segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A partir de uma perspectiva da mudança global do clima como uma questão de desenvolvimento, comente:
a) A evolução da posição brasileira no processo preparatório da COP-15 e durante a conferência.
b) Desafios e vantagens, do ponto de vista doméstico e internacional, que o país terá nas próximas negociações multilaterais sobre o tema.
EXTENSÃO MÁXIMA: 90 LINHAS.
(VALOR: 30 PONTOS)

FREDERICO OLIVEIRA DE ARAÚJO (27/30)

As mudanças do clima são um fenômeno que atinge indistintamente o mundo inteiro, mas com efeitos especialmente nocivos sobre os países insulares e os de menor desenvolvimento relativo. A diplomacia brasileira tem sido elemento-chave nas negociações sobre o clima, particularmente desde a RIO-92, mas de forma crescente nos últimos anos. Isso se deve à maior legitimidade do Brasil para adotar uma postura pró-ativa, afiançada tanto em credenciais internas (políticas de combate ao desmatamento, adoção de uma matriz produtiva limpa, sistema nacional de unidades de conservação) quanto em credenciais externas: participação no regime ambiental internacional, inclusive com compromissos voluntários ambiciosos, articulação de sua diplomacia dos biocombustíveis em favor do desenvolvimento de terceiros países e da redução das emissões de CO2 no globo. Assim, o Brasil promove hoje as principais iniciativas tendentes a contornar o problema das mudanças do clima, não só fazendo a sua parte, mas também – como diria San Tiago Dantas – “contribuindo com ideias”, propondo mecanismos inovadores e instrumentos eficazes, segundo o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.
No processo preparatório da COP-15, o Brasil já vinha se engajado ativamente desde as conferências das partes anteriores. Para não recuar muito, tomemos o caso da COP-13, realizada em Bali, quando se formou grupo de trabalho para intensificar as negociações sobre um segundo período de compromisso (2013-2017) a vigorar após o 1° período do Protocolo de Quioto. Em Bali, o Brasil anunciou a elaboração de um Plano Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), no âmbito doméstico, que serviria de exemplo para a comunidade internacional. Aguardando com bastante expectativa, o PNMC foi lançado no Brasil e divulgado em Copenhague, onde o País expôs seus compromissos voluntários. Ainda em Bali, o Brasil participara ativamente da proposta da criação de um fundo de ajuda aos países de menor desenvolvimento que têm maiores dificuldades em reduzir suas emissões de gases geradores de efeito estufa (GGEE).
Na COP-14, realizada na Polônia, a diplomacia brasileira enfatizou, com grande interesse, a proposta de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD), sempre destacando que os países desenvolvidos têm a obrigação – estabelecida na ECO 92 – de transferir tecnologia e ajuda financeira aos países em desenvolvimento para que estes possam cumprir sua parte no combate ao aquecimento global. Particularmente, o Brasil tem vantagens quanto à redução das emissões de CO2, pois, segundo o IPCC, 25% das emissões no mundo são causadas por desmatamento; no caso do Brasil, essa cifra chegaria a 70%, o que prova que nossa matriz produtiva (industrial, etc) é relativamente limpa. Ademais, o Brasil já vem conseguindo reduzir o desmatamento em 50% nos últimos anos, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas (INPE), reconhecidos pela ONU. Portanto, o Brasil tem “vantagens comparativas”em relação a outros países, no que tange à redução das emissões de carbono.
Segundo o Embaixador Everton Vieira Vargas, durante o processo de preparação da COP-15, o Brasil defendeu a proposta de um fundo global de combate às mudanças do clima, com aporte de recursos extras, o espelho do já existente Fundo Amazônia – no que foi apoiado pela União Europeia. Os Estados Unidos, entretanto, não acolheram a proposta. Divergências dessa natureza demarcam a persistência de clivagens Norte-Sul, apenas parcialmente superada (se tanto) no Acordo de Copenhague de 2009. Este acordo, de caráter não vinculante, foi negociado por Brasil, África do Sul, Índia, China (BASIC), além dos EUA, e endossado por outros países, enquanto algumas nações européias limitaram-se a “tomar nota”. Embora não suficiente, o governo brasileiro entende que o Acordo de Copenhague é um passo importante para o esforço internacional de combate às mudanças do clima; nos seus termos, os países desenvolvidos comprometem-se a transferir US$ 100 bilhões até 2020, para os países em desenvolvimento, além de comprometerem-se – de forma não obrigatória – com a redução das emissões em 20% até 2020 e em 80% até 2050. Ao longo da COP-15, o Brasil atuou como “articulador de consensos”, obtendo um resultado possível em tema tão polarizado e permeado de clivagens, sempre primando, de forma principiológica, pela observância dos preceitos reconhecidos na Convenção-Quadro de Mudança do Clima.
No bojo daquelas discussões, a Ministra Dilma Roussef comunicou à UNFCCC todos os compromissos voluntários brasileiros, em termos de combate ao desmatamento e de redução das emissões, em números que são mensuráveis, reportáveis e verificáveis.
No entanto, persistem importantes desafios a superar, tanto no âmbito doméstico quanto no plano internacional, para as próximas negociações. No cenário mundial, ainda há divergências sobre a revisão, por exemplo, do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), o qual também nasceu de uma idéia originalmente brasileira. Permanecem clivagens mesmo dentro do mundo desenvolvido: enquanto os EUA não querem engajar-se em metas obrigatórias e apegam-se ao mecanismo de mercado de carbono, a União Europeia, por sua vez, parece disposta a aderir a metas mais ambiciosas, desde que outros países desenvolvidos também o façam, porém. Além disso, conquanto o governo Obama o retorno dos EUA à mesa de negociações sobre o tema, não se acena para a assinatura do Protocolo de Quioto, imputando-se ao Senado norte-americano sua eventual rejeição – numa lógica possivelmente explicável nos termos da “two level game theory” de Robert Putnan.
Então, o Brasil terá de empenhar sua energia diplomática e sua já demonstrada capacidade de articular consensos para as próximas negociações multilaterais, particularmente na Conferência Rio+20, em 2012, que o Brasil sediará.
No plano doméstico brasileiro, também existem desafios, como divergências interministeriais, em que pese à importância, à transparência e ao caráter ambicioso da Política Nacional de Meio Ambiente em geral, e do PNMC em particular. Outra necessidade é conscientizar o setor produtivo do País, para que a ação da diplomacia brasileira no plano internacional, em consonância com a sociedade civil (aliás, já incorporada ao debate, haja vista a delegação brasileira em Copenhague), seja feita de forma eficazmente harmoniosa.
Em conclusão, vê-se que o Brasil detém crendenciais internas e externas que o habilitam a assumir postura pró ativa, com enorme legitimidade, nas discussões sobre a diplomacia ambiental e, em especial, quanto às mudanças do clima. Será, portanto, fundado em suas vantagens que o Brasil virá por superar seus desafios.

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