sexta-feira, 11 de março de 2011

O que um Curso de Relações Internacionais Não é?

O que um Curso de Relações Internacionais Não é?

Published 15 de dezembro de 2010 | By Política Externa.com
Por Daniel Cardoso Tavares

Tendo em vista algumas percepções erradas sobre o curso de Relações Internacionais, vou colocar minha visão sobre o que o curso não é.
Isso é muito importante principalmente para quem pretende cursar ou não cursou e tem expectativas pouco realistas sobre os internacionalistas. É comum alguns acharem que cursando REL passarão direto no Instituto Rio Branco (“por que se aprende tudo o que é necessário”) ou que somos especialistas em direito, ou historiadores etc.
É sério mesmo: já em diversas vezes as pessoas olharam para mim com aquela cara de “ele sabe disso” quando o assunto não tinha nada a ver com relações internacionais, era algo de direito ou de história geral.
Como os cursos são abundantes e variam sempre no currículo, peço que colaborem com suas visões particulares, com suas experiências.
Só para constar: eu chamarei Relações Internacionais de REL, mas sei que outros tantos chamam de RI.

O que um Curso de Relações Internacionais Não é
Lembre que, como afirmado acima, cada curso é diferente:
Não é um curso de História
Nós não somos historiadores. Nós aprendemos um pouco de história, em especial no período que vai do século XVII aos dias de hoje.
Nosso foco é político, então questões sociais ou econômicas, por exemplo, só são estudadas na medida em que influenciam as questões de política exterior de forma direta: levando a alianças e guerras (o foco do estudo de REL é primariamente voltado para guerras, conflitos etc). Claro, existem alguns clássicos, como História da Guerra do Peloponeso, que são estudados, mas nem chegamos perto do entendimento de quem faz um curso de História.
Não é um curso de Economia
Não somos economistas. Na minha graduação, eu aprendi as seguintes matérias: introdução à economia, sistema financeiro internacional, economia política internacional, economia e política latino-americana, comércio internacional, integração regional e sistemática de comércio exterior.
Todas elas estão ligadas de alguma forma à economia, micro ou macro, algumas recheados de coisas práticas, outras de perspectivas históricas, mas também não saímos sabendo tanto quanto um economista. Um economista tem cada um dos aspectos que aprendemos em um semestre estudados ao longo de quatro ou mais anos.
Não é um curso de Direito
Não somos advogados. Não venham perguntar a um internacionalista questões complexas de direito constitucional ou exigir que saibamos todos os tratados até hoje assinados pela humanidade. Nós, porém, temos capacidade impar para entender cada um deles após pesquisa.
No meu caso, as matérias que estudei foram: introdução ao direito, teoria geral do Estado (um curso de direito constitucional, na prática), direito internacional público e direito comercial internacional.
No final das contas, isso dá uma visão muito boa do mundo do direito, mas não é possível, obviamente, dar foco específico em todos os tratados. Nosso visão é, principalmente, voltada para “entender” cada tratado, a lógica por trás deles, as linhas gerais que os guiam, como devem ser harmonizados com a legislação interna dos Estados etc.
No meu caso, além das matérias acima, tive uma matéria de Proteção Internacional dos Direitos Humanos que foi muito prática. Nela, tive a oportunidade de trabalhar em detalhes com alguns tratados de direitos humanos, fazer simulações de petições etc. Foi uma das matérias mais práticas, ministrada pela professora Marrielle Maia.
Não é um curso de Comércio Exterior
Existem certos currículos que pegam mais pesado nessa área, mas a principal coisa a entender é que se você quer fazer um curso de comércio exterior deve fazer algo como “administração com ênfase em comércio exterior”. Parece que o MEC restringiu o “com ênfase em”, mas a lógica é a mesma.
No meu caso, tive duas matérias diretamente voltadas a isso: comércio exterior e sistemática de comércio exterior. A primeira foi mais teórica, mas a segunda foi extremamente prática. O professor, Carlos Leopoldo (diplomata), dava aulas extremamente práticas, recheadas de exercícios, com muitas consultas a NCMs, cálculos de impostos etc. Em um semestre aprende-se bastante, mas é pouco em comparação com os cursos especializados.
Não é um curso de Negociação
Apesar de haver todo o estereótipo de que os internacionalistas são negociadores, nosso curso não é voltado para isso diretamente. A personalidade negociadora é algo que depende da pessoa. Existem aqueles que são bons em conversar e convencer e aqueles que são bons em dizer o que deve ser conversado e o que se deve evitar conversar. A teoria do MBTI é extremamente útil nesse aspecto. Como disse certa vez uma professora, expert em negociação e que trabalhava na Presidência da República: “Eu vou lá e negocio com sucesso, mas só depois de receber a estratégia da ‘fulana’”.
Além disso, existem diversas formas de negociar. Alguns preferem a suavidade, enquanto há negociadores que são mais agressivos. Na Rússia, por exemplo [modo ouvir dizer: on] se você mandar um negociador “suave” o cara pode ser esmagado: os russos têm um estilo “porrada na mesa”, “sapato na mão”, de negociar [modo ouvi dizer: off].
O curso, no meu caso, ofereceu uma matéria chamada Negociação Internacional. Porém, aqueles que só querem aprender a negociar devem procurar um curso como o de “vendedor” ou “técnicas de negociação” ou algumas pós graduações (da FVG, por exemplo) em negociação empresarial etc.
Alguns cursos de REL oferecem laboratórios de negociação. De qualquer forma, há eventos nacionais nos quais são feitas simulações de negociações internacionais.
Não é um curso de Teoria Política/Filosofia
Um curso de Relações Internacionais não tem obrigação de formar cientistas políticos ou filósofos. Há, contudo, um peso considerável de teoria na formação.
Além de teoria política, há teoria de relações internacionais. No meu caso, tive dois TRIs (Teoria das Relações Internacionais: I e II) e fiquei descontente por não ter tido o TRI III, eu adoro teoria e estaria disposta a gastar muito tempo só nisso. Alguns cursos não estão nem aí para isso, quase nem possuem TRI direito, ou espremem tudo em um semestre, o que me revolta quando vejo as grades.
Na área da filosofia, tive aulas de Filosofia e História da Ciência e depois Globalização e Identidades Culturais, mas, no final das contas, sabemos muito menos que um filósofo ou que um cientista político.

O que esperar de um curso de Relações Internacionais?
Tendo dito o que o curso não é, agora creio que podemos passar ao que o curso é:
O curso de Relações Internacionais é um curso multifacetado (uma daquelas palavras místicas que não significa quase nada). Pode ser direcionado para questões comerciais, de direito, economia ou teoria política, depende de onde você estudou ou o que quis estudar.
Outras possibilidades existem, principalmente quando você tem a opção de uma grade aberta estilo universidade pública, o que pode ser muito bom, se você tem um foco, ou uma desgraça: muita gente vai fazer balé ou coisas do gênero (nada contra, mas é meio fora de foco).
Talvez a principal diferença que deva ser feita seja em relação a um profissional de administração com ênfase em comércio exterior (ou algo do gênero). Um profissional desse porte estará apto a ver questões de mercado, fazer planilhas de custos, impostos, tarifas etc. Ele estará apto a dar suporte para a sua expansão comercial. A diferença em relação a um internacionalista (que também pode fazer o mesmo trabalho após certa adaptação) é que este vai estar mais capacitado para olhar questões culturais, entendendo a lógica daquele local em específico de forma mais próxima da realidade. Encontrará oportunidades escondidas, evitará que a empresa entre em choque com a cultura local, poderá guiar novas abordagens de marketing etc.
O principal a se esperar ao final de um curso de REL, na minha visão, é: uma pessoa com a capacidade de juntar diferentes conhecimentos e chegar a entendimentos novos sobre o mundo, tanto de forma teórica quanto prática. Digamos que um internacionalista é um sujeito 100% pronto para estudar qualquer assunto e lhe dar uma perspectiva nova, global.
Isso acontece comigo (e com outras pessoas que conheço) e vou generalizar um pouco: ao conversar com um internacionalista, sobre qualquer assunto, a primeira coisa que ele se pergunta é: “em que lugar do mundo isso pode ser útil” ou “que lugar do mundo faz algo parecido”?
Se eu pudesse generalizar e simplificar, montando uma imagem, é como se cada profissão andasse com um “visor semi-transparente” na frente dos olhos. Um economista vê gráficos em tudo. Um contador vê tabelas de in/out e impostos em tudo. Um sociólogo vê as dinâmicas dos grupos. Um biólogo vê microorganismos. Um psicólogo vê problemas mentais. Um jornalista vê uma grande interrogação.
Pois bem, na minha visão, é como se um internacionalista andasse com um mapa-mundi semi-transparente na frente dos olhos: todo e qualquer assunto ele tenta encaixar


Fonte: O que um Curso de Relações Internacionais Não é? | Política Externa Brasileira
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