segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Guilherme Backes

A TITUBEANTE POLÍTCA EXTERNA BRASILEIRA

Com os fenômenos suscitados no norte da África e no Oriente Médio – em que a população saiu às ruas das principais cidades da região para protestar contra os excessos de poder por parte de seus respectivos governantes – a questão concernente à legitimidade jurídica e moral das intervenções militares vem mais uma vez à tona. A despeito dos eminentes excessos cometidos pela operação conduzida pelos Estados-membros da OTAN, a justificativa para tal intervenção pode ser auferida na Carta de São Francisco (1945), norteada pelo compromisso acordado entre os signatários em preservar a estabilidade e a paz internacionais.
O Brasil, que encaminha sua inserção no sistema internacional de maneira cada vez mais visível e protagonista, prima de maneira excessiva pelos princípios da não-intervenção, da soberania nacional e da autodeterminação dos povos. De maneira alguma isso constitui uma falha por parte dos operadores de nossa política externa, haja vista que todos esses conceitos fazem parte também do acordo promulgado pelas Nações Unidas. Entrementes, o problema é como conciliar a não-intervenção militar com o flagrante desrespeito perpetrado por governos tirânicos, cuja legitimidade sustenta-se única e exclusivamente no uso da força sobre a população civil. A retórica diplomática que elege o respeito aos direitos humanos como uma prerrogativa para a manutenção do diálogo e da paz e para a busca pelo consenso entre diferentes Estados encontra, portanto, seu liame no momento de sua possível concretização.
Assim como a Alemanha, a Rússia e a China, o Brasil se absteve da votação conduzida pelo Conselho de Segurança da ONU para aprovar ou não a intervenção militar na Líbia. Não é nenhuma novidade à opinião pública internacional que o Brasil pleiteia, legitimamente, um assento permanente nesse Conselho, como uma forma de reformulação do mais importante órgão das Nações Unidas, em um contexto político, econômico e social completamente distinto do pós-Segunda Guerra e, até mesmo, da Guerra Fria. No entanto, para que o Brasil tenha de fato seu anseio justificado, é imperativo que o país envolva-se de maneira mais ativa em questões internacionais, ainda que nem sempre os interesses nacionais sejam atingidos direta e imediatamente.
O que fica claro com a abstenção do Brasil em tal votação é que o país prima de maneira correta pela soberania nacional – até mesmo dos chamados rogue ou failed states -, mas é incapaz de conciliar essa questão com o respeito aos direitos humanos. Indubitavelmente, valores democrático-liberais fazem parte da agenda ocidental – sendo muitas vezes contestados pelas demais Nações -, mas em uma atmosfera de integração econômica e social, de interdependência entre os mais diversos Estados, de intensificação das comunicações e das influências – tanto ocidentais quanto orientais – podemos afirmar cabalmente que vivemos em uma sociedade internacional.
Ora, se vivemos em uma sociedade internacional, a primazia das políticas multilaterais, o respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e da Carta Universal dos Direitos Humanos (1948) – assim como os demais tratados e acordos nos mais variados âmbitos – deve ser seguido por todos os membros dessa sociedade internacional.
Um país que pretende desempenhar um papel de protagonista no Conselho se Segurança não pode, portanto, imiscuir-se de suas responsabilidades. Isso não significa enviar tropas ao norte da África, mas demonstrar uma posição favorável à regulação jurídica da esfera internacional. No caso específico da Líbia, os excessos cometidos pelo governo de Muamar Kadafi contra civis justificam a relativização da soberania nacional líbia em prol de questões humanitárias. Ademais, a instabilidade nesse país certamente gera efeitos devastadores ao redor do globo – em especial nos demais países muçulmanos.
Ao desenrolar das ações beligerantes da OTAN, no entanto, assistimos a excessos cometidos pelas potências ocidentais, ultrapassando os limites estabelecidos pelo próprio Conselho. Ainda assim, seria dever do Brasil manifestar apoio à intervenção militar, com ressalvas explícitas sobre essas falhas na estratégia da OTAN.
A política externa brasileira deve, por conseguinte, agir de maneira menos hesitante quando o que se está em jogo são milhares de vidas ameaçadas por governos ditatoriais e que desrespeitam flagrantemente os princípios da sociedade internacional estabelecida. Isso não quer dizer apenas agregar valores à política, mas conduzi-los de maneira mais pragmática, a fim de que os interesses nacionais – nesse caso, o assento permanente no CS – sejam alcançados graças a um ativismo político mais bem definido por parte de nossos policy makers.

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