sábado, 27 de dezembro de 2014

Crônica Eros e Tânatos

Eros e Tânatos

Nas últimas semanas, delicio-me com a obra Amor e Amizade de Allan Bloom no qual o autor defende – de modo impactante - que vivemos num mundo em que o amor e a amizade estão a desvanecer.
Ainda de acordo com o autor, o individualismo e o igualitarismo transformaram as relações românticas em assuntos contratuais sujeitos a litígios. Perdeu-se aquilo que separa os seres humanos dos animais – o poder da imaginação, que consegue transformar o sexo em eros. O empobrecimento dos nossos sentimentos resulta, afinal, de um empobrecimento da linguagem do amor.
Amor e ódio, sexualidade e agressividade, vida e morte, são forças que coexistem dentro do ser humano e estão presentes no cotidiano, tanto nos conflitos mais banais quanto nos mais mórbidos ou sublimes da humanidade.
Encontramos no universo das peças de Shakespeare, nos romances de Stendhal, Jane Austin, Tolstoi, entre outros escritores que pertencem ao chamado cânone universal por Harold Bloom. Esses grandes livros descrevem os fenômenos do amor e do ódio, como também nos ajudam a experienciá-los. Parafraseando Bloom: “para mim, a literatura não é meramente a melhor parte da vida; é ela mesma a forma de vida, que não possui nenhuma outra forma”.
Como pontua  Allan Bloom: “os livros são expressões vivas de experiências profundas e, sem esses advogados conhecedores dessas experiências, acharíamos muito difícil aceder a questões que dependem tanto de um sentimento educado e para o qual a mera observação externa não é suficiente”.
O ódio e o amor, tais pares de opostos estão misturados, amalgamados em tudo que o ser humano faz, pensa e sente. Por exemplo, onde há amor deve haver ódio, toda sexualidade necessita de um grau de agressividade, em proporções variadas. Essas polaridades são os cernes dos conflitos psíquicos. Em psicanálise, elas podem ser nomeadas pelos conceitos de pulsão de vida (Eros) e pulsão de morte (Tânatos).
A mitologia apresenta uma bela metáfora para compreendermos a amálgama entre as pulsões. No mito grego, Eros (cupido na mitologia romana) é o deus do amor e Tânatos, deus da morte. Eros, o mais belo dos deuses, possui arco e flecha com os quais costuma enlaçar de amor homens, mulheres e deuses. Segundo consta na mitologia, certo dia Eros adormeceu numa caverna, embriagado por Hipno (deus do sono, irmão de Tânatos). Ao sonhar e relaxar suas flechas se espalharam pela caverna, misturando-se às flechas da morte. Ao acordar, Eros não sabia quantas flechas possuía. Recolheu-as, e sem querer levou algumas que pertenciam a Tânatos. Sendo assim, Eros passou a portar flechas de amor e morte (Tânatos). Dessa forma, apropriando dessa bela história da mitologia, o amor é da ordem do acaso. Não há uma estrutura lógica, o acaso está fora dela. E, sem dúvida, o amor afeta corpo e alma, nos afeta inteiramente. Até mesmo Eros foi vítima de seus ardilosos planos quando apaixonou-se perdidamente por Psique. Keats faz alusão a essa história, em sua Ode a Psique: 

Ó mais bela visão! Ó derradeira imagem
Da estirpe celestial, da olímpica linhagem!
Mais bela que Diana livre de seu véu
E que Vésper erguida entre os astros do céu!
Que, no Olimpo, pudeste reluzir e ofuscar
Embora sem um templo, embora sem altar!

O epistemológo Edgar Morin reconhece o amor como o ápice mais perfeito da loucura e da sabedoria, ou seja, que no amor, sabedoria e loucura não apenas são inseparáveis, mas se interpenetram mutuamente. O amor faz parte da poesia da vida. A poesia faz parte do amor da vida. Amor e poesia engendram-se mutuamente e podem identificar-se um com o outro.
O eros é irmão da poesia e os poetas escrevem sob a influência da paixão erótica ao mesmo tempo que informam os homens sobre o eros. Acredito que nunca se pode ter sexo sem imaginação, ao passo que se pode ter fome e comer sem qualquer contribuição da imaginação.

Portanto, se o amor expressa o ápice supremo da sabedoria e da loucura, é preciso assumir o amor. “Se verdadeiramente amo alguém, escreveu Erich Fromm, “então amo a todos, amo o mundo, amo a vida”. 

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