terça-feira, 6 de setembro de 2011

Se a função do diplomata é representar o país perante Estados estrangeiros e foros internacionais, o oficial de chancelaria presta apoio técnico às tarefas diplomáticas e consulares. Entre suas atribuições estão incluídos planejamento, supervisão, orientação, controle e execução de serviços técnicos relacionados ao cerimonial, práticas consulares, acordos e atos internacionais, cooperação cultural, cooperação técnica, científica, tecnológica e comercial.
O assistente de chancelaria, por sua vez, presta apoio administrativo aos servidores da carreira diplomática, ao Itamaraty e à Secretaria de Estado das Relações Exteriores, às missões diplomáticas e às repartições consulares. As atividades da função abrangem tarefas de secretariado, taquigrafia e processamento de dados, cerimonial, cooperação cultural e cooperação técnica.
SILVA, Guilherme A. Dicionário de Relações Internacionais. 2. Ed. Ver e ampl. Barueri, SP: Manole, 2010.


ITAMARATY

O MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (MRE) DO BRASIL É CONHECIDO COMO ITAMARATY, em referência ao Palácio do Itamaraty, prédio em estilo neoclássico localizado na cidade do Rio de Janeiro, que foi sede do governo republicano de 1889 a 1898 e sede do MRE de 1899 a 1970. Atualmente, o Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro funciona como escritório de representação do MRE naquela cidade e sedia o Museu Histórico e Diplomático, o Arquivo Histórico e uma mapoteca. A atual sede do MRE fica no Palácio do Itamaraty em Brasília, projetado por Oscar Nieyemer, com jardins internos concebidos pelo paisagista Roberto Burle Marx. Representações nos estados do Rio Grande do Sul, de São Paulo e Pernambuco, além de órgãos de apoio, dentre os quais se destacam a Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e o Instituto Rio Branco, complementam a estrutura do Itamaraty.
O Itamaraty, ou MRE, tem como função principal assessorar o presidente da República no que diz respeito à formulação e à execução da política externa brasileira, bem como assegurar a manutenção das relações do país com Estados estrangeiros e organizações internacionais. As ações do Itamaraty são pautadas pelos princípios básicos de solução pacífica de controvérsias, pela não intervenção e pela participação ativa nos principais foros multilaterais, como a ONU, a OEA e a OMC. O MRE cuida ainda das questões inerentes à demarcação de fronteiras. Há que notar que o Brasil faz fronteira com todos os países sul-americanos, com exceção do Chile e do Equador. Apesar de essas fronteiras estarem formalmente estabelecidas, adição de marcos em seus 16.889 Km constitui-se em tarefa sempre atual.
A estrutura hierárquica do Itamaraty, de acordo com os termos do Decreto n. 4.759 de 21 de junho de 2003, inclui o ministro de Estado das Relações Exteriores, o secretário-geral das Relações Exteriores, o subsecretário-geral de Assuntos Econômicos e Tecnológicos, o subsecretário-geral da América do Sul, o subsecretário-geral de assuntos políticos e o subsecretário-geral do Serviço Exterior.
Embaixadas em Estados estrangeiros e delegações permanentes em organizações internacionais compreendem as missões diplomáticas permanentes. Elas têm como finalidade a representação, negociação, informação e proteção dos interesses nacionais do país no exterior.
As repartições consulares têm como função prestar serviços a brasileiros no exterior e a estrangeiros com interesses no Brasil. São compostas de: a) repartições consulares de carreira (consulados-gerais, consulados e vice-consulados) b) repartições consulares honorárias (consulados honorários); e c) setores consulares das missões diplomáticas.
Dentre os serviços consulares prestados destacam-se a expedição de passaportes e de outros documentos de viagem a brasileiros, vistos e emissão de documentos a estrangeiros em viagem no Brasil, matrículas consulares, prestação de serviços de notário público, de oficial de registro civil e do serviço militar, prestação de assistência a brasileiros presos no exterior, repatriação, assistência a embarcações e aeronaves de bandeira brasileira e suas tripulações, além do cumprimento de determinações relativas à legislação eleitoral e do recebimento de declarações de rendimentos de brasileiros a serviço do governo federal no exterior. Naqueles países onde não há missão diplomática, as repartições consulares desempenham ainda o papel de promover as relações comerciais, econômicas, culturais e científicas.
Em termos de oportunidades profissionais, o Itamaraty oferece as carreiras diplomática, de oficial de chancelaria e de assistente de chancelaria. O Instituto Rio Branco, criado em 1945 como parte das comemorações do centenário do nascimento do Barão de Rio Branco, é responsável pela condução dos processos de seleção (concurso público) e treinamento de diplomatas. Os aprovados em concurso realizam um estágio de dois anos, um programa estruturado nos moldes de um curso de mestrado, e iniciam a carreira diplomática na função de terceiro secretário. Para chegar a embaixador, ou ministro de primeira classe, é preciso galgar ainda os cargos de segundo secretário, primeiro secretário, conselheiro e ministro de segunda classe.
TENDO EM VISTA O TEMA DA SUBJETIVIDADE INTERNACIONAL DA PESSOA HUMANA NOS DIAS DE HOJE, COMENTE A SEGUINTE PASSAGEM:

“Já não é possível, como no direito internacional tradicional, seguir considerando a pessoa humana como um objeto da ordem jurídica internacional; isso não significa, entretanto, que aquela seja um sujeito pleno de direito internacional, apesar do processo de humanização que este vem experimentando”.

THIAGO BONFADA DE CARVALHO (20/20)

Ao longo de sua evolução histórica, o Direito Internacional tem sido por excelência o Direito dos Estados, direito entre as entidades dotadas de soberania territorial.Apenas no Século XX a situação começou a mudar, com o surgimento de numerosas organizações internacionais, dotadas de personalidade jurídica segundo seus tratados constitutivos. Para se ter uma ideia da lentidão deste processo, basta lembrar que a Convenção de Viena sobre Direito dos tratados, firmada nos anos 60, ainda estabelecia que somente Estados poderiam ser partes firmantes de um tratado. A inclusão das organizações internacionais nesta cláusula teve de esperar até a metade dos anos 1980!
Se esta foi a situação até para as organizações internacionais, fica claro que a inclusão de novos sujeitos, ONGs e indivíduos, será ainda mais lenta. Tradicionalmente, a relação dos indivíduos com o DIP é indireta; o individuo influencia o DIP influenciando seu Estado, e o DIP chega até o indivíduo através das medidas estatais. Nessa situação, apenas os Estados eram sujeitos do DIP, e os indivíduos eram apenas objetos.
Contudo, a tendência do sistema internacional e do próprio DIP, no período recente, é de aumentar o papel do indivíduo, e suas prerrogativas. Isso aconteceu mais cedo, e de forma mais clara, no âmbito dos direitos humanos e dos direitos sociais que deles fazem parte. A Organização Internacional do Tratado, via a representação sindical e patronal, há tempos abre uma brecha à participação não-estatal das sociedades; contudo, não é ainda a pessoa humana em si que tem direito de expressão.
Tal veio a ocorrer na década de 1960, com início da – tímida – implementação dos acordos sobre direitos humanos firmados no âmbito da ONU. Ainda que a capacidade dissuasiva e executória tivesse sido mínima, pela primeira vez indivíduos puderam expressar-se e fazer denúncias diretamente a um órgão internacional. Diversas organizações Internacionais – como as Comunidades Européias e a Organização dos Estados Americanos – hoje permitem o mesmo. No âmbito do direito comercial internacional, diversas organizações passaram a prever a possibilidade de reclamações individuais, ainda que geralmente a reclamação individual deva passar a ser capitaneada pelo Estado do reclamante no processo de resolução de controvérsias.
Assim, a pessoa humana vem adquirindo características que a distanciam da situação de objeto passivo da ordem jurídica internacional. Entretanto, como a citação deixa claro, esse processo está se dando apenas em algumas questões e temáticas, o que impede que consideremos a pessoa humana como “sujeito pleno” de direito internacional.
Folha – De que maneira duradoura os atentados de 11 de setembro mudaram a forma como os EUA vêem o mundo?
MADELEINE ALBRIGHT – O 11 de setembro foi um dos acontecimentos mais significativos para o povo americano. Eu nasci na Europa, na escalada para a Segunda Guerra Mundial (Albright nasceu na então Tchecoslováquia, em 1937, mas é cidadã americana). Eu sei o que é se sentir vulnerável. A maioria dos americanos nunca havia se sentido vulnerável, foi um choque enorme. O efeito desse choque é muito duradouro, e é importante que os americanos não fiquem dominados pelo “fator medo”.

Existe uma discussão entre analistas sobre a suposta decadência dos EUA no cenário global e o fato desse declínio ser inevitável.
Eu não concordo com essa discussão. Eu vejo o mundo de forma muito diferente. Vejo muitos países ganhando poder no mundo, mas isso é bom. E isso ocorre porque as grandes questões de hoje – proliferação nuclear, terrorismo, pobreza, energia, ambiente, crise financeira – exigem a participação de vários para resolvê-las, não podem ser abordadas apenas por uma potência. Isso não é um sinal do declínio dos EUA. Nós achamos que isso é bom, celebramos a ascensão do Brasil, o fato de existir outro país com o qual podemos compartilhar responsabilidades.

Na discussão para elevar o teto do endividamento, haverá redução do déficit que atinge em cheio o Pentágono. Mas acredita-se que muitos cortes virão do Departamento de Estado também. Com redução em ajuda internacional e número de diplomatas, a senhora acha que o chamado “smart power” dos EUA pode ser afetado?
Essa é uma grande preocupação. Como cidadã americana e ex-secretária de Estado, estou muito preocupada com o que está ocorrendo com o orçamento. Uma democracia vibrante como os EUA tem responsabilidades globais. É dever do nosso governo ajudar no progresso social de outros países e por isso fico tão perturbada com o corte no Departamento de Estado. Os EUA não podem fugir de seu papel global. E por isso estamos procurando parceiros, como o Brasil.

A senhora acha que haverá grandes mudanças na política de defesa dos EUA?
Os Estados Unidos estão passando por duas guerras. Mas o presidente Obama está acelerando a retirada do Iraque e Afeganistão, com compromissos e calendários. Então, obviamente, teremos um Pentágono muito diferente, em um país que não está envolvido em duas guerras simultaneamente. De qualquer maneira, o que mudou desde o 11 de setembro é que há uma cooperação muito maior entre as agências de inteligência e um reconhecimento do fato de que o departamento de Estado precisa desempenhar um papel muito maior, baseando-se na experiência que tivemos nos últimos anos. Ficou claro que é essencial um grande número de diplomatas, civis, nesses países em conflitos, para melhorar as condições políticas e econômicas, e ter esse pessoal envolvido em reconstrução. Também é importante ressaltar o papel crescente das aeronaves não tripuladas (drones), que foram muito eficientes nas missões para desmantelar a Al Qaeda.

No novo cenário global, onde se encaixa o Brasil?
A visita do presidente Obama ao país demonstra que, para os Eua, o relacionamento com o Brasil é muito importante. Os BRICS são um agrupamento meio peculiar, mas, dentre os países BRICS, o Brasil é único porque é uma democracia forte, com a qual nós queremos trabalhar. O presidente Obama está muito animado com a vinda da presidente Dilma Rousseff aos EUA – ela será a primeira mulher a abrir a Assembléia Geral da ONU. Eu estou muito animada com a minha ida ao Brasil, em outubro. Fui várias vezes ao Brasil, quando era secretária de Estado, mas faz 11 anos que não vou ao país. Servi nas Nações Unidas ao lado do atual Ministro da Defesa, Celso Amorim.

Analistas decretam que missões de ajuda humanitária e reconstrução, como as que os EUA fizeram na Somália, no Haiti, em Kosovo e no Afeganistão, estão condenadas a desaparecer.
Há uma infinidade de jeitos de ajudar outros países a terem uma infraestrutura e se tornarem sociedades funcionais. Mas nós vamos fazer isso sozinhos – também brasileiros vão se beneficiar muito se não formos mais cercados por Estados falidos. Nossos países, que sabem como liderar democracias funcionais, precisam trabalhar juntos para ajudar outros países.

Então vocês estariam dividindo com outros países a responsabilidade nas intervenções humanitárias?
Sim, lidero uma força-tarefa sobre “ a responsabilidade de proteger” e o que a comunidade internacional deve a cada país. Os EUA, como o Brasil, estarão em uma situação muito melhor se houver estabilidade no mundo, sem Estados falidos, então precisamos achar métodos de colaborar para que não tenhamos Estados falidos.

O que muda com a morte de OSAMA BIN LADEN? Os EUA terão mais tempo para se focar em aspectos que haviam sido pouco negligenciados, como a ascensão da China?
A morte de Bin Laden decapitou a Al Qaeda, que não conseguiu reconstituir completamente sua liderança. Claramente ainda há células da Al Qaeda em vários lugares, então não podemos falar em derrota do terrorismo. E, em relação a negligenciar outros aspectos, eu discordo – uma das características dos EUA é que nós conseguimos fazer várias coisas ao mesmo tempo. Temos observado a China, temos pontos muitos positivos na relação, e outros que deixam alguns nervosos, como as intenções do país no mar do sul da China e em relação a Taiwan.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A POLÍTICA EXTERNA COMO ESFERA AUTÔNOMA DA MORAL

Com o desmoronamento da ordem mundial baseada na bipolaridade entre os EUA e a URSS e a intensificação da globalização em suas vertentes econômica, cultural e política, refletir sobre o complexo sistema das relações internacionais tem-se tornado frequente e necessário. Em um ano eleitoral como este, o interesse do eleitorado pela política externa bem como os intensos debates em torno desse mesmo eixo são salutares para nossa democracia, em intenso processo de consolidação. Analisando os debates entre os principais candidatos à presidência da República, nota-se que uma das mais eminentes divergências diz respeito à relação diplomática entre Brasil e Irã. Quanto a isso, a despeito da complexidade do assunto, algumas pequenas ponderações devem ser feitas a fim de que o tema seja amplamente compreendido. Longe de qualquer soberba pretensão, faço uso deste espaço com o intuito de problematizar aquilo que vem sendo alvo de acalorados debates técnicos e, principalmente, políticos.
Primeiramente, torna-se fundamental mencionar aqui a palavra moral. Não obstante a falta de consenso entre os filósofos em definirem a acepção desse termo, podemos entendê-la como, nas palavras de Frankena, um “sistema de normas sociais sob as quais os indivíduos se veem ao longo de toda a vida”. Sendo assim, a moral não é simplesmente imposta de maneira coercitiva aos indivíduos, já que eles aceitam a legitimação desses valores, ora utilizados para uma estável convivência em plena sociedade civil. No entanto, quando essa rede de normas sociais é infringida, surge o que Frankena chama de “pressão social”. Nesse caso, as sanções podem ser o vitupério, o asco e a fobia, mas não a força (o que distingue a moral do direito, por exemplo).
Indubitavelmente, a moral, como um sistema de regulamentação, faz-se necessária a nossa sociedade, estabelecendo, por conseguinte, padrões de convivência e restringindo possíveis excessos e sobreposições de interesses privados. No entanto, como a moral deve ser entendida no plano das relações internacionais e, mais do que isso, teria ela a capacidade de nortear as ações de um Estado soberano em suas relações com os demais pares estatais?
Certamente, muitos anuirão com minha proposta de socorrer-me com os escritos de Nicolau Maquiavel. Esse grande estudioso das relações políticas foi taxativo em afirmar que a política em nada se relaciona com a religião, com o direito, e tampouco com a moral. O príncipe, segundo esse florentino do século XVI, “não deve se importar com se expor à infâmia dos vícios sem os quais seria difícil salvar o poder. Porque, considerando-se bem tudo, há coisas que parecem virtude e acarretam a ruína, outras que parecem vício e, com elas, obtêm-se a segurança e o bem-estar”. Não faço aqui, caro leitor, uma justificativa para os lamentáveis atos escusos e corruptos em nossa tão difamada política tupiniquim. O que afirmo, pois, é que a política externa de qualquer país não depende de valores morais, por mais louváveis que possam ser. Ainda que seja praticamente consensual no mundo ocidental que a democracia deve ser a tônica de nossas instituições políticas e sociais - fato identificado pelo professor Ricardo Seitenfus como a “ditadura da democracia”-, os interesses de Estado não devem ser pautados por questões morais. Com um comércio bilateral passível de crescimento, Brasil e Irã devem manter relações amistosas, visto que nosso país pode auferir somas financeiras significativas aos seus cofres.
Importante frisar que o caso Brasil-Irã serve como um mero exemplo ilustrativo de minha opinião, visto que não possuo nenhuma simpatia ideológica pelo regime despótico e autoritário da teocracia iraniana. Entretanto, tais antipatias políticas não devem obliterar nossas capacidades de discernimento e de exame sobre os reais interesses de um Estado soberano. No “jogo politico das relações internacionais”, a história já nos mostrou incontáveis vezes que os preconceitos, a inflexibilidade e o apego a certos dogmas acabaram restringindo a capacidade de ação de muitos chefes de Estado.
Com a finalidade de melhor explicar esse ponto de vista, atenho-me ao exemplo de Otto Von Bismarck, o responsável pela unificação alemã em 1871. Mesmo sendo um “vigoroso adversário da revolução liberal de 1848”- conforme discorre Henry Kissinger sobre a personalidade do Chanceler de Ferro -, Bismarck não hesitou em flexibilizar seus valores conservadores, em favor da exploração das situações políticas existentes, visando sempre os interesses da Prússia. A despeito de sua ojeriza pessoal pelos valores liberais e democráticos, manteve uma política externa flexível, buscando sempre a unificação da Alemanha, sob a égide das instituições e da sociedade militaristas da Prússia. Distinguindo noções pessoais de noções políticas e “relativizando todas as crenças”, Bismarck alcançou um dos maiores objetivos dos alemães – a unificação do país. Mesmo que desde Richelieu, o objetivo central da política externa francesa tivesse sido evitar a unificação da Alemanha, o chanceler estabeleceu uma política amistosa com Napoleão III até o limite – quando na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), o último óbice à unificação alemã sucumbiu.
Como nos ensina Maquiavel, a história é a “mestra da vida”, “a verdade efetiva das coisas”. Não devemos, portanto, abrir mão de seus ensinamentos, de modo que os exemplos do passado sejam ignorados pelas ações do presente. Obviamente, o Estado brasileiro não deve ser condescendente com quaisquer práticas no âmbito externo, sob a justificativa baseada na independência da política frente a questões morais. O que mais importa, todavia, é entendermos que as relações diplomáticas e comerciais não devem ser estabelecidas por meio de inferências mal fundamentadas. Caso insistíssemos na falta de pragmatismo político em prol dos louváveis valores democráticos e liberais, nem mesmo os Estados Unidos mereceriam nossa confiança, haja vista os diversos acontecimentos de explícito desrespeito às liberdades individuais nesse país. O que fica claro para profissionais das Relações Internacionais e demais interessados é que o radicalismo – nem mesmo o radicalismo democrático – não é capaz de obter bons frutos na esfera política. Portanto, é um imperativo desse “jogo político” que a flexibilização, a prudência, o pragmatismo e o diálogo sejam estabelecidos como eixos fulcrais na busca pelos interesses do Estado brasileiro.



Guilherme Backes – acadêmico do curso de Relações Internacionais da UFSM
OS GRANDES LÍDERES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS


Os últimos acontecimentos internacionais chamam a atenção da opinião pública, na medida em que nomes conhecidos da política internacional estampam as manchetes dos principais veículos de imprensa. Para citar casos mais recentes, a morte do terrorista Osama Bin Laden, considerado, até então, inimigo número um dos EUA, bem como a prisão do ex-diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, acusado de assédio sexual, em Nova York, atestam a importância dos líderes para as relações internacionais.
Ao olharmos para o passado, por meio de uma breve revisão histórica, notamos que a história dos diferentes países pode ser altamente influenciada por seus líderes. A instabilidade emocional, as virtudes, os vícios, os medos e os traumas de cada líder político têm a capacidade de levar uma nação à bancarrota ou ao seu apogeu. Obviamente, inúmeros outros fatores atuam na história das nações, no entanto os efeitos gerados pela psicologia dos governantes podem, até mesmo, transcender fronteiras territoriais.
Logo após o colapso da Alemanha nazista, Konrad Adenauer, aos 73 anos de idade, tornou-se chanceler da Alemanha Ocidental. Diante do esfacelamento do Estado alemão após a Segunda Guerra Mundial, Adenauer fora um dos principais responsáveis pela reinserção de parte de seu país, na esfera internacional. A despeito da divisão do território do antigo Terceiro Reich, a República Federativa da Alemanha, capitaneada pelo pragmatismo político desse eminente estadista, aliou-se ao Ocidente, preterindo, assim, a unidade nacional. Para ele, uma aliança com os Estados Unidos representava uma base de sustentação para que os resquícios do pan-germanismo da primeira metade do século XX não emergissem novamente, ameaçando, mais uma vez, a estabilidade internacional. Conforme afirma Henry Kissinger, diplomata norte-americano, em sua conhecida obra Diplomacia, “A resposta de Adenauer ao caos do após-guerra foi que um país dividido e ocupado, cortado de suas raízes históricas, exigia uma política estável para voltar a ter algum controle sobre o seu futuro. Adenauer negou-se a sair desse caminho por nostalgia ou pela tradicional relação alemã de amor e ódio com a Rússia. Ele optou sem hesitação pelo Ocidente, mesmo ao preço de adiar a unidade alemã”.
Richard Milhous Nixon, a despeito de ter sido o único presidente estadunidense a renunciar – em virtude do famoso escândalo de Watergate - também pode ser lembrado por sua influência nas relações internacionais, em um contexto de plena Guerra Fria. O período em que as críticas mais severas e ferrenhas ao envolvimento dos Estados Unidos em uma guerra sem precedentes em sua própria história – a Guerra do Vietnã – coincidira com o mandato de Nixon, na Casa Branca. Além de ser o presidente responsável pela retirada das tropas americanas do “atoleiro sul-vietnamita”, Nixon contrariou a política externa de quatro outros presidentes dos EUA, entre eles um dos mais populares da história política norte-americana – John Fitzgerald Kennedy. Não obstante, Nixon fora responsável também pela chamada diplomacia triangular, na medida em que aproximou os EUA da República Popular da China. A despeito da bipolaridade ideológico-militar entre americanos e soviéticos, esse presidente estabeleceu, no começo da década de 1970, relações diplomáticas com o governo socialista de Mao Tsé-Tung, contrariando a rigidez ideológica de muitos policymakers da superpotência ocidental. Apesar de ser representada por um governo de tendências marxistas, a China da década de 1970 não constituía mais um aliado da URSS, acabando, assim, com o monolítico socialismo açambarcado pelos comunistas do leste europeu. No que tange a essa inovação na política externa norte-americana, o próprio Kissinger – antigo conselheiro político de Nixon – argumenta que “Uma vez que os EUA se abriram à China, a melhor opção da União Soviética passou a ser a sua própria distensão com os Estados Unidos”. Em outras palavras, “Na medida em que a China e a União Soviética calculassem que ambas precisavam da boa-vontade americana ou temessem uma aproximação americana com o adversário, ambas teriam bom motivo para melhorar suas relações com Washington”.
Outro exemplo a ser mencionado é a figura de Mikhail Gorbachov. Líder da antiga União Soviética, Gorbachov, de 1985 a 1991, foi responsável por uma serie de reformas políticas e econômicas, na então cambaleante economia soviética. Nesse sentido, “Quando Gorbachov assumiu a presidência, em 1985, era o líder de uma superpotência nuclear, em decadência econômica e social.” Por meio de medidas tais como a glasnost (transparência) e a perestroika (reestruturação), suas tentativas de modernizar a engrenagem do corrompido sistema socialista da URSS fracassaram com a a queda do muro de Berlim e com o colapso das repúblicas socialistas, no leste europeu. No entanto, cabe mencionar as intensas pressões que seu governo enfrentou, tais como o desastre nuclear na Usina de Chernobyl, na Ucrânia, a ascensão política do sindicato Solidariedade, sob a tutela do ativista polonês Lech Walesa, além dos dispendiosos investimentos em armamentos e da intensificação de uma burocracia parasitária e corrupta. Outrossim, embora tenha sido o último presidente de uma antiga superpotência nuclear, Gorbachov eternizou seu nome em todos os livros de História do século XX.
Os exemplos de apenas três importantes líderes políticos – um alemão, um norte-americano e um soviético – não encerram a importância das figuras políticas para o desenvolvimento das relações internacionais, sejam elas sob a cooperação ou sob o conflito interestatal. Inúmeros outros nomes merecem ser lembrados em qualquer breve revisão histórica do século XX, haja vista a influência que os seres humanos despertam sobre as mais diferentes instituições. As organizações internacionais, as forças transnacionais e, principalmente, os Estados não fogem à essa regra, como atesta a história das relações internacionais. Antes mesmo da gênese dos Estados Nacionais, grandes lideres já tinham sua importância reconhecida para a política internacional e a complexificação do capitalismo contemporâneo não tem a capacidade de extirpar esse vínculo entre, por um lado, os líderes políticos e, por outro, os impactos de suas personalidades sobre a sociedade internacional. Sendo assim, inevitavelmente, as relações internacionais continuarão, por conseguinte, sendo ligadas a nomes como Muamar Kadafi, Barack Obama, Angela Merkel, Nicolas Sarkozy, entre tantos outros representantes dos principais atores internacionais.

Guilherme Backes – acadêmico de Relações Internacionais (UFSM) e pesquisador do grupo PRISMA.
O BRASIL DIANTE DA POTENCIALIDADE DO MERCADO CHINÊS

Nas últimas décadas, especialistas em relações internacionais assim como diversos economistas têm focado suas análises na indelével projeção do mercado asiático, em especial do mercado chinês. Com uma população acima de 1 bilhão de habitantes e um Produto Interno Bruto (2009) de, aproximadamente, 5 milhões de dólares, a China mostra, anualmente, sua potencialidade em demandar produtos importados – potencial, ainda não completamente explorado pelo Brasil.
A teoria do modelo gravitacional - formulada por dois influentes economistas contemporâneos, Paul Krugman e Obstfeld - trabalha com a idéia segundo a qual o volume tanto das importações quanto das exportações varia de maneira diretamente proporcional ao tamanho das economias envolvidas nas trocas comerciais analisadas. A partir de observações acerca do Produto Interno Bruto (PIB) de países que realizam trocas comerciais entre si, observa-se que aqueles que possuem PIB's, substancialmente, elevados tendem a promover volumes maiores de trocas comerciais entre si do que aqueles cuja renda é visivelmente menor. Por outro lado, Krugman e Obstfeld afirmam que a distância também influencia nas trocas comerciais, mas de maneira inversamente proporcional. Em outras palavras, quanto maior a distância entre os países, menores serão os volumes comercializados entre eles. Sendo assim, dois diferentes fatores atuam nas trocas comerciais entre os países, sendo que um deles – o tamanho dos PIB's – corrobora para o aumento do comércio internacional, enquanto outro – a distância – tende a dificultá-lo.
Essa teoria baseia-se no fato de que, empiricamente, “as grandes economias tendem a gastar altas somas em importações porque possuem altas rendas. Também tendem a atrair grandes participações dos gastos de outros países porque produzem uma ampla gama de produtos”. No entanto, esse tipo de análise não leva em consideração as inúmeras inovações tecnológicas capazes de atenuar as adversidades oriundas de longas distâncias geográficas. Com a diminuição dos gastos inerentes ao setor logístico, o fator “distância” pode ser minimizado, a despeito de sua permanente relevância. Com o intuito de simplificação, o mesmo modelo também não analisa os fatores políticos envolvidos no comércio internacional, tais como barreiras alfandegárias, subsídios, e outros métodos de protecionismo, vigentes na política econômica das principais economias. Esse tipo de óbice ao comércio internacional está ligado, principalmente, à pauta de importações de produtos com maior valor agregado, tais como os produtos manufaturados.
No ano de 2009, o Brasil recebeu cerca de US$101 milhões com as exportações de produtos primários, sendo que o principal destino foi a Ásia, com um significativo aumento de 7,9%, em relação ao ano anterior. Além disso, a China mostrou sua importância como mercado consumidor, absorvendo 61,4% do total exportado para a Ásia. A título de comparação, a América Latina diminuiu seu consumo de matérias-primas brasileiras em 38,2%.
Já os produtos semimanufaturados comprovam, mais uma vez, que a Ásia foi o principal destino, com lucro de US$35 milhões. As economias latino-americanas, por sua vez, reduziram suas compras em 39,7% e renderam à balança comercial brasileira uma limitada soma de US$ 4 milhões, contra US$35 milhões oriundos da Ásia.
Ainda no que tange às exportações brasileiras, no ano de 2009, os produtos manufaturados exportados para a América Latina renderam US$ 115 milhões, mas com uma retração de 27%. A Ásia, nesse setor, importou apenas US$21 milhões, porém com um crescimento de 1,6%. Ainda que o mercado asiático participe de forma menos significativa que a América Latina, na pauta de produtos manufaturados brasileiros, nota-se que, enquanto as compras latino-americanas sofreram uma retração expressiva, os chineses aumentaram, ainda que de maneira limitada.
Após essa breve análise sobre os dados referentes ao Balanço de Pagamentos do Brasil, do ano de 2009, e, de modo mais específico, sobre as transações comerciais, conclui-se que o Mercosul, ao longo dos anos, vem perdendo espaço entre os mercados que importam produtos brasileiros. Essa análise aplica-se, precipuamente, aos produtos básicos e semimanufaturados. Todavia, essas mesmas categorias de produtos encontram, gradativamente, o vasto mercado consumidor asiático – em especial a China – cuja tendência é o incremento das transações comerciais.
Sob a perspectiva do modelo gravitacional, infere-se também que a distância não opera de maneira determinante entre as relações bilaterais com a China e que o fator PIB acaba suplantando a importância da distância geográfica. Com economias em ascensão, o mercado asiático, por mais distante que seja, constitui-se em um mercado promissor para os produtos brasileiros das mais variadas categorias. Não obstante, a proximidade dos países membros do Mercosul não é capaz de auferir resultados satisfatórios, na medida em que o PIB das economias sul-americanas é infinitamente inferior ao PIB chinês. Nesse sentido, deve-se frisar que o PIB tem um peso maior para as trocas comerciais do que a distância – já que as inovações tecnológicas têm a capacidade de diminuir os custos de transporte e a baixa riqueza das economias do Mercosul impedem um incremento das vendas brasileiras para esse bloco.
Pode-se contrapor a essa conclusão, o fato de que os produtos manufaturados brasileiros ainda não puderam ser inseridos no mercado asiático conforme a potencialidade das importações daqueles países. No entanto, fatores políticos e sociais – baixa remuneração da mão-de-obra, taxas alfandegárias, preços baixos, subsídios, desvalorização do yuan (moeda chinesa), etc. - obstruem o fluxo dos produtos brasileiros para tal região. Sob a dificuldade incutida pelo protecionismo chinês, os produtos brasileiros não conseguem entrar, nesse mercado, em condições razoáveis de competitividade.
Nesse sentido, a expansão do mercado chinês bem como a sua capacidade de incremento nas importações deve ser amplamente analisada pela política econômica do Governo brasileiro. O Brasil deve aumentar seus esforços, por meio da diplomacia e da política como um todo, para que as vendas brasileiras sejam ampliadas a esse grande mercado, que se constitui, no começo do século XXI. Tal proposição não subestima a importância econômica e geopolítica do Mercosul, mas prioriza a possibilidade de lucros em mercados cujas economias possuem um PIB muito mais elevado e, ao longo do tempo, com taxas crescentes, mostrando uma visível expansão e consolidação de suas estruturas macroeconômicas. O Brasil deve, portanto, priorizar sua pauta de exportações, no mercado chinês, sob a justificativa de que os produtos nacionais podem encontrar um grande mercado consumidor, nessa potência oriental.

Guilherme Backes – acadêmico do curso de Relações Internacionais (UFSM) e pesquisador do grupo PRISMA.
Guilherme da Cruz Backes

UMA BREVE REFLEXÃO ACERCA DA POLÍTICA ECONÔMICA DO COMEÇO DO SÉCULO XXI

Com a eclosão de inúmeros protestos em países europeus como Espanha, Grécia e Reino Unido, alguns questionamentos devem ser mencionados. Países que outrora contavam com economias desenvolvidas e mais bem preparadas para crises como à que estamos assistindo atualmente vem sendo palco de inúmeras reações – muitas delas, violentas – por parte de suas próprias populações.
Entrementes, o que pode ser concatenado e inferido dessa onda de insatisfação popular que arrasa o Velho Continente? Keynes, ainda na década de 1930, já discorria sobre a importância de métodos anticíclicos perpetrados pelo Estado para que as economias domésticas pudessem sair de períodos de recessão ou de depressão. O que mais surpreende, no entanto, é a utilização de formas anacrônicas por parte de certos governos para que suas respectivas economias voltem a patamares razoáveis de estabilização e de segurança.
Com o estímulo e o apoio de organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), testemunhamos cortes de gastos públicos, deterioração de serviços básicos e privatização de antigas estatais em grande parte da Europa. Tudo isso em nome da famigerada responsabilidade fiscal. Ora, se o estímulo a novos investimentos for neutralizado por tais medidas austeras, obviamente a economia desses países não voltará ao seu dinamismo anterior à crise, não contribuirá para o crescimento do comércio internacional e tampouco terá condições de honrar os empréstimos concedidos pelo Banco Central Europeu e pelas demais instituições financeiras.
Por outro lado, isso não quer dizer que o liberalismo deva ser atacado de antemão, conforme o fazem alguns diletantes da heterodoxia marxista. O fato é que para salvar o próprio sistema capitalista, muitas vezes a presença do Estado se faz necessária, diante de especulações financeiras, de pânico nas Bolsas de Valores e de demais comportamentos desencadeados por crises econômicas. Isso quer dizer, portanto, que nem sempre a ortodoxia do laissez-faire tem a capacidade necessária para estabilizar um período de turbulência, tal como o que presenciamos agora.
Por fim, o mais inusitado de tudo isso é o fato de as economias emergentes estarem mais bem preparadas para as atuais contingências econômicas do que as grandes potências do Norte. Com incentivos fiscais e investimento em setores estratégicos, o governo brasileiro, por exemplo, vem adotando uma alternativa completamente diferente do que se vê na Europa. Evidentemente, o governo brasileiro deve permanecer atento ao que acontece fora da América do Sul. Entrementes, se Keynes ou o Consenso de Washington é que estava certo, somente o tempo irá confirmar.
Guilherme da Cruz Backes

A CIÊNCIA PODE PREVER O FUTURO?

No começo deste século XXI, a sociedade internacional passa por inúmeros processos que têm como precípua consequência a proliferação de incertezas e, indubitavelmente, a quebra de antigos paradigmas das relações internacionais. A intensificação das divergências ideológicas entre republicanos e democratas, nos Estados Unidos, a crise econômica que assola as economias mais desenvolvidas e, até mesmo, a credibilidade do dólar, a ascensão de novas potências econômicas – em especial, a China – e o questionamento cada vez mais crescente por parte de certos intelectuais e políticos europeus quanto à viabilidade de construção de uma Europa multicultural são alguns dos componentes que deflagram essa eminente onda de transformações, responsáveis pela configuração da nova ordem mundial, após o colapso do sistema bipolar – outrora capitaneado pelos EUA e pela antiga URSS.
Indubitavelmente, esses temas supramencionados nos fazem refletir acerca da limitação das Ciências Sociais em, de alguma forma ou de outra, prever o futuro. Diante de objetos de estudo complexos como o são os fenômenos internacionais, a ciência encontra, doravante, sua legitimidade e sua função social estritamente na elaboração de prováveis cenários.
Sob esse ponto de vista, a antiga ideia positivista – cujas origens podem ser encontradas no Iluminismo europeu –, de por meio da aplicação de métodos científicos encontrar possíveis leis naturais que regem a sociedade, mostra sua inviabilidade. O desejo de autoridades intelectuais como Saint-Simon e Auguste Comte esfacela-se facilmente diante da imprevisibilidade e da cada vez mais interdependente sociedade internacional. Ademais, o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, a instabilidade de regimes políticos, o crescente questionamento de antigos valores e a “impressionante” irracionalidade de determinados atores internacionais complexificam ainda mais esse decrépito pensamento da comunidade científica.
Tantos são os exemplos, mas fiquemos apenas com a irrupção das revoltas populares no norte africano e no Oriente Médio, para não mencionarmos a crise financeira que ainda perturba economistas de diferentes matizes ideológicas. Com a nova ordem mundial, a “cilada positivista” finalmente mostra o que as Ciências Sociais não podem ter como premissa para a construção do conhecimento científico - a previsão a médio e longo prazos, pois como afirma Hélio Scwhartsman, “ Um macaco lançando uma moeda obteria resultados comparáveis”.
Guilherme Backes

A TITUBEANTE POLÍTCA EXTERNA BRASILEIRA

Com os fenômenos suscitados no norte da África e no Oriente Médio – em que a população saiu às ruas das principais cidades da região para protestar contra os excessos de poder por parte de seus respectivos governantes – a questão concernente à legitimidade jurídica e moral das intervenções militares vem mais uma vez à tona. A despeito dos eminentes excessos cometidos pela operação conduzida pelos Estados-membros da OTAN, a justificativa para tal intervenção pode ser auferida na Carta de São Francisco (1945), norteada pelo compromisso acordado entre os signatários em preservar a estabilidade e a paz internacionais.
O Brasil, que encaminha sua inserção no sistema internacional de maneira cada vez mais visível e protagonista, prima de maneira excessiva pelos princípios da não-intervenção, da soberania nacional e da autodeterminação dos povos. De maneira alguma isso constitui uma falha por parte dos operadores de nossa política externa, haja vista que todos esses conceitos fazem parte também do acordo promulgado pelas Nações Unidas. Entrementes, o problema é como conciliar a não-intervenção militar com o flagrante desrespeito perpetrado por governos tirânicos, cuja legitimidade sustenta-se única e exclusivamente no uso da força sobre a população civil. A retórica diplomática que elege o respeito aos direitos humanos como uma prerrogativa para a manutenção do diálogo e da paz e para a busca pelo consenso entre diferentes Estados encontra, portanto, seu liame no momento de sua possível concretização.
Assim como a Alemanha, a Rússia e a China, o Brasil se absteve da votação conduzida pelo Conselho de Segurança da ONU para aprovar ou não a intervenção militar na Líbia. Não é nenhuma novidade à opinião pública internacional que o Brasil pleiteia, legitimamente, um assento permanente nesse Conselho, como uma forma de reformulação do mais importante órgão das Nações Unidas, em um contexto político, econômico e social completamente distinto do pós-Segunda Guerra e, até mesmo, da Guerra Fria. No entanto, para que o Brasil tenha de fato seu anseio justificado, é imperativo que o país envolva-se de maneira mais ativa em questões internacionais, ainda que nem sempre os interesses nacionais sejam atingidos direta e imediatamente.
O que fica claro com a abstenção do Brasil em tal votação é que o país prima de maneira correta pela soberania nacional – até mesmo dos chamados rogue ou failed states -, mas é incapaz de conciliar essa questão com o respeito aos direitos humanos. Indubitavelmente, valores democrático-liberais fazem parte da agenda ocidental – sendo muitas vezes contestados pelas demais Nações -, mas em uma atmosfera de integração econômica e social, de interdependência entre os mais diversos Estados, de intensificação das comunicações e das influências – tanto ocidentais quanto orientais – podemos afirmar cabalmente que vivemos em uma sociedade internacional.
Ora, se vivemos em uma sociedade internacional, a primazia das políticas multilaterais, o respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e da Carta Universal dos Direitos Humanos (1948) – assim como os demais tratados e acordos nos mais variados âmbitos – deve ser seguido por todos os membros dessa sociedade internacional.
Um país que pretende desempenhar um papel de protagonista no Conselho se Segurança não pode, portanto, imiscuir-se de suas responsabilidades. Isso não significa enviar tropas ao norte da África, mas demonstrar uma posição favorável à regulação jurídica da esfera internacional. No caso específico da Líbia, os excessos cometidos pelo governo de Muamar Kadafi contra civis justificam a relativização da soberania nacional líbia em prol de questões humanitárias. Ademais, a instabilidade nesse país certamente gera efeitos devastadores ao redor do globo – em especial nos demais países muçulmanos.
Ao desenrolar das ações beligerantes da OTAN, no entanto, assistimos a excessos cometidos pelas potências ocidentais, ultrapassando os limites estabelecidos pelo próprio Conselho. Ainda assim, seria dever do Brasil manifestar apoio à intervenção militar, com ressalvas explícitas sobre essas falhas na estratégia da OTAN.
A política externa brasileira deve, por conseguinte, agir de maneira menos hesitante quando o que se está em jogo são milhares de vidas ameaçadas por governos ditatoriais e que desrespeitam flagrantemente os princípios da sociedade internacional estabelecida. Isso não quer dizer apenas agregar valores à política, mas conduzi-los de maneira mais pragmática, a fim de que os interesses nacionais – nesse caso, o assento permanente no CS – sejam alcançados graças a um ativismo político mais bem definido por parte de nossos policy makers.
Leonardo Augusto Peres

A eterna primavera brasileira

A política externa brasileira tem um histórico de resolução pacífica de conflitos. Com exceção da Guerra da Tríplice Aliança (ou Guerra do Paraguai) e de uma participação, apesar de importante, diminuta na Segunda Guerra Mundial, durante a qual o país tomou vitoriosamente o Monte Castelo, não se tem, em geral, memórias do Brasil em frentes de batalha. Modernamente, o país é líder de uma missão no Haiti, mas essa é, justamente, uma missão de paz sob o mandato das Nações Unidas. Assim, a história brasileira mais lembrada não é bélica, mas sim diplomática, como, por exemplo, a atuação do Barão de Rio Branco.
Esse clima de paz é o contrário do que se observa, presentemente, internamente nos países árabes que passam pela chamada “Primavera Árabe”. Nesses países, a população civil viu-se em precárias situações econômico – devido, em parte, à crise mundial e geral do capitalismo, e em parte à elevação dos preços dos alimentos –; políticas – tendo em vista que esses países são monarquias ou ditaduras, e não democracias –; e sociais – levando em consideração a repressão sofrida pelas pessoas. Era a situação na Líbia, onde a população revoltou-se, mas a reação violenta do governo ditatorial de Kadafi gerou uma verdadeira guerra civil.
Em vista dessa situação, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, único órgão internacional com competência para tal, autorizou o uso da força contra o governo da Líbia para que este deixasse de massacrar a população civil (os rebeldes). O fato de que o bombardeio sobre cidades líbias levou, ao fim e ao cabo, à troca de regime de governo no país, é passível de uma análise própria. No que tange a posição brasileira, atual membro rotativo do Conselho de Segurança, o que passou foi que nosso país condenou a postura do governo Kadafi, porém se absteve de votar o uso de força contra seu governo.
A Síria foi outro país que testemunhou a Primavera Árabe, com características semelhantes à situação da Líbia. A presença de uma ditadura, a ausência de uma constituição efetiva, o desemprego e a corrupção no governo levaram a população civil a realizar uma série de protestos, que consistiram desde a autoimolação e guerras de fome até enormes manifestações. O objetivo era derrubar o ditador Bashar al-Assad, implementando uma troca de regime e reformas democráticas, além de obter mais direitos civis, reconhecendo as minorias e levantando o estado de sítio sírio. O governo da Síria reagiu expulsando a população da rua com tanques e franco-atiradores, confiscando alimentos e cortando o acesso do povo à água e à energia.
A reação brasileira ao caso sírio foi diferente daquela seguida quanto à Líbia, apesar da situação ser tão semelhante e parte de uma mesma conjuntura ampla, a Primavera Árabe. O Brasil não repreendeu Bashar al-Assad. Apenas deu suporte a uma declaração da Organização das Nações Unidas criticando o ditador, porém somente com certa demora, após o massacre da população ficar evidente. Ademais, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil fez parte de uma missão, juntamente com Índia e África do Sul, que foi dialogar com al-Assad, enquanto as tropas do ditador assassinavam civis. Após esse diálogo, o Brasil assinou uma declaração pedindo o fim da violência por parte de todos os envolvidos no conflito sírio, de ambos os lados, conforme relata a Folha de São Paulo.
O editorial desse mesmo jornal busca classificar essas diferentes respostas da política externa brasileira como certa, no caso da Líbia, e errada, no caso da Síria. Porém, desde Maquiavel tem-se claro que não há uma moralidade específica do ato político. Assim, a única classificação que se pode fazer dessas ações brasileiras é se elas são ou não condizentes com a política externa do país, historicamente. Relembrando o que foi exposto no primeiro parágrafo, de que essa política externa tem tendência pacífica, afirma-se que ambas as ações são coerentes. No caso da Líbia, o Brasil absteve-se de apoiar uma resolução que se utilizaria da força para tentar sanar o problema daquele país. No caso da Síria, a chancelaria brasileira optou por ouvir o lado acusado do conflito, prover uma oportunidade de defesa, em especial sendo al-Assad, pelo menos juridicamente, ainda autoridade naquele país. Nos dois casos, portanto, o Brasil seguiu sua política externa diplomática e pacífica.
Tendo em vista essa vocação pacifista e democrática da política externa brasileira, não surpreende a importância que é dada aos direitos humanos nas relações internacionais do Brasil. Isto está posto, inclusive, no artigo 4° da Constituição Federal, que lista a “prevalência dos direitos humanos” como um dos eixos norteadores das relações exteriores de nosso país. Roberto Abdenur diferencia esse princípio dos outros listados no mesmo artigo da Carta Constitucional, como o da “autodeterminação dos povos” ou o da “não intervenção”, como sendo um “imperativo de ordem moral” contra as “normas de comportamento” que ele considera serem estes outros princípios. Porém, como já se disse, não há moralidade na política, conforme apontou Maquiavel. Desta maneira, a importância dada aos direitos humanos não ocorreria por serem considerados imperativos morais, mas sim por serem uma série de princípios imprescindíveis à convivência pacífica entre as nações – e dentro delas, como a Primavera Árabe prova.
Mantendo essa postura pacifista – mas também cada vez mais participando de ações militares como a que lidera no Haiti – o Brasil busca um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU assim que a organização for reformada. Desta forma, assim como é dito que o Brasil é eternamente o país do futuro, eternamente também vive sua própria primavera, despertando para os diferentes assuntos internacionais sempre que estes tomam importância no contexto mundial, sempre prometendo ser uma nova potência no cenário global. A ONU, porém, não dá pistas de que tão cedo irá ser reformada, e o sonho de um assento permanente também se torna eternamente utópico. Com organizações tais como a OMC, o Banco Mundial e as regionais, como a OEA, o MERCOSUL ou a UNASUL possuindo cada vez mais importância relativa comparativamente à ONU, pode-se questionar, pois, se estratégias alternativas de inserção internacional do Brasil não seriam mais proveitosas do que esperar esse tão sonhado assento permanente.
Leonardo Augusto Peres

Crise econômica e desconforto civil

No ano de 2008, estourou a maior crise que o capitalismo testemunhou desde 1929. A facilidade com que o crédito do tipo subprime pode ser disponibilizado no mercado financeiro, e a securitização dessas dívidas fez com que um turbilhão de perdas financeiras derrubasse primeiro o mercado imobiliário, e depois afetasse a economia como um todo. Mesmo cerca de três anos depois, porém, os efeitos dessa crise ainda são sentidos. É o que aponta Paul Krugman: “a crise econômica que começou em 2008 não acabou, de maneira alguma”. É possível de se observá-la, por exemplo, na crise da dívida pública norte-americana, que tanta discussão tem gerado.
É perceptível que os ânimos se alteram em um estado de crise. Não apenas dos investidores e economistas, ou dos políticos responsáveis por, muitas vezes, guiar a economia de um país, ou elaborar as políticas econômicas. Mas também – e principalmente – sobre a população em geral, que percebe e sente os efeitos da crise. Assim, geram-se tensões entre grupos opostos, que exercem forças um sobre os outros, causando atritos. Entre cidadãos e políticos, entre republicanos e democratas, entre economistas de diferentes escolas. Talvez a persistência dessas tensões seja uma das razões pela qual a crise se prolonga. Não parece ter sido feito nenhum esforço no sentido de aproximar esses grupos antagônicos.
Tomem-se os democratas e os republicanos, por exemplo. Estes últimos pretendem prolongar a crise o máximo possível para que ela tenha impacto ainda na eleição presidencial de 2012. Já o primeiro grupo luta para implementar suas ideias econômicas (um pouco) menos conservadoras do que as dos republicanos, principalmente aqueles que pertencem a chamada Tea Party, ala mais radical do partido republicano. A Tea Party, portanto, faz parte das “pessoas influentes” as quais Krugman cita que “exploram uma crise, em vez de tentar solucioná-la”. Fica claro, por seu texto na Folha de São Paulo, que ele não se limita a esse grupo como responsável por esse tipo de atitude. Porém, talvez seja o grupo que faz isso com maior veemência.
Outra tensão diz respeito a qual problema econômico priorizar. As discussões, ultimamente, estão focadas na questão do déficit público norte-americano: antes de se chegar a um acordo no congresso, o debate pendia entre pagar ou não pagar a dívida, declarar ou não moratória, o que pagar primeiro e o que deixar para depois. Paul Krugman, por outro lado, critica essa discussão. Para ele, Washington passou a discutir a questão errada, e o foco deveria ser a questão do desemprego, da economia fraca. A presença de desemprego, segundo ele, significa juros baixos e, ainda mais grave, a “ausência de oportunidades econômicas”.
Discutir a questão errada também leva a ter visões erradas sobre qual a solução adequada para a crise, na opinião de Krugman. Para o autor, são justamente as pessoas que defendem que não existe uma solução de curto prazo para os problemas econômicos atuais que fazem com que a economia esteja em uma posição tão periclitante. Ele, por sua vez, é da visão de que “a economia precisa desesperadamente de uma solução de curto prazo”. A analogia que ele faz é com uma ferida, a qual precisa de um médico que a trate e cure, e não de um que dê sermões sobre uma vida saudável.
A solução proposta por Paul Krugman, pois, é uma de longo prazo. Não uma que desperdice o potencial de milhões de jovens capacitados, porém desempregados, nem uma que envolva sermões sobre a saúde fiscal da nação. Uma que, segundo o autor, garanta responsavelmente uma recuperação rápida. A solução de Krugman parece ser bastante keynesiana, sem sugerir, porém, um retorno ao New Deal, impraticável hoje se mantida a mesma forma em que foi feito na época da Depressão. Ela incluiria elevar os gastos governamentais, ao invés de rebaixá-los como foi na solução ao déficit; além disso, deveria se reduzir as dívidas das famílias, o que as levaria a consumir mais e, consequentemente, ao aumento da demanda, que impulsiona o investimento e diminui, assim, o desemprego.
Desemprego esse que desemboca em outra forma tensão. Uma que está acima das discussões acadêmicas e políticas sobre as soluções para a crise. É a tensão exercida pela população “comum” devido à pressão que a má economia exerce sobre ela. O desemprego a é forma mais extrema, e cada vez mais comum, pela qual se manifesta essa pressão. Quando o desconforto civil torna-se demasiado, estouram protestos que vão desde a derrubada de regimes governamentais culminando em uma “Primavera Árabe” até um alegado (principalmente pelas alas mais conservadoras, já que muitos sociólogos, por exemplo, interpretam esses atos como uma forma de protesto válida) “vandalismo generalizado” em Londres, onde a presença da democracia não leva a críticas sobre o sistema político.
Moisés Naím aponta que uma variedade de explicações foi dada para a Primavera Árabe e o que ele chama de “verão furioso”, o que significa, na verdade, que não se sabe exatamente as causas desses movimentos: “Essa variedade de explicações significa que ninguém entende a origem dessa repentina explosão de violência nas ruas”. Segundo ele, cada um deles tem suas explicações peculiares, mas ao mesmo tempo aponta uma pesquisa que encontra uma elucidação comum. Dizem Ponticelli e Voth: “os cortes nos gastos públicos elevaram significativamente a frequência” desses movimentos. Isso está em consonância com o que defende Paul Krugman. Os cortes de gastos públicos não são solução. O fim do desemprego, sim.
O que surpreende mais acerca desses fenômenos de desconforto civil com a situação econômica é sua globalidade. Afetam desde países extremamente desenvolvidos, como a Inglaterra, até países que muito têm que se desenvolver, como a Líbia. É a prova da globalidade que alcançou o capitalismo, o que certamente tem benefícios, mas destacam-se, nesse momento, os problemas que pode causar: uma crise iniciada em 2008 nos Estados Unidos expandiu-se a todo o planeta e tem seus efeitos sentidos mesmo três anos depois. É preciso, portanto, estar atento às tensões que essa crise causa, para que ela não acabe com a paz de maneira geral no planeta.
Leonardo Augusto Peres

O declínio norte-americano e a crise da dívida pública

Desde o fim da guerra fria, uma discussão popular entre os internacionalistas foi aquela entre os que defendem que o mundo tornou-se unipolar e os que pregam que se tornou multipolar. Em muitas das análises, porém, seja de um grupo ou de outro, os Estados Unidos da América sempre figuraram como ator preponderante no cenário global do fim do século XX e início do século XXI. Há muito se observam, por outro lado, análises sobre o fim da hegemonia americana, como, por exemplo, a de Giovanni Arrighi em O Longo Século XX. O tema do declínio norte-americano tornou-se mais popular ainda com a crise econômica que se instaurou em 2008, reavivando outra série de debates: entre os que defendem que os Estados Unidos manter-se-ão como potência hegemônica e os que defendem que o ocaso da hegemonia norte-americana está próximo.
Luciana Coelho parece ser daquele primeiro grupo. Sua opinião, na Folha de São Paulo, é a de que os Estados Unidos não estão “ruindo”, pois “há ainda muito ‘soft power’ a gastar”. Segundo ela, porém, esse “poder leve” é perdido a cada incidente que abale o moral do país. Um desses incidentes foi a crise da dívida pública, a qual teve repercussão mundial e teve efeitos generalizados sobre o mercado, o governo e a população dos Estados Unidos. Coelho aponta, ademais, que esse caráter generalizado da crise faz com que ela se torne cada vez mais profunda: a população, amedrontada, gasta menos, o que faz com que diminua a demanda, o que por sua vez leva a menos investimentos na indústria, o que gera mais desemprego, levando à incerteza – processo que culmina com a diminuição ainda maior do moral norte-americano, o que em sua análise significa que o país perde mais um pouco de seu soft power, contribuindo assim para o declínio norte-americano, mesmo que em pequena medida.
A crise levou a empresa Standard & Poor’s (S&P), uma agência de rating, a rebaixar a nota dada aos Estados Unidos, o que significou que pela primeira vez os norte-americanos não têm o conceito mais alto possível, o triplo A. O ponto delicado é que as recomendações de agências como a S&P são em grande medida arbitrárias, assim como seu sistema de classificação de conceitos. Porém, ao mesmo tempo, esses conceitos e recomendações são tomados com grande “reverência”, como aponta Clóvis Rossi. São essas mesmas empresas que foram atores fundamentais na grande crise de 2008, apontando empréstimos do tipo subprime como sendo seguros o suficiente para que fosse criada, ao redor deles, toda uma rede de investimentos. Assim, mesmo com esse histórico deficitário, essas agências ainda são levadas em consideração como cânones da orientação e previsão na economia.
Hélio Schwartsman, porém, aponta o que, na prática, essas crises revelam: as previsões são frágeis e os especialistas não têm um índice de acerto maior que o acaso. O autor aponta que isso se deve ao fato de que as atividades humanas são sistemas complexos, e não basta que se somem suas partes para que se tenha uma visão do todo. Desta feita, quanto mais distante for a previsão e quanto mais fatores estiverem envolvidos, mais difícil torna-se prever qualquer acontecimento ou consequência. Além disso, qualquer pequena perturbação nesse sistema complexo pode alterar em grande medida todas as análises e conclusões. Schwartsman conclui que a atração às previsões se dá porque “o cérebro humano procura tão avidamente por padrões que os encontra até mesmo onde não existem”.
Tudo isso faz com que Clóvis Rossi afirme que o comportamento da S&P foi típico da Tea Party, ou seja, uma análise “irresponsável” a ponto de ser taxada por ele como “alucinação” fez com que os Estados Unidos não tivessem mais o conceito – arbitrário, diga-se de passagem – de triplo A. É comportamento típico da Tea Party porque se utiliza de toda essa incerteza de previsões para minar a candidatura de Barack Obama nas eleições presidenciais de 2012. O tema político, assim, emerge em meio a uma crise aparentemente econômica – e não apenas por ser uma crise da dívida pública, mas porque é uma crise que revela as tensões políticas dos Estados Unidos da América.
Roberto Abdenur destaca que após um movimento à direita da política norte-americana sob o governo de George W. Bush, com Barack Obama o quadro político daquele país deslocou-se para a centro-esquerda. A Tea Party seria uma tentativa de reavivar esse segmento à direita, mais radical – Antônio Delfim Netto aponta a “tragédia norueguesa” como um indicativo da emergência de um extremismo radical e religioso cristão e de direita. Nesse contexto, Abdenur destaca que a discussão sobre a crise da dívida pública e suas soluções “foi apenas o começo de uma luta ideológica e política que ainda se prolongará por um bom tempo”. Pessoalmente, o autor defende que a Tea Party não terá sucesso em meio a uma sociedade norte-americana tão diversificada, e defende que a reeleição de Obama seja o caminho para uma economia nacional mais forte.
Antonio Delfim Netto também enxerga a tensão entre republicanos e democratas como um sintoma da falta de qualidade e de funcionalidade da administração dos Estados Unidos. Mais do que isso, critica a falta de liderança política ao se chegar a um acordo que foi, nas palavras de Luciana Coelho, apenas “anódino e pontual” para solucionar a crise da dívida pública. Para ela, esse acordo não agrada nem a democratas e nem a republicanos, não tem caráter de solução perene às crises e não reaviva a economia norte-americana. Esse acordo fraco entre republicanos e democratas que resultou em uma solução paliativa para a crise em questão põe em cheque a credibilidade política daquele país, o que facilita o surgimento de grupos extremistas como a própria Tea Party.
Se o tema geral é o declínio da hegemonia norte-americana, pode-se perguntar quem poderá substituir os Estados Unidos como nova potência mundial. A China é um dos países que vem se destacando. Delfim Netto aponta as divergências entre os Estados Unidos e a China, como no caso do Irã, o qual recebe “apoio dissimulado” desta através de um acordo de liquidação recíproca entre os dois países que contorna o embargo da Organização das Nações Unidas contra o país do Oriente Médio, estabelecido devido a interesses principalmente norte-americanos. Custa saber se a China conseguirá superar um desafio apontado por Delfim Netto para que chegue à posição de potência hegemônica: o de conquistar as “três autonomias”: alimentar, energética e militar. Com o desenvolvimento dos países emergentes, a pressão sobre os recursos naturais aumenta drasticamente, assim como a disputa por eles – é isso que torna as “três autonomias” tão importantes.