segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Leonardo Augusto Peres

O declínio norte-americano e a crise da dívida pública

Desde o fim da guerra fria, uma discussão popular entre os internacionalistas foi aquela entre os que defendem que o mundo tornou-se unipolar e os que pregam que se tornou multipolar. Em muitas das análises, porém, seja de um grupo ou de outro, os Estados Unidos da América sempre figuraram como ator preponderante no cenário global do fim do século XX e início do século XXI. Há muito se observam, por outro lado, análises sobre o fim da hegemonia americana, como, por exemplo, a de Giovanni Arrighi em O Longo Século XX. O tema do declínio norte-americano tornou-se mais popular ainda com a crise econômica que se instaurou em 2008, reavivando outra série de debates: entre os que defendem que os Estados Unidos manter-se-ão como potência hegemônica e os que defendem que o ocaso da hegemonia norte-americana está próximo.
Luciana Coelho parece ser daquele primeiro grupo. Sua opinião, na Folha de São Paulo, é a de que os Estados Unidos não estão “ruindo”, pois “há ainda muito ‘soft power’ a gastar”. Segundo ela, porém, esse “poder leve” é perdido a cada incidente que abale o moral do país. Um desses incidentes foi a crise da dívida pública, a qual teve repercussão mundial e teve efeitos generalizados sobre o mercado, o governo e a população dos Estados Unidos. Coelho aponta, ademais, que esse caráter generalizado da crise faz com que ela se torne cada vez mais profunda: a população, amedrontada, gasta menos, o que faz com que diminua a demanda, o que por sua vez leva a menos investimentos na indústria, o que gera mais desemprego, levando à incerteza – processo que culmina com a diminuição ainda maior do moral norte-americano, o que em sua análise significa que o país perde mais um pouco de seu soft power, contribuindo assim para o declínio norte-americano, mesmo que em pequena medida.
A crise levou a empresa Standard & Poor’s (S&P), uma agência de rating, a rebaixar a nota dada aos Estados Unidos, o que significou que pela primeira vez os norte-americanos não têm o conceito mais alto possível, o triplo A. O ponto delicado é que as recomendações de agências como a S&P são em grande medida arbitrárias, assim como seu sistema de classificação de conceitos. Porém, ao mesmo tempo, esses conceitos e recomendações são tomados com grande “reverência”, como aponta Clóvis Rossi. São essas mesmas empresas que foram atores fundamentais na grande crise de 2008, apontando empréstimos do tipo subprime como sendo seguros o suficiente para que fosse criada, ao redor deles, toda uma rede de investimentos. Assim, mesmo com esse histórico deficitário, essas agências ainda são levadas em consideração como cânones da orientação e previsão na economia.
Hélio Schwartsman, porém, aponta o que, na prática, essas crises revelam: as previsões são frágeis e os especialistas não têm um índice de acerto maior que o acaso. O autor aponta que isso se deve ao fato de que as atividades humanas são sistemas complexos, e não basta que se somem suas partes para que se tenha uma visão do todo. Desta feita, quanto mais distante for a previsão e quanto mais fatores estiverem envolvidos, mais difícil torna-se prever qualquer acontecimento ou consequência. Além disso, qualquer pequena perturbação nesse sistema complexo pode alterar em grande medida todas as análises e conclusões. Schwartsman conclui que a atração às previsões se dá porque “o cérebro humano procura tão avidamente por padrões que os encontra até mesmo onde não existem”.
Tudo isso faz com que Clóvis Rossi afirme que o comportamento da S&P foi típico da Tea Party, ou seja, uma análise “irresponsável” a ponto de ser taxada por ele como “alucinação” fez com que os Estados Unidos não tivessem mais o conceito – arbitrário, diga-se de passagem – de triplo A. É comportamento típico da Tea Party porque se utiliza de toda essa incerteza de previsões para minar a candidatura de Barack Obama nas eleições presidenciais de 2012. O tema político, assim, emerge em meio a uma crise aparentemente econômica – e não apenas por ser uma crise da dívida pública, mas porque é uma crise que revela as tensões políticas dos Estados Unidos da América.
Roberto Abdenur destaca que após um movimento à direita da política norte-americana sob o governo de George W. Bush, com Barack Obama o quadro político daquele país deslocou-se para a centro-esquerda. A Tea Party seria uma tentativa de reavivar esse segmento à direita, mais radical – Antônio Delfim Netto aponta a “tragédia norueguesa” como um indicativo da emergência de um extremismo radical e religioso cristão e de direita. Nesse contexto, Abdenur destaca que a discussão sobre a crise da dívida pública e suas soluções “foi apenas o começo de uma luta ideológica e política que ainda se prolongará por um bom tempo”. Pessoalmente, o autor defende que a Tea Party não terá sucesso em meio a uma sociedade norte-americana tão diversificada, e defende que a reeleição de Obama seja o caminho para uma economia nacional mais forte.
Antonio Delfim Netto também enxerga a tensão entre republicanos e democratas como um sintoma da falta de qualidade e de funcionalidade da administração dos Estados Unidos. Mais do que isso, critica a falta de liderança política ao se chegar a um acordo que foi, nas palavras de Luciana Coelho, apenas “anódino e pontual” para solucionar a crise da dívida pública. Para ela, esse acordo não agrada nem a democratas e nem a republicanos, não tem caráter de solução perene às crises e não reaviva a economia norte-americana. Esse acordo fraco entre republicanos e democratas que resultou em uma solução paliativa para a crise em questão põe em cheque a credibilidade política daquele país, o que facilita o surgimento de grupos extremistas como a própria Tea Party.
Se o tema geral é o declínio da hegemonia norte-americana, pode-se perguntar quem poderá substituir os Estados Unidos como nova potência mundial. A China é um dos países que vem se destacando. Delfim Netto aponta as divergências entre os Estados Unidos e a China, como no caso do Irã, o qual recebe “apoio dissimulado” desta através de um acordo de liquidação recíproca entre os dois países que contorna o embargo da Organização das Nações Unidas contra o país do Oriente Médio, estabelecido devido a interesses principalmente norte-americanos. Custa saber se a China conseguirá superar um desafio apontado por Delfim Netto para que chegue à posição de potência hegemônica: o de conquistar as “três autonomias”: alimentar, energética e militar. Com o desenvolvimento dos países emergentes, a pressão sobre os recursos naturais aumenta drasticamente, assim como a disputa por eles – é isso que torna as “três autonomias” tão importantes.

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