros apetitosos pratos da culinária ocidental em cada viagem ao passado. Cada música em homenagem ao gato preferido.
Ah, e as gargalhadas!!! Cada alegria...Cada momento inesquecível. Eterno para mim. O cheiro do cravo que gostava de presentear. O amor eterno.
Mas vivo agora num novo ciclo no qual enfrento crises internas.
O novo se descortina para mim. Tenho medo. Tenho curiosidade.
E esse novo mundo me traz a citação de Dickens: “Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença, foi a estação da Luz, a estação das Trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós, íamos todos direto para o Paraíso, íamos todos direto no sentido contrário”.
E não esqueço os riscos, as incertezas, as contradições. Eles estão na minha vida. Sei que os tempos de resistência vão continuar. Sei que é preciso constantemente recomeçar do zero, que tudo se esquece. Às vezes, tento rir desses momentos. Sei que a um conformismo se sucederá outro, que uma alegria será consumida por outra alegria.
Novas aventuras são desconhecidas. Não há terra prometida. Há um futuro incerto e estarei sempre cercado de mistério. O sentimento de caminhar entre as trevas e a luz. Mas contemplo um horizonte... Como diria a minha amiga Yasmine: “Constantemente recomeçar, afinal a imutabilidade é a morte”!


Perder as palavras

Perder as palavras

A vida é uma jornada de nascimento à morte, uma caminhada ao mesmo tempo externa e interna, pelo período que nos couber. Como diria Cecília Meireles, “entre mim e mim, há vastidões bastantes para a navegação dos meus desejos afligidos”.
Mas, há momentos em nossa existência, em que os desejos mais agudos e que nos angustiam são silenciados diante do belo.
A contemplação do belo é realmente um verdadeiro aproximar-se da luz divina e um afastar-se das trevas. É um momento mágico e de sublime deleite aos olhos, o espelho da alma. Sinto-me tão frágil, tão inexistente, mas ao mesmo tão ardente e sedento por contemplá-la novamente.
 Encontrei a perfeita definição, na obra Confissões de Santo Agostinho (354-430), em trecho que trata a respeito da relação dicotômica entre luz-sabedoria – trevas-ignorância: “(...) que luz é esta que me ilumina de quando em quando e me fere o coração, sem o lesar? Horrorizo-me e inflamo-me: horrorizo-me enquanto sou diferente dela, inflamo-me enquanto sou semelhante a ela. É a Sabedoria, a própria Sabedoria que bruxuleia em mim e rasga a minha nuvem. Esta me encobre de novo quando desanimo por causa da escuridão e do peso das minhas misérias(...)”.
Para mim, a beleza feminina é um toque majestoso do Criador. Como diria meu pai: “Se o criador estabeleceu as regras da natureza para a criação do universo.  Num momento de divina inspiração, na criação da terra e de seus habitantes. Inovou numa equação, onde incluiu as variáveis: o dedo mágico do pintor, os olhos de lince do fotógrafo, mas com uma visão tão abrangente como  a do sol; a sensibilidade da psicóloga, a sutil mão do  escultor, a extravagante criatividade do arquiteto, o refinado capricho da decoradora, a inefável beleza do próprio paraíso”.


Tenha fé

Tenha fé

Há momentos cruciais na vida, em que nos sentimos aflitos, a sensação de nó na garganta e caímos no mais profundo desânimo. Parece que as forças se esgotam e não há meios de confrontar com a realidade posta. É a face da vida marcada pelas contradições. Tão cheia de paradoxos.

Nesses momentos delicados e de indefinições, relembro, então, das belas estórias advindas da tradição oriental, em especial, a japonesa, que alude à flor de ameixeira que surge, perfumada, rompendo a neve no rigor do inverno. Ou as sementes de trigo que não perdem a capacidade de se reproduzir, por mais que sejam pisoteadas.
Mas como manter um espírito de paz se o coração agitado ou irado sufoca a centelha da persistência e da fé? A fé, sem dúvida, acresce uma dimensão significativa à vida moral da humanidade. Como cristão apostólico romano, eu percebo a fé como uma força poderosa na experiência humana. Principalmente, as orações que nos iluminam e nos fazem entrar em contato com o Desconhecido. É um sentimento permanente. Uma epifania. O encontro com Deus.
Muitas vezes, quando estou deitado e absorto pela tristeza, as orações servem como estímulo na busca do amor, da alegria, da paz interior, da paciência, da bondade, da generosidade, da confiança, da gentileza e principalmente do autocontrole.
Ultimamente estou cada vez mais dedicado à meditação. Meditar virou rotina no meu cotidiano. Alivia o coração e a alma. As angústias, as aflições, os temores diminuem gradativamente à medida que o corpo e a mente relaxa. Muitas vezes percebo que as razões de minha tristeza não se justificam. E sinto que é fundamental ter fé e esperança em dias melhores. Como li certa vez, as orações ou o ato meditar são uma maneira de inundar o corpo de luz e de entrar em contato com nosso eu mais profundo. Esse momento de mergulho em nós mesmos, reconhecemos nossa humanidade, nossos limites, imperfeições e sombras

Três mosqueteiros

Três mosqueteiros

Os Três Mosqueteiros é um fantástico romance histórico escrito pelo francês Alexandre Dumas. É o volume inicial de uma trilogia, romanceando fatos importantes dos reinados dos reis Luís XIII e Luís XIV e da Regência que se instaurou na França entre os dois governos.
O livro trata de sentimentos nobres, virtudes, aos homens que serviam aos reis franceses. E de uma forma pontual, revela a força da amizade, do amor entre os amigos, da solidariedade com outro. Amizade é mais que afinidade e envolve mais que afeição. As exigências da amizade – franqueza, sinceridade, aceitar com a mesma seriedade as críticas e os elogios do amigo, lealdade incondicional.
A lealdade é a marca da constância, da solidez dos elos com as pessoas, grupos, instituições e ideais que deliberadamente nos associamos. Recebi em minha noite festiva, no dia 24 de novembro de 2013, o discurso de reconhecimento da lealdade. Lágrimas e mais lágrimas derramaram sobre o meu rosto fatigado por lutas e confrontos diários contra os meus desejos de sucesso.
Naquele momento em que Renan John Brum expressava o carinho e demonstrava ciência do esforço hercúleo de meu trabalho, tive certeza que fiz o necessário para contribuir e fazer a diferença. Palpitações no coração e lágrimas nos olhos brindavam divinamente o amor eterno entre os amigos. Hoje, reconheço que a amizade genuína requer tempo, esforço e trabalho para ser mantida. A amizade é algo profundo. De fato, é uma forma de amor. Shakespeare expressa dignamente esse sentimento divino ao expressar em seu soneto 30: “mas, amigo, se em ti penso um momento, vão-se as penas e acaba o sofrimento”.


José Renato Ferraz da Silveira

A paixão de escrever

A paixão de escrever

Escrever é uma vocação imperiosa e nem todo mundo tem vocação.
Li, certa vez, que o grande escritor francês Victor Hugo queria ser Chateaubriand ou nada. Um escritor nato escreve porque tem alguma coisa para dizer e só pode dizê-lo escrevendo. 
Creio que a vontade, o sentimento, a alegria ou a tristeza faz a brancura da página desaparecer. Escrever apesar dos fracassos e das críticas hostis é algo que me atrai. Na realidade, ainda carrego a ilusão e o sentimento de libertação e de trunfo, por uma frase perfeita, caracterizar um objeto, um sentimento, narrar com brilhantismo os feitos heroicos de personagens históricos.
Todo o livro começa com uma página em branco. Cabe ao autor preencher o vazio com conhecimento e imaginação. Há de se ter perseverança - a escrita requer atributos técnicos e maturidade emocional para compreender o ser humano, incluindo o que escreve. Para o cronista e escritor Antonio Prata, não é a página em branco o que mais aflige, mas o preto das letrinhas inseguras que começam a preenchê-la. A despeito das dificuldades, escrever um romance é um sonho compartilhado por muita gente. Porque é uma tentativa de posteridade, uma trapaça contra a solidão e a morte, um jeito de sobreviver à privacidade da própria imaginação e à vida em si.
Escrever é uma religião. Une as pessoas de uma maneira que não pode ser alcançada por outros meios. Escrever exige cuidados e trabalhos incríveis. Quantos arrependimentos! Quantas correções em espiral que mutilam o texto na versão inicial.
Mas é um verdadeiro êxtase em que, numa noite, escrevemos trinta, vinte, dez páginas. Esse momento de criação feliz é cheio de esperança. Sonhamos com um texto bem acabado, bem apresentado, profundo e vibrante. Como diz Baudelaire, “manejar sabiamente uma linguagem é praticar uma espécie de feitiçaria evocatória”. Escrever exige estilo e graça. Li que em David Copperfield - o escritor Charles Dickens - descreve um homem tão alto que as pernas compridas davam a impressão de ser a sombra de outra pessoa. Como se vê, seria menos impactante dizer apenas que era um tipo grandalhão.
Por fim, suponho que escrever exige estilo. O estilo é a mão do temperamento sobre a natureza das coisas e dos homens. Sem temperamento, não há estilo. Sem paixão, não há estilo. Sem inspiração, não há estilo.
José Renato Ferraz da Silveira


Crônica Eros e Tânatos

Eros e Tânatos

Nas últimas semanas, delicio-me com a obra Amor e Amizade de Allan Bloom no qual o autor defende – de modo impactante - que vivemos num mundo em que o amor e a amizade estão a desvanecer.
Ainda de acordo com o autor, o individualismo e o igualitarismo transformaram as relações românticas em assuntos contratuais sujeitos a litígios. Perdeu-se aquilo que separa os seres humanos dos animais – o poder da imaginação, que consegue transformar o sexo em eros. O empobrecimento dos nossos sentimentos resulta, afinal, de um empobrecimento da linguagem do amor.
Amor e ódio, sexualidade e agressividade, vida e morte, são forças que coexistem dentro do ser humano e estão presentes no cotidiano, tanto nos conflitos mais banais quanto nos mais mórbidos ou sublimes da humanidade.
Encontramos no universo das peças de Shakespeare, nos romances de Stendhal, Jane Austin, Tolstoi, entre outros escritores que pertencem ao chamado cânone universal por Harold Bloom. Esses grandes livros descrevem os fenômenos do amor e do ódio, como também nos ajudam a experienciá-los. Parafraseando Bloom: “para mim, a literatura não é meramente a melhor parte da vida; é ela mesma a forma de vida, que não possui nenhuma outra forma”.
Como pontua  Allan Bloom: “os livros são expressões vivas de experiências profundas e, sem esses advogados conhecedores dessas experiências, acharíamos muito difícil aceder a questões que dependem tanto de um sentimento educado e para o qual a mera observação externa não é suficiente”.
O ódio e o amor, tais pares de opostos estão misturados, amalgamados em tudo que o ser humano faz, pensa e sente. Por exemplo, onde há amor deve haver ódio, toda sexualidade necessita de um grau de agressividade, em proporções variadas. Essas polaridades são os cernes dos conflitos psíquicos. Em psicanálise, elas podem ser nomeadas pelos conceitos de pulsão de vida (Eros) e pulsão de morte (Tânatos).
A mitologia apresenta uma bela metáfora para compreendermos a amálgama entre as pulsões. No mito grego, Eros (cupido na mitologia romana) é o deus do amor e Tânatos, deus da morte. Eros, o mais belo dos deuses, possui arco e flecha com os quais costuma enlaçar de amor homens, mulheres e deuses. Segundo consta na mitologia, certo dia Eros adormeceu numa caverna, embriagado por Hipno (deus do sono, irmão de Tânatos). Ao sonhar e relaxar suas flechas se espalharam pela caverna, misturando-se às flechas da morte. Ao acordar, Eros não sabia quantas flechas possuía. Recolheu-as, e sem querer levou algumas que pertenciam a Tânatos. Sendo assim, Eros passou a portar flechas de amor e morte (Tânatos). Dessa forma, apropriando dessa bela história da mitologia, o amor é da ordem do acaso. Não há uma estrutura lógica, o acaso está fora dela. E, sem dúvida, o amor afeta corpo e alma, nos afeta inteiramente. Até mesmo Eros foi vítima de seus ardilosos planos quando apaixonou-se perdidamente por Psique. Keats faz alusão a essa história, em sua Ode a Psique: 

Ó mais bela visão! Ó derradeira imagem
Da estirpe celestial, da olímpica linhagem!
Mais bela que Diana livre de seu véu
E que Vésper erguida entre os astros do céu!
Que, no Olimpo, pudeste reluzir e ofuscar
Embora sem um templo, embora sem altar!

O epistemológo Edgar Morin reconhece o amor como o ápice mais perfeito da loucura e da sabedoria, ou seja, que no amor, sabedoria e loucura não apenas são inseparáveis, mas se interpenetram mutuamente. O amor faz parte da poesia da vida. A poesia faz parte do amor da vida. Amor e poesia engendram-se mutuamente e podem identificar-se um com o outro.
O eros é irmão da poesia e os poetas escrevem sob a influência da paixão erótica ao mesmo tempo que informam os homens sobre o eros. Acredito que nunca se pode ter sexo sem imaginação, ao passo que se pode ter fome e comer sem qualquer contribuição da imaginação.

Portanto, se o amor expressa o ápice supremo da sabedoria e da loucura, é preciso assumir o amor. “Se verdadeiramente amo alguém, escreveu Erich Fromm, “então amo a todos, amo o mundo, amo a vida”. 

ENTREVISTA SOBRE O LIVRO RICARDO III

Como foi a criação e elaboração do livro?
O livro é fruto de 13 anos dedicados ao entendimento da obra shakesperiana, em especial, a peça Ricardo III. Foi objeto de pesquisa de iniciação científica, mestrado. Senti que era o momento ideal para publicação deste trabalho. Por essa razão, apoiado por alguns alunos de Relações Internacionais, Guilherme Backes, Junior Bourscheid, Juliana Graffunder, Eduardo Wontroba e Taís Röpke, pudemos rever e reavaliar meu mestrado. Com a revisão finalizada pelos alunos e por mim, decidi publicar pela Azougue Editorial do Rio de Janeiro. E o livro está magnífico! 


Como iniciou o interesse em abordar o tema? Ou porque ele foi escolhido?
Partiu de uma situação inusitada que relato de modo breve... No ano de 1999, fiquei sabendo de uma palestra intitulada A guerra em Shakespeare que seria (foi) proferida pelo professor Miguel Wady Chaia. Senti-me atraído pela palestra. Ao final da mesma, tive certeza que este era o tema para ser a linha condutora da minha carreira acadêmica. Lembro que duas semanas após o evento, já tinha lido umas dez peças shakesperianas. Fiquei fascinado e apaixonado pelo objeto de estudo. E me encantei com a peça Ricardo III. Iniciei já em 1999, uma pesquisa de iniciação científica sob orientação do professor Chaia. Eu identificava nas leituras prazerosas de Shakespeare, elementos que norteiam a política: conquista, posse, queda do poder, urdiduras palacianas, virtù, fortuna, intrigas, jogos de poder. Ou seja, a arte, como a filosofia e a ciência, é um exercício de pensamento e criação capaz de gerar diferentes formas de conhecimento. Ampliar as fronteiras do conhecimento produzido pela arte e agregar novas possibilidades para a a área do saber foram metas e resultados que eu esperava alcançar e alcancei. 

Quais foram os desafios ao longo da pesquisa?
Creio que o maior desafio foi demonstrar a complexa relação entre as áreas de saber e buscar borrar as fronteiras que compartimentam a inteligibilidade do mundo. Investigar a obra shakesperiana com um olhar de cientista político não é tarefa fácil. Investigar as relações de poder, problematizar questões clássicas que envolvem a sociabilidade humana a partir de um drama shakesperiano foi, de fato, um trabalho hercúleo. Mesmo assim, um trabalho que me deixa satisfeito. A conclusão que chego é que a literatura pode fornecer consistentes elementos para auxiliar na compreensão da realidade política. Shakespeare nos transmite pistas para compreensão das quebras de legitimidade do governante, visão cíclica da história, na civilização sucedem-se governos legítimos e governos usurpadores e as trajetórias previsíveis e maléficas dos usurpadores. 


Qual é a expectativa de leitura para o seu público? 
Suponho que as pessoas gostarão do que vão ler. É uma linguagem acessível, didática, enriquecedora, além de ser um livro marcado por uma série de encontros cognitivos. O primeiro deles é o encontro entre arte e política, à medida que busco elucidar questões das lutas pelo poder e delimitar perspectivas para interpretar a política no seu significado polissêmico. Um segundo encontro propiciado pelo livro é a reunião orgânica entre indivíduo e poder. Ou seja, desdobra-se numa questão polêmica da política, que diz respeito à relação entre ética e governança. E um terceiro encontro, vinculo indivíduo, sociedade e guerra, gerando a orgânica reciprocidade entre política e guerra. 

Quais foram os objetos de estudo e porque estes foram escolhidos?
O (s) objeto (s) de estudo (s) da presente obra é a leitura política da peça Ricardo III e o entendimento em torno do conceito de política como tragédia, ou tragédia da política. Essa ideia elucida a trajetória de Ricardo III e aponta tanto para as possibilidades da política quanto para as suas dificuldades. 
Parto do pressuposto que a política é um reino da negatividade, onde os conflitos, as tensões estarão sempre presentes. É uma condição inerente ao jogo político. A tragédia da política é a impossibilidade de realização plena da arte do desejável. E considero por fim, outro aspecto que me inquieta intelectualmente, primeiro, a capacidade humana de enfrentar as forças do destino em situações extremas – diante do desafio de contestação; segundo, o conflito entre o possível e o desejável; terceiro,  o exercício de julgamento – escolhas morais difíceis para os políticos – decisões que envolvem objetivos e valores políticos conflitantes.   Ou seja, o ponto central de análise em relação ao estadista que deve destacar as seguintes categorias: interesses, preocupações, intenções, ambições, cálculos e erros de poder, desejos, crenças, esperanças, medos, dúvidas, incertezas. 



Eu sou Ricardo II, você não sabia?

Eu sou Ricardo II, você não sabia?

Outro dia fui questionado por um aluno atento qual a razão de estudar, há quase 14 anos, a obra shakesperiana, em especial, os Dramas Históricos. 

Expliquei, didaticamente, sob o olhar inquisitivo do aluno as minhas razões e motivações: primeiro, meu gosto pela interdisciplinaridade, dois, a relação estreita entre a arte e a política, três, a paixão pela história inglesa e, por fim, a percepção realista de Shakespeare ao retratar as lutas pelo poder no qual aponta para a persistência das tensões no cotidiano quanto na política, pois na vida e na sociedade os conflitos são agonicos. 

O aluno, parcialmente satisfeito, me questionou: "mas professor, e possível ver o Ricardo II na Dilma"? Sorri para ele e disse que sim. Decidi então escrever esse breve texto para refletir sobre a atual política brasileira e o rei inglês que perdeu a coroa. 

Ricardo II foi conduzido ao trono aos 10 anos, após a morte do pai. Durante seus primeiros anos de reinado, o governo ficou nas mãos de uma série de conselheiros, formado por seus tios. Crescido, ele decidiu dar ouvidos e voz a um pequeno grupo de cortesãos e passou a confrontar seus tios poderosos. Acabou deposto por um primo, que se corou Henrique IV. Ricardo morreria, na prisão, no ano seguinte. 

As vésperas das eleições, o Brasil, nesses quatro anos desperdiçou seu potencial em meio a picuinhas palacianas, incapaz de conversar, de chegar a acordos, de juntar gente que pensa diferente para erguer coisas juntas. O país está dividido ao "meio", ou melhor, em três partes, amargurado e cheio de ódio. Vemos um governo acuado e desesperado, uma oposição burra e raivosa, uma imprensa parcial, irracional e golpista que atribui a um partido e a presidenta todos os vícios e deformações do jogo político - politicagem, nepotismo, clientelismo, paternalismo, fisiologismo e etc - além de apontar os insucessos dos projetos e planos governamentais. A sensação que tenho e como se nesses quatro anos do atual governo - na visão da grande mídia e de muitas pessoas - nada foi feito. E o descontentamento e tão grande que parece que todo mundo está com raiva e frustrado. Atribuímos tudo que esta errado em nossa vida aos "petralhas". 
Agora apostamos na "renovação" e na "nova política". Novamente queremos um (a) salvador (a) da pátria. 

E hoje, vejo como a leitura de Shakespeare e emblemática. Tento-me Colocar- me no lugar da presidenta. Criticada pelo criador, pelos bajuladores, pela oposição, pelo mercado, pela mídia. vaiada, xingada, humilhada pela platéia na abertura e encerramento da Copa do Mundo sediada no Brasil assistida por milhões de pessoas ao redor do mundo, além de outros constrangimentos que passou em diversos eventos. Vista como "gerente" e não estadista. Vista como responsável pela recessão e a volta do desemprego. Teve que enfrentar nos seus quatro anos de governo: greves e uma onda de insatisfação popular generalizada. Governou em meio a uma crise de legitimidade. 

Ah! Não podia esquecer do espetáculo midiatico ocorrido no STF - caso mensalão- e magistralmente interpretado pelo ex presidente do STF, Joaquim Barbosa. 

Dilma vive e viveu a solidão do poder mesmo cercada por muitos apoiadores.

Parece encarnar, de fato, no atual momento, o rei Ricardo II. A rainha inglesa Elizabeth I, certa vez, disse num momento de turbulência e crise no governo: eu sou Ricardo II, você não sabia?

E citando a Shakespeare na peça Ricardo II, no momento da queda do rei: "agora vê como desfaço de mim, retiro este peso morto da minha cabeça, este cetro desmesurado da minha mão, o orgulho do poder régio do meu coração, com as lágrimas lavo os óleos, com as minhas mãos entrego a Coroa, com a língua renego o meu reino sagrado, com o próprio respirar quebro todos os votos...". 

Realmente, as vivências políticas dos estadistas podem e são teatralizadas.


Prof. Dr. José Renato Ferraz da Silveira

Resumo biográfico

Resumo biográfico

Em 20 setembro de 1999, cursando Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, assisti uma palestra do professor Doutor Miguel Wady Chaia a respeito da Guerra em Shakespeare.
Parece que ocorreu-me o mesmo “despertar” de Kant ao ler David Hume: “despertei de meu sono dogmático”. Citando a Harold Bloom: “antes de Shakespeare, os personagens literários são, relativamente, imutáveis. Homens e mulheres são representados, envelhecendo e morrendo, mas não se desenvolvem a partir de alterações interiores, e sim em decorrência de seu relacionamento com os deuses. Em Shakespeare, os personagens não se revelam, mas se desenvolvem, e o fazem porque têm a capacidade de auto-recriarem (...) para tais personagens, escutar a si mesmos constitui o nobre caminho da individuação, e nenhum outro autor, antes ou depois de Shakespeare, realizou tão bem o verdadeiro milagre de criar vozes, a um só tempo, tão distintas e tão internamente coerentes, para seus personagens principais, que somam mais de cem, e para centenas de personagens secundários, extremamente individualizados”.
 A partir dessa narrativa de Bloom,  “em que quanto mais lemos e refletimos sobre as peças de Shakespeare nos damos conta de que a reação certa é admiração. A primeira obra de Shakespeare, fruto dessa “iluminação”, e no qual li com olhar de cientista social foi A tragédia do rei Ricardo III.
Fascinado pela leitura e o encanto do personagem protagonista, dediquei, a partir de então, em minha carreira acadêmica na interpretação política das peças shakespearianas, em especial, os Dramas Históricos. Como pontua Bloom, “as peças shakespearianas continuam a ser o limite máximo da realização humana: seja em termos estéticos, cognitivos, e, até certo ponto, morais, e mesmo espirituais. São obras que se colocam além do alcance da mente. Não somos capazes de atingi-las. Shakespeare prossegue “explicando-nos”, em parte, por que nos inventou”.
No Mestrado, em 2003, defendi a dissertação intitulada A tragédia política de Ricardo III na PUC/SP, no qual a publiquei em 2012 pela Azougue editorial. Orientado por Miguel Chaia o professor prefaciou a obra com os seguintes dizeres:

Este livro [A Tragédia da Política em Ricardo III] é uma ousadia intelectual e um instigante produto acadêmico. José Renato faz parte de um grupo de intelectuais que percebeu na contemporaneidade a complexa relação entre as áreas de saber e busca borrar as fronteiras que compartimentam a inteligibilidade do mundo. Nesse sentido, o autor supõe que também a arte – como a filosofia e a ciência – é um exercício de pensamento e criação capaz de gerar diferentes formas de conhecimento. Especialmente, no caso deste livro, o autor seleciona peças de William Shakespeare para realizar uma investigação das relações de poder, problematizando questões clássicas que envolvem a sociabilidade humana.

Publiquei de 2006 a 2014, inúmeros artigos em sites, blogs e revistas acadêmicas.
No doutorado, em 2009, com orientação de Miguel Chaia, defendi a tese William Shakespeare e a teoria dos dois corpos do rei: a tragédia de Ricardo II, no qual pretendo publicá-la nesse ano de 2014. A obra será publicada pela Azougue editorial. O professor e cientista político Reginaldo Teixeira Perez prefaciará a obra.
Hoje professor do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ainda Shakespeare permanece como fonte de estudos, projetos de extensão e pesquisas.
Após quase duas décadas, lendo, estudando, pesquisando, assistindo filmes e adaptações no teatro, “considero Shakespeare um enigma insolúvel”, parafraseando Harold Bloom.


Reflexão do Mito de Sísifo

Se eu me der conta de que o que faço é exatamente o que farei amanhã, tratarei de cuidar mais de minhas atitudes? Comportamentos repetitivos costumam gerar reações equivalentes das pessoas afetadas por eles. E o padrão de comportamento depende, sim, do padrão de pensamento. Em outras palavras, eu me comporto como me comporto porque penso como penso. E se eu não modificar esse padrão continuarei a ter a mesma reação por parte das pessoas. 
O comportamento de consumo é observado pelas empresas. Estamos sendo observados permanentemente por tecnologias derivadas de várias ciências, como a psicologia social, a antropologia e até a neurociência, com a finalidade de nos tornamos clientes fiéis a produtos e marcas. Ou seja, a continuarmos sendo o que sempre fomos. A sermos no futuro o que temos sido até agora. O comportamento define a tendência, a tendência reforça o pensamento. 
Sem dúvida, repetimos padrões. Cerca de metade do que fazemos no dia a dia deriva de nossos hábitos e não de intenções deliberadas.

Texto de orelha de Gabriel Cohn

Tempos difíceis, tempo de tragédia, tempo de grandes mudanças, quando se entrelaçam destinos pessoais e históricos em registro extremo. É o retrato de tempos assim que é a matéria deste livro. Estão em jogo a tensão e a ruptura dramática entre orientações políticas básicas na passagem da era medieval para a moderna. E quando se fala aqui em dramático é também no sentido literal que se pensa: a tragédia como composição literária destinada à encenação. Isso, na sua expressão mais alta, a de Shakespeare, e numa peça na qual todas as reconfigurações impostas pela mudança de época se condensam, a tragédia de Ricardo II. Também não casual que se fale no livro das “forças imponderáveis do acaso” quando a referência é a uma época em que ruíam as defesas contra a dimensão da contingência nos assuntos humanos. Desde Aristóteles esta era reconhecida como intrínseca à política, mas, no momento da consolidação do poder monárquico no mundo cristão a ela se opôs a concepção da unção divina, imune às contingências terrenas, como fundamento do direito monárquico. Unção que se exprimia na ideia de que ao corpo profano do rei se junta seu corpo sagrado (a doutrina dos “dois corpos do rei”, à qual o autor deste livro recorre nas suas análises). É o período no qual vem a emergir aquilo que Maquiavel colocou no centro da concepção do exercício do poder político que marcaria a modernidade: a ação do homem de valor, de virtú, para dar conta da contingência e, no tempo devido, dobrar a seu favor a inconstância do acaso, da fortuna. Como se vê neste livro, ao tratar de Ricardo II Shakespeare mobiliza os grandes temas que dão unidade à sua dramaturgia política, centrada na figura trágica do homem que está no centro da ação e tem sua capacidade de fazer frente aos entrechoques de ambições e paixões continuamente posta à prova. Como sugere o autor, e busca demonstrar pela contextualização histórica da figura de Shakespeare, a qualidade primeira que ele vê no monarca consiste em ser capaz de manter sob controle as ambições e hostilidades daqueles que o cercam. Ser capaz de centralizar e concentrar na sua pessoa o poder, não mais por injunção divina e sim (e aqui cabe Maquiavel) por virtú. Unificar o mando, consolidar a nação; realizar, portanto, a grande tarefa histórica do momento, a da construção do Estado nacional. É esse tema, nas suas diversas dimensões e na transfiguração que lhe confere a grande obra de arte, que se encontrará reconstruída neste livro. 

Reflexão

Nietzsche elaborou o conceito do eterno retorno, uma de suas ideias mais complexas e malcompreendidas até hoje. O pensador alemão pergunta o que você sentiria se visitado por um demônio que lhe dissesse que tudo o que você fez nesta vida, todas as conquistas e derrotas, sofrimentos e prazeres, comportamentos cotidianos e atos esporádicos, tudo seria repetido, e repetido de novo, indefinidamente. E você estaria condenado a viver para sempre a vida que escolheu viver. Qual seria seu sentimento diante desse destino?

Síntese da disciplina de História das Relações Internacionais I

Escrevi um breve texto para sintetizar do que trata e tratou a disciplina de História das Relações Internacionais I
O tratado de Vestfália marca o fim de cento e cinquenta anos de conflitos entre os nascentes Estados europeus e o fim das ambições dos Habsburgos.
A história europeia após o Tratado de Vestfália é a contínua busca, por parte da França, de obtenção da hegemonia europeia e a resistência, por parte dos demais Atores europeus, a esse intento racional e planejado.
A política externa francesa baseada na raison d´état neutralizava qualquer possibilidade de um Estado forte próximo de suas fronteiras. Primeiro, pela debilidade e fragmentação na Europa central. Segundo, o centro da Europa era o espaço a ser "sempre" zona de influência francesa.
Podemos dividir a disciplina em três períodos:
1° período: 1648-1740 e é de preponderância francesa, embora a Holanda é destaque no século XVII. A Espanha perdia papel de potência de primeira ordem. A Aústria permanecia forte mas recuava suas pretensões na "Alemanha". A Inglaterra, a partir de suas revoluções, tornou-se uma Monarquia em que o Parlamento tinha papel preponderante. A França, especialmente sob Luís XIV "esforçou-se por reforçar o absolutismo monárquico.
2° período: 1740 a 1792 e se caracteriza pela preponderância marítima da Inglaterra e pelo equilíbrio das potências continentais.
3° período: 1792-1815 e se caracteriza por ser o momento do apogeu e fracasso do projeto de uma Europa francesa. De 1792 a 1815, a guerra opôs permanentemente a França às monarquias europeias. Napoleão Bonaparte, herdeiro dessa guerra, tentou construir uma Europa continental francesa.
Por fim, a Revolução francesa, que abalou a estrutura de poder no interior da Potência que buscou a hegemonia e acabou repercutindo em todo o continente - chegando inclusive ao Novo Mundo - com as guerras napoleônicas.


ENTREVISTA

Entrevista

No dia 16 de agosto, o professor e coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria, José Renato Ferraz da Silveira, lançará a obra A tragédia da política em Ricardo II, fruto de sua tese de doutoramento defendida em 2009 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. José Renato dá sequência a uma pesquisa que já rendeu bons frutos quando da publicação de sua dissertação de mestrado – A tragédia da política em Ricardo III.   

O       lançamento será na Livraria Nobel, 2° andar, Shopping Royal Plaza, às 17 horas.


Do que o livro trata?
José Renato: Vivemos tempos sombrios, tempos difíceis, tempo de tragédia, tempo de grandes mudanças, quando se entrelaçam destinos pessoais e históricos em registro extremo. É o retrato de tempos assim que é a matéria deste livro. Estão em jogo a tensão e a ruptura dramática entre orientações políticas básicas na passagem da era medieval para a moderna. Como se vê neste livro, ao tratar de Ricardo II Shakespeare mobiliza os grandes temas que dão unidade à sua dramaturgia política, centrada na figura trágica do homem que está no centro da ação e tem sua capacidade de fazer frente aos entrechoques de ambições e paixões continuamente posta à prova. Procuro demonstrar pela contextualização histórica da figura de Shakespeare, a qualidade primeira que ele vê no monarca  no qual consiste em ser capaz de manter sob controle as ambições e hostilidades daqueles que o cercam. Ser capaz de centralizar e concentrar na sua pessoa o poder, não mais por injunção divina e sim (e aqui cabe Maquiavel) por virtú. Unificar o mando, consolidar a nação; realizar, portanto, a grande tarefa histórica do momento, a da construção do Estado nacional. É esse tema, nas suas diversas dimensões e na transfiguração que lhe confere a grande obra de arte, que se encontrará reconstruída neste livro.


A peça Ricardo II pode ser lida como uma obra política?
JR: Sem dúvida. Ricardo II é obra singular, imprescindível ao campo da ciência política e proporciona ao leitor um ângulo privilegiado para observar a transição de um fundamento teológico da Idade Média para uma justificação moderna de legalidade-legitimidade dos reis, apresentada por Shakespeare por meio da tragédia lírica. De fato, essa obra dramatúrgica possui potencial para enriquecer e/ou complementar obras da filosofia e teologia política, em um fluxo multidirecional. Cito parte do prefácio do amigo,  professor e cientista político Reginaldo Teixeira Perez “vislumbram-se, assim, os planos que interagem na obra de Silveira: um autor contemporâneo (século XXI) se debruça sobre uma peça shakespeariana (final do século XVI), que, de sua parte, com o possível intento de metaforizar o reinado de Elisabeth, retrata um drama histórico-político da segunda metade do século XIV. Não é necessário recorrermos às exigências vergastadas por Quentin Skinner[1] a uma boa recuperação de um tempo pretérito – a saber, erudição à farta na apreensão dos significados dos termos dos debatedores daquele contexto – para reconhecermos a coragem incomum do professor José Renato no tratamento dado aos seus temas estudados. O que se depreende de sua obra (em tempo: de agradabilíssima leitura) – e que certamente o aproxima de perspectivas shakespearianas – é uma possibilidade que a todos fascina: os indivíduos teimam em não ser escravos de seu contexto de formação, ceteris paribus, parece ser necessário reconhecermos componentes constantes nas nossas condutas. O exame da política – assim como o de seu sujeito, o político –, em sua dimensão agônica e universal, apresenta-se como um bom caminho”.


Qual a importância da sua obra para o leitor?
JR: O que observamos é que cada vez mais as vivências políticas dos estadistas são teatralizadas, em que as “sombrias forças” do poder impactam principalmente neles. A obra procura evidenciar a crise generalizada que intima profundamente a dimensão cultural, artística, política, ecológica, espiritual e filosófica de nosso tempo, pois todas estão tocadas, no seu âmago, por um sentimento de desorientação e incerteza. A angustiante insatisfação das populações com as democracias ocidentais tem sido parte da História. Elevam-se as vozes que interrogam as escolhas e decisões que determinaram a economia política das sociedades. Mas ao mesmo tempo, vemos sinais da criação de novas formas de viver e de pensar, inspirados na memória das lutas políticas e dos movimentos sociais. A presente obra A tragédia da política em Ricardo II demonstra essa singularidade histórica do Ocidente (podemos pensar também em termos do Brasil do século XXI), entrelaçando experiências trágicas e esperanças messiânicas.
Creio quem tiver a oportunidade de adquirir e ler a presente obra terá o privilégio de ver os seguintes aspectos: a) a imbricada relação entre arte e política, uma incômoda reunião, outras vezes, uma surpreendente união como diria o cientista político Miguel Chaia; dois, a análise centrada nas relações de poder, sob a visão realista conquista, manutenção e queda; três, os conflitos que são inerentes ao jogo político numa linguagem acessível; quatro, a dimensão trágica do poder, principalmente no que se refere a queda do rei Ricardo II; cinco, conhecimento de história medieval e moderna inglesa; seis, conhecimento literário da peça Ricardo II; sete, conhecimento da biografia do dramaturgo William Shakespeare; oito, é fruto de minha tese de doutorado, muito original, criativa e rica em linguagem e cultura política.

José Renato Ferraz da Silveira é coordenador e professor do curso de Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Maria. Estudioso da obra shakespeariana desde 1999. Publicou Sob o signo da Fênix lançado pela editora canal 6, participou da obra Arte e Política (sob organização de Miguel Chaia) e publicou A tragédia da política em Ricardo III, ambos lançados por esta editora. É membro do Núcleo de Estudos em Mídia, Política e Arte (NEAMP) e líder do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais de Santa Maria (PRISMA). Atualmente pesquisa guerras e conflitos simbólicos, cultura e teoria política e a permanência da tragédia na política.





segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Ricardo II

Mais do que um príncipe ou um rei da Inglaterra, Ricardo é a figura da sua própria biografia no traçado que Shakespeare lhe confere: o homem real e a ficção, os seus atos e os sentimentos, as palavras que dizem longos solilóquios e são poemas líricos inventados, o poder e declínio que representou, orgulho e vergonha, os amigos, os inimigos e traidores, quem o amou e teria dado a vida por si, a morte e o luto. Para além do silêncio da leitura a sós, para além dos palcos e plateias, da história datada dos acontecimentos que relata, Ricardo é a linguagem complexa de profundos sentidos de catarse e provocação, que nos envolvem e tocam em imagem que hoje reconhecemos - ou meramente pressentimos ...- do mundo e de todas as nossas histórias.
A TRAGÉDIA DA POLÍTICA EM RICARDO II
José Renato Ferraz da Silveira

Tempos sombrios
Vivemos tempos sombrios, tempos difíceis, tempo de tragédia, tempo de grandes mudanças, quando se entrelaçam destinos pessoais e históricos em registro extremo. É o retrato de tempos assim que é a matéria deste livro. Estão em jogo a tensão e a ruptura dramática entre orientações políticas básicas na passagem da era medieval para a moderna. E quando se fala aqui em dramático é também no sentido literal que se pensa: a tragédia como composição literária destinada à encenação. Isso, na sua expressão mais alta, a de Shakespeare, e numa peça na qual todas as reconfigurações impostas pela mudança de época se condensam, a tragédia de Ricardo II. Também não casual que se fale no livro das “forças imponderáveis do acaso” quando a referência é a uma época em que ruíam as defesas contra a dimensão da contingência nos assuntos humanos. Desde Aristóteles esta era reconhecida como intrínseca à política, mas, no momento da consolidação do poder monárquico no mundo cristão a ela se opôs a concepção da unção divina, imune às contingências terrenas, como fundamento do direito monárquico. Unção que se exprimia na ideia de que ao corpo profano do rei se junta seu corpo sagrado (a doutrina dos “dois corpos do rei”, à qual o autor deste livro recorre nas suas análises). É o período no qual vem a emergir aquilo que Maquiavel colocou no centro da concepção do exercício do poder político que marcaria a modernidade: a ação do homem de valor, de virtú, para dar conta da contingência e, no tempo devido, dobrar a seu favor a inconstância do acaso, da fortuna. Como se vê neste livro, ao tratar de Ricardo II Shakespeare mobiliza os grandes temas que dão unidade à sua dramaturgia política, centrada na figura trágica do homem que está no centro da ação e tem sua capacidade de fazer frente aos entrechoques de ambições e paixões continuamente posta à prova. Como sugere o autor, e busca demonstrar pela contextualização histórica da figura de Shakespeare, a qualidade primeira que ele vê no monarca consiste em ser capaz de manter sob controle as ambições e hostilidades daqueles que o cercam. Ser capaz de centralizar e concentrar na sua pessoa o poder, não mais por injunção divina e sim (e aqui cabe Maquiavel) por virtú. Unificar o mando, consolidar a nação; realizar, portanto, a grande tarefa histórica do momento, a da construção do Estado nacional. É esse tema, nas suas diversas dimensões e na transfiguração que lhe confere a grande obra de arte, que se encontrará reconstruída neste livro.

A peça

Ricardo II faz parte das chamadas peças históricas da Dramaturgia shakesperiana: a segunda tetralogia sobre a História da Inglaterra, em torno da figura de Henrique de Bolingbroke (Henrique IV, Partes 1 e 2), a qual também inclui Henrique V.
Para muitos críticos, a peça Ricardo II é a mais formal e cerimonial das peças shakesperianas, onde os conflitos de natureza política e bélica que geram a ação permanecem sempre nos bastidores das evocações, são cenas de violência, traição e vingança, de profunda carga emotiva, como a da célebre deposição do rei. Para os leitores e espectadores hoje em dia, a excentricidade em Ricardo II é a formalidade que tem um efeito maravilhoso e que provoca certo estranhamento.
Dotado de uma natureza lírica, esse drama histórico forma uma tríade, ao lado de Romeu e Julieta, uma tragédia lírica, e Sonho de uma Noite de Verão, a mais lírica das comédias shakesperianas. Embora seja a menos famosa das três e contenha altos e baixos, Ricardo II é uma peça esplêndida; trata-se do melhor drama histórico escrito por Shakespeare, excetuando-se as peças de Falstaff, isto é, as duas partes de Henrique IV (BLOOM, 1998, p. 317).
Ricardo II não é uma peça caracterizada pelo relato e pela representação dos fatos em si, mas pelo seu desdobramento em sequências de momentos, quase sempre de espera, em que a situação sobranceira autoconfiante do rei e de todos os que o acompanham, estejam do seu lado ou em oposição, se vai dissipando em presságios funestos até alçar a mais profunda trágica desesperança. As falas mais pungentes são proferidas pelo próprio protagonista Ricardo II. É interessante observar que na opinião do crítico Harold Bloom, Ricardo II não passa de um ensaio para a criação do personagem Hamlet.
Ricardo II não é uma das peças shakesperianas mais “conhecidas do público”. Uma breve retrospectiva pela sua recepção na Inglaterra dá conta de oscilações significativas na apreciação e avaliação que as diferentes épocas lhe atribuem. Junte-se a isso a reação política que despertou junto ao público elizabetano que lhe valera a reputação de peça subversiva e revolucionária.. De certa forma, mesmo após algum interesse crítico suscitado nos meios culturais augustanos, particularmente em Dryden e Samuel Johnson, a peça é relegada comumente para alguma penumbra da memória das plateias e dos críticos. Será no século XIX romântico, pela voz crítica de Coleridge e, algumas décadas mais tarde por Pater, Montague, Yeats e Swinburne, que a obra recupera enquanto retrato do homem na sua dimensão de masculinidade e não mais na simbologia política. O período entre as duas guerras mundiais fizeram de Ricardo II ser mais vista pelo público teatral na Europa ao apresentar a trágica condição humana do estadista.

A atualidade da peça

Vivemos uma crise generalizada que intima profundamente a dimensão cultural, artística, política, ecológica, espiritual e filosófica de nosso tempo, pois todas estão tocadas, no seu âmago, por um sentimento de desorientação e incerteza A angustiante insatisfação das populações com as democracias ocidentais tem sido parte da História. Elevam-se as vozes que interrogam as escolhas e decisões que determinaram a economia política das sociedades. Mas ao mesmo tempo, vemos sinais da criação de novas formas de viver e de pensar, inspirados na memória das lutas políticas e dos movimentos sociais.
A presente obra A tragédia da política em Ricardo II demonstra essa singularidade histórica do Ocidente (podemos pensar também em termos do Brasil do século XXI), entrelaçando experiências trágicas e esperanças messiânicas.
O último rei Plantageneta, Ricardo II, viveu entre uma fraca base de apoio e uma forte oposição armada contra seu governo. Perdeu a vida. Perdeu o poder. Eram outros tempos. Tempos do medievo. Na Inglaterra. O rei Ricardo II tentou-se manter através de um princípio de legalidade que estava cada vez mais sendo superado pela época da transição crítica. Ao leitor curioso, “Ele” acreditava ser o representante de Deus na Terra e governar sem oposição ou resistência. Ledo engano! A política é marcada por sua face conflituosa e paradoxal.
O que observamos é que cada vez mais as vivências políticas dos estadistas são teatralizadas, em que as “sombrias forças” do poder impactam principalmente neles. Parece que os deuses honram com sua vingança não aos homens comuns, mas aqueles que se situam acima da sua existência. É a sina e o destino trágico dos estadistas.

quinta-feira, 27 de março de 2014

As diferenças entre as políticas colonialistas dos dois grandes impérios ocidentais, os da Grã Bretanha e da França segundo John. G. Stoessinger na obra O poder das nações.
Grã Bretanha
Exercia uma forma indireta de controle sobre suas possessões. O governo operava mediante padrões administrativos locais já existentes e, em geral, permitia certo grau de participação nativa. Um vice rei costumava simbolizar o poder do Império britânico, mas esse vice rei, apesar de resplendente na pompa de seu cargo, fazia questão de não interferir nos costumes locais, a menos que tais costumes pussessem em perigo o interesse do império. Os britânicos desenvolviam sua ideia de uma Comunidade de Nações, que em nosso tempo deveria suplantar aos poucos o império, passaram eles a preparar suas dependências para que elas mesmas, posteriormente, passassem a governar. Logo a evolução política de seus territórios os qualificava para secessão e para a independência.
França
O conceito francês de governo era emanado diretamente de Paris, que, na primeira fase de sua colonização, não permiitiu nenhuma forma de governo local. As colônias de ultramar eram consideradas parte da França, tanto quanto a Normandia e a Bretanha. A meta última do governo colonial francês era a assimilação ao modo de vida francês; em outras palavras, a "francificação". Isso significava maior integração no modo de vida francês e maior participação no governo da metrópole.
Sugestões de obras para o acervo bibliográfico particular:
1) Diplomacia - Henry Kissinger
2) Ascensão e Queda das Grandes Potências - Paul Kennedy
3) Obras do historiador de Eric Hobsbawm - Era dos Impérios, Era das Revoluções, Era dos Extremos, Tempos interessantes
4) O fim da História e o último homem - Francis Fukuyama
5) O choque de civilizações - Samuel P. Huntington
6) Sobre a China - Henry Kissinger
7) Precisará a América de uma Política externa? - Henry Kissinger
8) A grande ilusão - Norman Angell
9) Vinte anos de crise - Edward Hallet Carr
10) Conflito e cooperação nas RI - Joseph Nye
11) A política entre as nações - Hans Morgenthau
Resumo da obra Imperialismo: última fase do capitalismo

A principal obra comunista sobre o imperialismo é Imperialismo: última fase do capitalismo, de Lênin. Esse trabalho, fortemente influenciado pelo estudo do Imperialismo, de J. A. Hobson, publicado em 1902, ainda representa a interpretação soviética oficial do imperialismo do ocidente, tendo conquistado ampla aceitação nos países recém-aparecidos na Ásia e na África. Merece, portanto, uma análise cuidadosa. A tese de Lênin baseia-se na concepção marxista de que a luta econômica nas sociedades altamente industrializadas da Europa conduz necessariamente ao capitalismo monopolista. À medida que esse estado de coisas evolui, ocorre uma concentração cada vez maior de riquezas nas mãos de um número cada vez menor de indivíduos, havendo um grupo sempre crescente de desapossados a engrossar as fileiras do proletariado. No ponto referido como de "concentração capitalista", os poucos monopolistas remanescentes não tem outra alterantiva senão voltarem-se uns sobre os outros. Quando a luta atinge essa fase, afirmava Lênin, o capitalista descobre um paliativo que lhe permite afastar por algum tempo a catástrofe inevitável que o espera às mãos de desapossados. Esse paliativo é o imperialismo. os capitalistas, em lugar de se voltarem uns sobre os outros, passam então anexar colônias ultramarinas, que lhes proporcionem novos mercados para a exportação de capital, aliviando-lhes, assim, os mercados altamente saturados e abrindo-lhes novas perspectivas. Mas essa solução, afirmava Lênin, representa apenas uma suspensão de pena, não é uma anistia; o imperialismo é somente uma última e desesperada manobra pela qual os capitalistas se desviam, temporariamente, de seu inevitável colapso. Essa manobra só faz adiar o inevitável. Daí que, na perspectiva de Lênin, uma política imperialista, praticada por uma nação altamente industrializada, seja indício seguro de que o capitalismo, nessa nação, já alcançou sua fase final que precede a própria decomposição.