sábado, 18 de fevereiro de 2012

Ciência e Tecnologia

Hadil da Rocha Viana

As vertiginosas mudanças em curso no mundo em grande parte decorrentes ou intensificadas pelo surgimento de novas tecnologias, ocasionam impactos significativos sobre a vida social o trabalho e o lazer, as formas de produção, as estruturas de mercados, os padrões de consumo o papel do Estado e as relações entre as nações. Cada vez mais o progresso da sociedade e a criação da riqueza dependem da capacitação científica e tecnológica e, consequentemente, do incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento, admitidos como ferramentas estratégicas para a inserção de países na nova ordem do comércio internacional.

No Brasil, em anos recentes, tornou-se muito mais nítida a percepção da importância do desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (C&T), e assim, da intensificação do esforço nacional nesse setor como condição necessária para o alcance do desenvolvimento, do bem estar, da redução das desigualdades e para o exercício da soberania. O papel da C&T na nova ordem do comércio internacional não só diz respeito à aceleração da produção do conhecimento e da inovação, mas também a sua vocação para tornar-se o principal fator de agregação de valor a produtos, processos e serviços.

No âmbito das relações exteriores, o fortalecimento dos vínculos entre as comunidades científicas e instituições de pesquisa de distintos países gera efeito positivo para a finalidade de estreitamento dessas relações, com reflexos econômicos e sociais perceptíveis. A cooperação e a integração em matéria científica e tecnológica colocam-se em via de regra do lado positivo das agendas diplomáticas bilaterais e multilaterais, tornando-se instrumental para a consecução dos objetivos da política externa do país.

A utilização plena do potencial oferecido pelas oportunidades de cooperação internacional requer sua adequação a critérios e diretrizes que as alinhem às prioridades identificadas pelo governo para a promoção do desenvolvimento científico e tecnológico. O exercício de identificar prioridades de cooperação deve levar em conta por um lado as áreas temáticas relacionadas aos objetivos estratégicos nacionais - por exemplo, no caso do Brasil, usos pacíficos do espaço, ciclo do combustível nuclear e as pesquisas científicas na Amazônia - e, por outro lado, as políticas públicas orientadas para o desenvolvimento industrial, tecnológico e de comércio exterior.

A cooperação internacional em C&T é distinta da tradicional cooperação técnica, esta última mais voltada para a assistência - oferecida ou recebida - e/ou para aprimoramento institucional em áreas diversas. Em sentido estrito, a cooperação científico-tecnológica tem caráter mais estratégico ao referir-se à formação de parceiras equilibradas e complementares, idealmente entre países com capacitações semelhantes, destinadas a elaborar conjuntamente soluções tecnológicas, mediante a criação de novos produtos ou processos, em setores selecionados de comum acordo. A primeira fase no estabelecimento de uma cooperação bilateral com o respaldo oficial é portanto a identificação de áreas de interesse conjunto, onde existam capacitações de parte a parte, em matéria de pesquisa e desenvolvimento. A seleção de áreas temáticas de interesse e parceiros prioritários ajuda a aproximar as atividades de cooperação dos objetivos nacionais, mas, em muitos casos, não é o suficiente. Os mecanismos de gestão precisam viabilizar aqueles arranjos cooperativos que podem melhor atender às necessidades e prioridades do país por meio de ações especificamente direcionadas a certos temas, países ou grupo de países.

Para o Brasil, que se torna ator cada vez mais presente no cenário econômico internacional, a formulação de estratégicas de desenvolvimento científico científico e tecnológico, principalmente por intermédio do Ministério da Ciência e Tecnológica (MCT), representa fator crítico da política industrial e da política externa. No âmbito desta última, empreendem-se esforços atinentes ao avanço no tratamento das questões globais envolvendo a dimensão científico-tecnológica, esforços esses que têm permitido consolidar a confiabilidade do Brasil como ator importante no concerto das nações. São numerosos os campos do trabalho: biodiversidade, camada de ozônio, proibição de armas químicas, regime de tecnologias de uso dual no campos civil e militar, a candente questão das mudanças climáticas; a superação do hiato digital entre países desenvolvidos e em desenvolvimento; a retomada dos financiamentos do Banco Mundial para pesquisa e desenvolvimento; o início de uma política de atração de investimentos de empresas de base tecnológica e de ações conjuntas com as mesmas.

Iniciativas de cooperação em termos de C&T, promovidas pelo Brasil com seus parceiros, visam a ampliar a mobilidade dos pesquisadores de tal maneira que realizem trabalhos em conjunto, além de oferecer suporte que permita aproximar ainda mais a convivência das comunidades científicas e os laços de relações entre elas. Assim, constituem exemplos de cooperação internacional, o apoio às iniciativas de C& T em processos de integração regional e sub-regional, como o fomento da aproximação das comunidades científicas dos países do Mercosul e da América dos Sul. Para essa atividade, são especialmente relevantes as iniciativas da comunidade acadêmica brasileira, por meio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBFC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), de promover o estreitamento dos contatos com suas contrapartes na Argentina e nos demais países do Mercosul.

Particularmente no âmbito do Mercosul, a Reunião Especializada de Ciência e Tecnologia (RECIT) tem criado programas e canais específicos em apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico da região. Entre eles, vale mencionar a promoção periódica do Prêmio Mercosul de Ciência e Tecnologia, a criação de um Programa Mercosul de Incubadoras de Empresas, e a negociação de um projeto birregional Mercosul - União Europeia para a criação de uma plataforma de biotecnologias da região.

Outra iniciativa que merece atenção por parte da comunidade científica brasileira é a cooperação no âmbito da Comunidade sul-americana de Nações (CASA). Na reunião presidencial de Brasília, em 2005, aprovou-se plano de ação regional que prevê, entre outras coisas, a elaboração de um Programa em Inovação, Pesquisa e Desenvolvimento para a América do Sul. Em cumprimento à determinação dos presidentes sul-americanos, será realizada em agosto próximo, aqui neste Palácio, reunião regional, com representantes de Governos e da comunidade científica, com o objetivo de discutir e preparar esse Programa. A reunião terá o apoio do PROSUL, programa do MCT que, desde 2001, tem promovido atividades de cooperação em C&T, contribuindo, assim, de forma sustentada, para o desenvolvimento científico e tecnológico da região.

Fora da América do Sul, a cooperação adquire com países em níveis semelhantes de capacidade de produção e absorção de conhecimento: países em desenvolvimento com os quais se vislumbra a possibilidade de serem estabelecidas parcerias equilibradas, simétricas, complementares e afinadas com o interesse nacional, tais como a China, a Índia, a África do Sul e a Rússia. O Programa Espacial conjunto com a China, aliás, é o resultado de uma parceria de sucesso que pode ser tomada como paradigma da viabilidade de cooperação Sul-Sul em área de alto conteúdo tecnológico e significativo valor agregado.

O modelo exitoso do PROSUL foi emulado para outras áreas geográficas também prioritárias, como os países africanos de língua portuguesa, para os quais o MCT lançou, no segundo semestre de 2004, o PROÁFRICA, um Programa na área de Ciências Sociais em projetos que envolvam grupos de pesquisadores de países da Comunidade de Países da Língua Portuguesa (CPLP) e um Programa para apoiar a cooperação no âmbito da iniciativa trilateral Índia-Brasil e África do Sul (IBAS), em áreas selecionadas.

A cooperação induzida com os países identificados como prioritários não deve, contudo, ser compreendida como o abandono de parcerias tradicionais e de interesse científico e tecnológico, tais como a Alemanha, o Canadá, os Estados Unidos e a França. Novas oportunidades de cooperação estão surgindo a partir dos contatos de alto nível mantidos durante as visitas presidenciais ao exterior. Entre elas, vale mencionar a visita ao Reino Unido (2007 será o ano de "Brazil-UK Partners in Science"), à Itália (está sendo elaborado programa executivo para oficializar a cooperação espontânea já existente entre os dois países), ao Japão e à União Europeia, esta no contexto do VI e do VII Programas-Quadros europeus. De nosso ponto de vista, tal esforço visa a adequar a cooperação com esses parceiros aos objetivos brasileiros de desenvolvimento científico e tecnológico.

Vale mencionar, por fim, algumas iniciativas multilaterais na área de ciência e tecnologia que merecem acompanhamento diplomático. A Cúpula Mundial sobre Sociedade da Informação, realizada em duas fases (Genebra, em 2003, e Tunis, em 2005), introduziu definitivamente na agenda internacional o tema das tecnologias de informação e comunicação, bem como seu impacto para as políticas públicas em todos os países. O exemplo mais emblemático é a Internet, que tem mudado o modo e a velocidade da comunicação, dos negócios e do acesso à informação. A Cúpula Mundial reconheceu ser a Internet um instrumento de interesse global e sua "governança" constitui tema central da Sociedade da Informação. O Brasil ofereceu-se para sediar, em 2007, a segunda edição do Foro Mundial de Governança da Internet (IGF), criado na reunião de Tunis, e cuja primeira reunião será na Grécia em novembro deste ano (2006).

Outros temas multilaterais no campo da C&T, de não menor relevância para a política externa, merecedores de nota, são os debates na Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) sobre ética na ciência; a atuação em vários foros governamentais ou não, em favor da cooperação entre países em desenvolvimento; a oportunidade de empregar recursos científicos e tecnológicos na busca de consecução das metas do milênio das nações unidas e os aspectos tecnológicos do desenvolvimento industrial que são conduzidos no âmbito da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento industrial (UNIDO).

Em conclusão, cumpre constatar que o despertar e a mobilização do público para o debate sobre a importância da C&T e de sua inserção definitiva na agenda da sociedade brasileira depende ainda, em grande medida, de nossa capacidade de assumir, com clareza, seus reais impactos. Compreender e difundir amplamente as razões, pelas quais o Brasil participa e continuará a participar ativamente dessas ações não só significa legitimá-las perante a sociedade, mas também permite angariar o apoio permanente desta ao imprescindível esforço nacional no sentido de o Brasil integrar definitivamente o grupo de países que atuam na linha de frente dos avanços científicos e tecnológicos internacionais.

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