segunda-feira, 6 de junho de 2011

O estudo das RI é mais do que nunca uma prioridade

José Renato Ferraz da Silveira

Nos últimos meses observo, confuso, perplexo e atônito, às considerações, abordagens e tergiversações mistificadoras - baseadas no binônimo cultura/religião - entre os “estudiosos de plantão” na busca de clarificar os principais aspectos das revoltas no mundo árabe. Ou seja, analistas sem a devida qualificação tratando de fenômenos internacionais com abordagens simplistas e às vezes com leituras infantis e ingênuas do fato.

Segundo Ricardo Young, na Folha de São Paulo, dia 28 de fevereiro p.p, “as revoltas no mundo árabe representam uma reação à miséria e à opressão a que estas populações vêm sendo vítimas há séculos. Excluídas da cidadania e dos avanços da chamada civilização, esses milhões de seres humanos cobram agora seus direitos por trabalho, bem estar e dignidade”. Somado a esse desejo de mudança social, há a necessidade e o anseio de reformas profundas nas instituições sócio-políticas desses países. Aliado ao fenômeno da globalização e os instrumentos tecnológicos advindos dos novos tempos – como a Internet e suas redes sociais – são os elementos catalisadores que desencadearam as ondas de revoltas das populações árabes.

De fato, esses acontecimentos reforçam a relevância cada vez maior do estudo das Relações Internacionais. Como ilustra o professor Ricardo Seitenfus: a “crescente interdependência entre os povos, a impossibilidade de traçar uma linha estanque entre as origens nacionais e as conseqüências dos fenômenos contemporâneos, o surgimento de temas transversais e difusos indicam a complexidade crescente das RI e demonstram sua vitalidade”.

Ou seja, a compreensão lógica do porquê das revoltas que se dão na África e no Oriente Médio ou em outras partes do mundo através do campo das Relações Internacionais nos permite sistematizar e explicar o fenômeno internacional de modo concreto e apropriado nos afastando do ajuizamento de valor, das suposições generalistas, simplificadoras e apressadas.

E a impressão que temos é que a sociedade internacional está tão interligada, tão integrada em um processo de globalização, que situações ocorridas na Líbia podem afetar a nós, brasileiros, do outro lado do planeta. Pensemos no aumento do preço do petróleo! Daí que o problema do outro passa a ser também um problema nosso e o bem estar de cada homem passa a significar o bem estar de toda a humanidade. Nesse contexto, se você não é parte da solução, é parte do problema!

O campo das Relações Internacionais

Como afirma o diplomata e professor de Ciência Política, Alain Rouquié, “as relações internacionais, até há pouco tempo, pertenciam quase que exclusivamente ao domínio dos diplomatas e de especialistas, teóricos ou filósofos. Hoje, o internacional é inseparável de todas as questões que afetam a vida das sociedades e dos indivíduos. Em nosso mundo finito e interdependente, busca-se em vão algo que dele possa se escapar. Mas tamanha ampliação pouco facilita sua compreensão e nós temos mais do que nunca necessidade de um saber internacional pertinente para nos orientar num mundo que perdeu seus pontos de referência”.

Na verdade, quando analisamos um fenômeno internacional, devemos estar atentos às seguintes questões-chave: o que? como? quando? motivações? implicações?

O desafio de responder estas questões paradigmáticas decorre das tentativas intelectuais de definir o que são relações internacionais.

Como diz Rouquié, o estudo das RI: “dá a chave para tornar inteligível o “espetáculo do mundo” e delimitar assim, com exigente rigor metodológico, um campo que cada vez menos se deixa facilmente circunscrever”.

Ipso fato, a resposta a estas indagações devem ser norteadas por meio de formulações teóricas, métodos, dados, hipóteses, variáveis quantitativas e qualitativas das Relações Internacionais para que o fenômeno internacional seja razoavelmente compreendido.

O estudo das Relações Internacionais

De acordo com o professor Ricardo Seitenfus: “a condição multifacetada das relações internacionais impõe um exercício intelectual ausente nas outras disciplinas das ciências sociais e humanas. Seu estudo pressupõe a utilização de parâmetros e utensílios cognitivos que transcendem o alcance das disciplinas pretensamente estanques”.

O campo de Relações Internacionais descende, desde seus primórdios, de uma linha multidisciplinar, como pode ser vista hoje, envolve conhecimentos gerais de direito, economia, administração, sociologia, política, história, filosofia, teologia, antropologia, estatística e, sobretudo, de questões internacionais contemporâneas.

No histórico de formação deste ramo do conhecimento podemos notar que as Relações Internacionais eram diretamente relacionadas aos governos, em especial, nos campos de Estratégia e Diplomacia, sempre ligados, de maneira direta, aos governantes.

Surge no direito e com o passar dos anos, na história, tendo o enfoque aos tratados entre Estados. “Os fenômenos das guerras, das alianças, dos tratados de comércio e amizade, sempre foram a principal preocupação os historiadores, que, muitas vezes, se esqueciam de escrever a história interna dos agrupamentos humanos, para centrar sua análise nos feitos históricos dos grandes líderes, na emergência ou desaparecimento de grandes impérios, em suma, na dominação de um povo sobre outro”, observa o professor Guido Soares.

Outro setor científico que se tem dedicado ao estudo das Relações Internacionais é o do Direito Internacional Público. Esse ramo é relativamente moderno pertencente à Ciência Jurídica, tratando de abordagens parciais de um fenômeno político complexo, que são as relações entre os Estados.


O estudo das Relações Internacionais no Brasil

No Brasil, as Relações Internacionais como campo de estudo, não chegou ainda há um grande debate. Até pouco tempo atrás, as Relações Internacionais permaneceram na condição de assunto quase exclusivo da competência do Ministério das Relações Exteriores. O Itamaraty herdou do Império a tradição da diplomacia portuguesa, com posição destacada na América Latina. Mesmo no âmbito do Poder Legislativo, as Comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado jamais tiveram o dinamismo esperado. Isto também pode ser observado na história de nossa imprensa, carente de correspondentes no exterior, reproduzindo noticiário e análises das agências internacionais.
As Universidades Brasileiras, de uns anos para cá, multiplicaram-se iniciativas de ensino, pesquisa, extensão e publicações diante da agenda internacional. Foram implantados novos cursos de Relações Internacionais, em graduação e pós graduação. Havia 3 cursos de graduação em Relações Internacionais no início da década de 90. O curso pioneiro é o da Universidade de Brasília. Corpo docente altamente qualificado, acervo bibliográfico – o mais completo do país – e grade curricular com um corte inter estatal bem visível. O segundo curso, o da Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro, colocou em destaque o comércio exterior. Hoje, temos mais de cem cursos de graduação em Relações Internacionais. Embora, muitos “lançados ao mercado”, não poucos, nem sempre contam com efetiva presença de equipes de docentes e pesquisadores qualificados no campo das relações internacionais, com condições adequadas de trabalho, além da hora-aula, com biblioteca especializada, laboratórios, convênios, parcerias, contatos externos, conferencistas e incentivo à participação em Congressos do corpo docente. São exigências formais para aprovação de funcionamento ou de reconhecimento de cursos, mas nem sempre seguidas, dada a costumeira benevolência de avaliadores oficiais, sujeitos ao clientelismo das instâncias burocráticas da educação no Brasil e dada a passividade do corpo discente.


O internacionalista

De acordo com Seitenfus, “as relações internacionais devem ser entendidas como o cruzamento de várias disciplinas em um mundo cujos interesses e valores se interpenetram de maneira irrefreável. O internacionalista - profissional das relações internacionais - competente será aquele capaz de trilhar caminhos para os quais ele não se preparou. Que tenha a coragem de enfrentar o novo, de compreender o outro, de observar e avaliar o mundo com olhos que não são os seus”.

Dessa forma, o internacionalista, dotado de arcabouço enciclopédico, deve ser um intelectual curioso, inquieto, inconformado, uma mente inquisitiva e criativa, idealista por natureza, apto ao aprendizado de idiomas, um humanista nato, com gosto pelas artes, e um espírito multicultural em que a aceitação do outro, do diferente, do estranho, do estrangeiro é uma tendência natural. Aberto e receptivo a novas ideias, o mundo é a sua aldeia.

A descoberta do internacional

A descoberta do internacional e suas dimensões no país e a maneira como isto nos afeta, diretamente e indiretamente, demanda uma compreensão e ação direcionada e imediata.
“O estudo das relações internacionais é mais do que nunca uma prioridade”, conforme alerta Rouquié.

É premente a necessidade de que os brasileiros tenham algum conhecimento de Relações Internacionais. Na Administração Pública, essa demanda é mais evidente. No Poder Legislativo, é fundamental que aqueles que assessoram os legisladores conheçam as principais linhas da política internacional tão bem quanto conhecem a política interna brasileira. Afinal, política interna e política externa estão estreitamente relacionadas: as ações daquela afetarão e serão afetadas por esta e vice-versa.

É o grande desafio e o futuro do Brasil como global player depende disso!

O Brasil, a nação que tende a desempenhar um saliente papel nesta “estranha máquina que se chama mundo”, como disse Camões.

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