terça-feira, 30 de agosto de 2011

SILVA, Guilherme A. Dicionário de Relações Internacionais. 2. Ed. Ver e ampl. Barueri, SP: Manole, 2010.

SISTEMA INTERNACIONAL

O sistema internacional tem funcionado como uma extraordinária ferramenta analítica no campo das Relações internacionais, desempenhado papel central no desenvolvimento dessa disciplina. Em virtude dessa propriedade, que poderia talvez ser mais bem definida como a capacidade de conceituar um objeto (relações internacionais) de imensas dimensões e complexidade, reduzindo-o a modelos e regularidades abstratos, o conceito de sistema internacional estabelece consenso nessa área de estudos, uma vez que concebe o campo das relações internacionais como uma totalidade que contém uma organização específica. Por essa razão, praticamente todas as correntes teóricas incluem o conceito de sistema internacional em seus respectivos quadros teóricos.
Stanley Hoffmann (1991) define sistema internacional como “um padrão de relações entre as unidades básicas da política mundial, caracterizado pelo alcance dos objetivos perseguidos por essas unidades e pelas tarefas efetuadas entre elas, assim como pelos meios empregados para lograr essas metas e efetuar essas tarefas. Esse padrão está em grande medida determinado pela estrutura do mundo, pela natureza das forças que operam através ou dentro das unidades principais e por capacidades, padrões de poder e culturas políticas dessas unidades”
Raymond Aron (2002), por sua vez, define sistema internacional como “conjunto constituído por unidades políticas, que mantém relações regulares entre si e são suscetíveis de entrar numa guerra geral”.
Com efeito, a grande questão que se apresenta para o estudiosos das relações internacionais é a definição das partes componentes do sistema. Pelo fato de a definição geral de sistema internacional deixar em aberto as partes que o integram, os teóricos discutem entre si a respeito dessas partes, que podem ser várias: indivíduo, grupos sociais diversos, Estados, organizações intergovernamentais com objetivos diversos, organizações não governamentais ou organizações transnacionais. Evidentemente que, para os estudiosos, o sentido discussão sobre a definição e a prioridade que se concede às partes do sistema internacional está na capacidade que o conceito de contribuir para análises válidas das relações internacionais.
A escolha que o estudioso faz das partes que integram o sistema internacional determina, em última instância, o nível de análise da realidade das relações internacionais. As perguntas que formam o pano de fundo o debate sobre os níveis de análise obtêm-se resultados cientificamente mais críveis? Com aquele que privilegia os Estados como atores e considera a política internacional fornece a chave analítica do sistema; com aquele que considera que cada nível de análise (econômico, político, militar e cultural) remete a resultados analíticos diferentes; ou, ainda, com aquele outro que considera que a análise do sistema internacional só pode ser cientificamente válida quando centrada sobre os subsistemas regionais, que formam o sistema internacional em sua totalidade?
Além desse permanente debate entre os estudiosos sobre a capacidade de o conceito de sistema internacional gerar conhecimento das relações internacionais, discute-se intensamente a respeito da estrutura dos sistemas internacionais. A ideia de estrutura do sistema internacional é entendida pelos analistas como resultado da distribuição de poder entre as grandes potências. Essa é uma ideia comum a todas as correntes teóricas. Ela é aceita, por exemplo, tanto na perspectiva histórico-sociológica de Raymond Aron, como na perspectiva hermenêutica de Morton Kaplan. A clara definição da estrutura do sistema – unipolar, bipolar, multipolar – constitui, por assim dizer, o importante ponto de partida para a análise.
Vale destacar ainda que o conceito de sistema internacional cumpre o papel de ponto de conexão da reflexão teórica das relações internacionais com os estudos de História das Relações Internacionais. Não obstante as disputas acadêmicas entre cientistas políticos e historiadores a respeito do método mais adequado para alcançar o conhecimento das relações internacionais, ambos usam o conceito de sistema internacional porque lhes proporciona a possibilidade de pensar sistematicamente as relações internacionais em qualquer época.
SILVA, Guilherme A. Dicionário de Relações Internacionais. 2. Ed. Ver e ampl. Barueri, SP: Manole, 2010.

SOCIEDADE INTERNACIONAL

A sociedade internacional é formada pelas relações que os Estados, as organizações intergovernamentais, as organizações não governamentais e as organizações transnacionais estabelecem entre si. Como qualquer outra sociedade de caráter nacional, a sociedade internacional vive em permanente processo de mudança, o que supõe a exclusão e a inclusão de novos atores.
A expressão sociedade internacional, assim como as expressões família das nações, comunidade das nações, comunidade mundial, já foi muito usada como expressão neutra, sem nenhum comprometimento teórico, com a finalidade de servir de apoio à análise das relações internacionais. Todavia, com o avanço da discussão teórica no âmbito da disciplina Relações Internacionais, os estudiosos da área elevaram o grau de rigor conceitual nas análises acadêmicas e já não se admite mais o uso livre dessas expressões.
Sociedade internacional distingue-se das antigas expressões, no entanto, por haver se tornado um conceito central para a escola realista inglesa das relações internacionais, também conhecida como escola da teoria da sociedade internacional. Para os estudiosos que compõem essa escola teórica – Charles Manning, Martin Wight, Hedley Bull, Terry Nardin, John Vincent e Michael Walzer -, faz sentido a ideia de sociedade internacional porque as relações internacionais, apesar de apresentarem a diversidade como característica fundamental, exibem, por outro lado, a unidade como segunda característica.
Hedley Bull (A Sociedade anárquica, 1977) é o mais destacado desses teóricos da sociedade internacional. Inspirado na filosofia jurídica do holandês Hugo Grotius (Do Direito da Guerra e da Paz, 1625), que postulou a elaboração de leis internacionais baseadas no conceito de “sociedade internacional de Estados”, Bull defende a tese segundo o qual os Estados e os demais atores das relações internacionais formam mais do que um mero sistema internacional. Em sua concepção, o conceito de sociedade internacional é válido porque existe um conjunto de Estados que compartilham interesses e valores e pautam sua conduta em conformidade com determinadas regras e com algumas instituições. Essas instituições são: direito internacional, diplomacia, organizações internacionais e balança de poder. Pelo fato de a sociedade internacional não comportar uma instância de poder que situe acima dos Estados, com autoridade suficiente para zelar pelo cumprimento das leis e punir convenientemente aqueles que as transgridem, Hedley Bull a considera uma sociedade de tipo especial, que denomina “sociedade anárquica”.