segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Leonardo Augusto Peres

Crise econômica e desconforto civil

No ano de 2008, estourou a maior crise que o capitalismo testemunhou desde 1929. A facilidade com que o crédito do tipo subprime pode ser disponibilizado no mercado financeiro, e a securitização dessas dívidas fez com que um turbilhão de perdas financeiras derrubasse primeiro o mercado imobiliário, e depois afetasse a economia como um todo. Mesmo cerca de três anos depois, porém, os efeitos dessa crise ainda são sentidos. É o que aponta Paul Krugman: “a crise econômica que começou em 2008 não acabou, de maneira alguma”. É possível de se observá-la, por exemplo, na crise da dívida pública norte-americana, que tanta discussão tem gerado.
É perceptível que os ânimos se alteram em um estado de crise. Não apenas dos investidores e economistas, ou dos políticos responsáveis por, muitas vezes, guiar a economia de um país, ou elaborar as políticas econômicas. Mas também – e principalmente – sobre a população em geral, que percebe e sente os efeitos da crise. Assim, geram-se tensões entre grupos opostos, que exercem forças um sobre os outros, causando atritos. Entre cidadãos e políticos, entre republicanos e democratas, entre economistas de diferentes escolas. Talvez a persistência dessas tensões seja uma das razões pela qual a crise se prolonga. Não parece ter sido feito nenhum esforço no sentido de aproximar esses grupos antagônicos.
Tomem-se os democratas e os republicanos, por exemplo. Estes últimos pretendem prolongar a crise o máximo possível para que ela tenha impacto ainda na eleição presidencial de 2012. Já o primeiro grupo luta para implementar suas ideias econômicas (um pouco) menos conservadoras do que as dos republicanos, principalmente aqueles que pertencem a chamada Tea Party, ala mais radical do partido republicano. A Tea Party, portanto, faz parte das “pessoas influentes” as quais Krugman cita que “exploram uma crise, em vez de tentar solucioná-la”. Fica claro, por seu texto na Folha de São Paulo, que ele não se limita a esse grupo como responsável por esse tipo de atitude. Porém, talvez seja o grupo que faz isso com maior veemência.
Outra tensão diz respeito a qual problema econômico priorizar. As discussões, ultimamente, estão focadas na questão do déficit público norte-americano: antes de se chegar a um acordo no congresso, o debate pendia entre pagar ou não pagar a dívida, declarar ou não moratória, o que pagar primeiro e o que deixar para depois. Paul Krugman, por outro lado, critica essa discussão. Para ele, Washington passou a discutir a questão errada, e o foco deveria ser a questão do desemprego, da economia fraca. A presença de desemprego, segundo ele, significa juros baixos e, ainda mais grave, a “ausência de oportunidades econômicas”.
Discutir a questão errada também leva a ter visões erradas sobre qual a solução adequada para a crise, na opinião de Krugman. Para o autor, são justamente as pessoas que defendem que não existe uma solução de curto prazo para os problemas econômicos atuais que fazem com que a economia esteja em uma posição tão periclitante. Ele, por sua vez, é da visão de que “a economia precisa desesperadamente de uma solução de curto prazo”. A analogia que ele faz é com uma ferida, a qual precisa de um médico que a trate e cure, e não de um que dê sermões sobre uma vida saudável.
A solução proposta por Paul Krugman, pois, é uma de longo prazo. Não uma que desperdice o potencial de milhões de jovens capacitados, porém desempregados, nem uma que envolva sermões sobre a saúde fiscal da nação. Uma que, segundo o autor, garanta responsavelmente uma recuperação rápida. A solução de Krugman parece ser bastante keynesiana, sem sugerir, porém, um retorno ao New Deal, impraticável hoje se mantida a mesma forma em que foi feito na época da Depressão. Ela incluiria elevar os gastos governamentais, ao invés de rebaixá-los como foi na solução ao déficit; além disso, deveria se reduzir as dívidas das famílias, o que as levaria a consumir mais e, consequentemente, ao aumento da demanda, que impulsiona o investimento e diminui, assim, o desemprego.
Desemprego esse que desemboca em outra forma tensão. Uma que está acima das discussões acadêmicas e políticas sobre as soluções para a crise. É a tensão exercida pela população “comum” devido à pressão que a má economia exerce sobre ela. O desemprego a é forma mais extrema, e cada vez mais comum, pela qual se manifesta essa pressão. Quando o desconforto civil torna-se demasiado, estouram protestos que vão desde a derrubada de regimes governamentais culminando em uma “Primavera Árabe” até um alegado (principalmente pelas alas mais conservadoras, já que muitos sociólogos, por exemplo, interpretam esses atos como uma forma de protesto válida) “vandalismo generalizado” em Londres, onde a presença da democracia não leva a críticas sobre o sistema político.
Moisés Naím aponta que uma variedade de explicações foi dada para a Primavera Árabe e o que ele chama de “verão furioso”, o que significa, na verdade, que não se sabe exatamente as causas desses movimentos: “Essa variedade de explicações significa que ninguém entende a origem dessa repentina explosão de violência nas ruas”. Segundo ele, cada um deles tem suas explicações peculiares, mas ao mesmo tempo aponta uma pesquisa que encontra uma elucidação comum. Dizem Ponticelli e Voth: “os cortes nos gastos públicos elevaram significativamente a frequência” desses movimentos. Isso está em consonância com o que defende Paul Krugman. Os cortes de gastos públicos não são solução. O fim do desemprego, sim.
O que surpreende mais acerca desses fenômenos de desconforto civil com a situação econômica é sua globalidade. Afetam desde países extremamente desenvolvidos, como a Inglaterra, até países que muito têm que se desenvolver, como a Líbia. É a prova da globalidade que alcançou o capitalismo, o que certamente tem benefícios, mas destacam-se, nesse momento, os problemas que pode causar: uma crise iniciada em 2008 nos Estados Unidos expandiu-se a todo o planeta e tem seus efeitos sentidos mesmo três anos depois. É preciso, portanto, estar atento às tensões que essa crise causa, para que ela não acabe com a paz de maneira geral no planeta.

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