domingo, 6 de março de 2011

Informações sobre a carreira diplomatica, II: oficiosas
De um colega de carreira:

O que é ser diplomata
Por Secretário César Bonamigo

O Curso Rio Branco, que freqüentei em sua primeira edição, em 1998, pediu-me para escrever sobre o que é ser diplomata. Tarefa difícil, pois a mesma pergunta feita a diferentes diplomatas resultaria, seguramente, em respostas diferentes, umas mais glamourosas, outras menos, umas ressaltando as vantagens, outras as desvantagens, e não seria diferente se a pergunta tratasse de outra carreira qualquer. Em vez de falar de minhas impressões pessoais, portanto, tentarei, na medida do possível, reunir observações tidas como “senso comum” entre diplomatas da minha geração.
Considero muito importante que o candidato ao Instituto Rio Branco se informe sobre a realidade da carreira diplomática, suas vantagens e desvantagens, e que dose suas expectativas de acordo. Uma expectativa bem dosada não gera desencanto nem frustração. A carreira oferece um pacote de coisas boas (como a oportunidade de conhecer o mundo, de atuar na área política e econômica, de conhecer gente interessante etc.) e outras não tão boas (uma certa dose de burocracia, de hierarquia e dificuldades no equacionamento da vida familiar). Cabe ao candidato inferir se esse pacote poderá ou não fazê-lo feliz.

O PAPEL DO DIPLOMATA
Para se compreender o papel do diplomata, vale recordar, inicialmente, que as grandes diretrizes da política externa são dadas pelo Presidente da República, eleito diretamente pelo voto popular, e pelo Ministro das Relações Exteriores, por ele designado. Os diplomatas são agentes políticos do Governo, encarregados da implementação dessa política externa. São também servidores públicos, cuja função, como diz o nome, é servir, tendo em conta sua especialização nos temas e funções diplomáticos.
Como se sabe, é função da diplomacia representar o Brasil perante a comunidade internacional. Por um lado, nenhum diplomata foi eleito pelo povo para falar em nome do Brasil. É importante ter em mente, portanto, que a legitimidade de sua ação deriva da legitimidade do Presidente da República, cujas orientações ele deve seguir. Por outro lado, os governos se passam e o corpo diplomático permanece, constituindo elemento importante de continuidade da política externa brasileira.
É tarefa essencial do diplomata buscar identificar o “interesse nacional”. Em negociações internacionais, a diplomacia freqüentemente precisa arbitrar entre interesses de diferentes setores da sociedade, não raro divergentes, e ponderar entre objetivos econômicos, políticos e estratégicos, com vistas a identificar os interesses maiores do Estado brasileiro.
Se, no plano externo, o Ministério das Relações Exteriores é a face do Brasil perante a comunidade de Estados e Organizações Internacionais, no plano interno, ele se relaciona com a Presidência da República, os demais Ministérios e órgãos da administração federal, o Congresso, o Poder Judiciário, os Estados e Municípios da Federação e, naturalmente, com a sociedade civil, por meio de Organizações Não-Governamentais (ONGs), da Academia e de associações patronais e trabalhistas, sempre tendo em vista a identificação do interesse nacional.

O TRABALHO DO DIPLOMATA
Tradicionalmente, as funções da diplomacia são representar (o Estado brasileiro perante a comunidade internacional), negociar (defender os interesses brasileiros junto a essa comunidade) e informar (a Secretaria de Estado, em Brasília, sobre os temas de interesse brasileiro no mundo). São também funções da diplomacia brasileira a defesa dos interesses dos cidadãos brasileiros no exterior, o que é feito por meio da rede consular, e a promoção de interesses do País no exterior, tais como interesses econômico-comerciais, culturais, científicos e tecnológicos, entre outros.
No exercício dessas diferentes funções, o trabalho do diplomata poderá ser, igualmente, muito variado. Para começar, cerca de metade dos mil diplomatas que integram o Serviço Exterior atua no Brasil, e a outra metade nos Postos no exterior (Embaixadas, Missões, Consulados e Vice-Consulados).
Em Brasília, o diplomata desempenha funções nas áreas política, econômica e administrativa, podendo cuidar de temas tão diversos quanto comércio internacional, integração regional (Mercosul), política bilateral (relacionamento do Brasil com outros países e blocos), direitos humanos, meio ambiente ou administração física e financeira do Ministério. Poderá atuar, ainda, no Cerimonial (organização dos encontros entre autoridades brasileiras e estrangeiras, no Brasil e no exterior) ou no relacionamento do Ministério com a sociedade (imprensa, Congresso, Estados e municípios, Academia, etc.).
No exterior, também, o trabalho dependerá do Posto em questão. As Embaixadas são representações do Estado brasileiro junto aos outros Estados, situadas sempre nas capitais, e desempenham as funções tradicionais da diplomacia (representar, negociar, informar), além de promoverem o Brasil junto a esses Estados. Os Consulados, Vice-Consulados e setores consulares de Embaixadas podem situar-se na capital do país ou em outra cidade onde haja uma comunidade brasileira expressiva. O trabalho nesses Postos é orientado à defesa dos interesses dos cidadãos brasileiros no exterior. Nos Postos multilaterais (ONU, OMC, FAO, UNESCO, UNICEF, OEA etc.), que podem ter natureza política, econômica ou estratégica, o trabalho envolve, normalmente, a representação e a negociação dos interesses nacionais.

O INGRESSO NA CARREIRA
A carreira diplomática se inicia, necessariamente, com a aprovação no concurso do Instituto Rio Branco (Informações sobre o concurso podem ser obtidas no site http://www2.mre.gov.br/irbr/index.htm). Para isso, só conta a competência – e, talvez, a sorte – do candidato. Indicações políticas não ajudam.

AS REMOÇÕES
Após os dois anos de formação no IRBr , o diplomata trabalhará em Brasília por pelo menos um ano . Depois, iniciam-se ciclos de mudança para o exterior e retornos a Brasília. Normalmente, o diplomata vai para o exterior, onde fica três anos em um Posto, mais três anos em outro Posto, e retorna a Brasília, onde fica alguns anos, até o início de novo ciclo. Mas há espaço para flexibilidades. O diplomata poderá sair para fazer um Posto apenas, ou fazer três Postos seguidos antes de retornar a Brasília. Isso dependerá da conveniência pessoal de cada um. Ao final da carreira, o diplomata terá passado vários anos no exterior e vários no Brasil, e essa proporção dependerá essencialmente das escolhas feitas pelo próprio diplomata.
Para evitar que alguns diplomatas fiquem sempre nos “melhores Postos” – um critério, aliás, muito relativo – e outros em Postos menos privilegiados, os Postos no exterior estão divididos em três categorias, A, B e C, obedecendo a critérios não apenas de qualidade de vida, mas também geográficos, e é seguido um sistema de rodízio: após fazer um Posto C, por exemplo, o diplomata terá direito a fazer um Posto A, e após fazer um Posto A, terá que fazer um Posto B ou C.

AS PROMOÇÕES
Ao tomar posse no Serviço Exterior, o candidato aprovado no concurso torna-se Terceiro Secretário. É o primeiro degrau de uma escalada de promoções que inclui, ainda, Segundo Secretário, Primeiro Secretário, Conselheiro, Ministro de Segunda Classe (costuma-se dizer apenas “Ministro”) e Ministro de Primeira Classe (costuma-se dizer apenas “Embaixador” ), nessa ordem. Exceto pela primeira promoção, de Terceiro para Segundo Secretário, que se dá por tempo (quinze Terceiros Secretários são promovidos a cada semestre), todas as demais dependem do mérito, bem como da articulação política do diplomata.
Nem todo diplomata chega a Embaixador. Cada vez mais, a competição na carreira é intensa e muitos ficam no meio do caminho. Mas, não se preocupem e também não se iludam: a felicidade não está no fim, mas ao longo do caminho!

DIRECIONAMENTO DA CARREIRA
Um questionamento freqüente diz respeito à possibilidade de direcionamento da carreira para áreas específicas. É possível, sim, direcionar uma carreira para um tema (digamos, comércio internacional, direitos humanos, meio ambiente etc.) ou mesmo para uma região do mundo (como a Ásia, as Américas ou a África, por exemplo), mas isso não é um direito garantido e poderá não ser sempre possível. É preciso ter em mente que a carreira diplomática envolve aspectos políticos, econômicos e administrativos, e que existem funções a serem desempenhadas em postos multilaterais e bilaterais em todo o mundo, e não só nos países mais “interessantes”. Diplomatas estão envolvidos em todas essas variantes e, ao longo de uma carreira, ainda que seja possível uma certa especialização, é provável que o diplomata, em algum momento, atue em áreas distintas daquela em que gostaria de se concentrar.

ASPECTOS PRÁTICOS E PESSOAIS
É claro que a vida é muito mais que promoções e remoções, e é inevitável que o candidato queira saber mais sobre a carreira que o papel do diplomata. Todos precisamos cuidar do nosso dinheiro, da saúde, da família, dos nossos interesses pessoais. Eu tentarei trazem um pouco de luz sobre esses aspectos.

DINHEIRO
Comecemos pelo dinheiro, que é assunto que interessa a todos. Em termos absolutos, os diplomatas ganham mais quando estão no exterior do que quando estão em Brasília. O salário no exterior, no entanto, é ajustado em função do custo de vida local, que é freqüentemente maior que no Brasil. Ou seja, ganha-se mais, mas gasta-se mais. Se o diplomata conseguirá ou não economizar dependerá i) do salário específico do Posto , ii) do custo de vida local, iii) do câmbio entre a moeda local e o dólar, iv) do fato de ele ter ou não um ou mais filhos na escola e, principalmente, v) de sua propensão ao consumo. Aqui, não há regra geral. No Brasil, os salários têm sofrido um constante desgaste, especialmente em comparação com outras carreiras do Governo Federal, freqüentemente obrigando o diplomata a economizar no exterior para gastar em Brasília, se quiser manter seu padrão de vida. Os diplomatas, enfim, levam uma vida de classe média alta, e a certeza de que não se ficará rico de verdade é compensada pela estabilidade do emprego (que não é de se desprezar, nos dias de hoje) e pela expectativa de que seus filhos (quando for o caso) terão uma boa educação, mesmo para padrões internacionais.

SAÚDE
Os diplomatas têm um seguro de saúde internacional que, como não poderia deixar de ser, tem vantagens e desvantagens. O lado bom é que ele cobre consultas com o médico de sua escolha, mesmo que seja um centro de excelência internacional. O lado ruim é que, na maioria das vezes, é preciso fazer o desembolso (até um teto determinado) para depois ser reembolsado, geralmente em 80% do valor, o que obriga o diplomata a manter uma reserva financeira de segurança.

FAMÍLIA: O CÔNJUGE
Eu mencionei, entre as coisas não tão boas da carreira, “dificuldades no equacionamento da vida familiar”. A primeira dificuldade é o que fará o seu cônjuge (quando for o caso) quando vocês se mudarem para Brasília e, principalmente, quando forem para o exterior. Num mundo em que as famílias dependem, cada vez mais, de dois salários, equacionar a carreira do cônjuge é um problema recorrente. Ao contrário de certos países desenvolvidos, o Itamaraty não adota a política de empregar ou pagar salários a cônjuges de diplomatas. Na prática, cada um se vira como pode. Em alguns países é possível trabalhar. Fazer um mestrado ou doutorado é uma opção. Ter filhos é outra... Mais uma vez, não há regra geral, e cada caso é um caso.
O equacionamento da carreira do cônjuge costuma afetar principalmente – mas não apenas – as mulheres, já que, por motivos culturais, é mais comum o a mulher desistir de sua carreira para seguir o marido que o contrário.

CASAMENTO ENTRE DIPLOMATAS
Os casamentos entre diplomatas não são raros. É uma situação que tem a vantagem de que ambos têm uma carreira e o casal tem dois salários. A desvantagem é a dificuldade adicional em conseguir que ambos sejam removidos para o mesmo Posto no exterior. A questão não é que o Ministério vá separar esses casais, mas que se pode levar mais tempo para conseguir duas vagas num mesmo Posto. Antigamente, eram freqüentes os casos em que as mulheres interrompiam temporariamente suas carreiras para acompanhar os maridos. Hoje em dia, essa situação é exceção, não a regra.

FILHOS
Não posso falar com conhecimento de causa sobre filhos, mas vejo o quanto meus colegas se desdobram para dar-lhes uma boa educação. Uma questão central é a escolha da escola dos filhos, no Brasil e no exterior. No Brasil, a escola será normalmente brasileira, com ensino de idiomas, mas poderá ser a americana ou a francesa, que mantém o mesmo currículo e os mesmos períodos escolares em quase todo o mundo. No exterior, as escolas americana e francesa são as opções mais freqüentes, podendo-se optar por outras escolas locais, dependendo do idioma. Outra questão, já mencionada, é o custo da escola. Atualmente, não existe auxílio-educação para filhos de diplomatas ou de outros Servidores do Serviço Exterior brasileiro, e o dinheiro da escola deve sair do próprio bolso do servidor.

CÉSAR AUGUSTO VERMIGLIO BONAMIGO - Diplomata. Engenheiro Eletrônico formado pela UNICAMP. Pós-graduado em Administração de Empresas pela FGV-SP. Programa de Formação e Aperfeiçoamento - I (PROFA - I) do Instituto Rio Branco, 2000/2002. No Ministério das Relações Exteriores atuou no DIC - Divisão de Informação Comercial (DIC), 2002; no DNI - Departamento de Negociações Internacionais, 2003 e atualmente trabalha no DUEX - Divisão de União Européia e Negociações Extra-Regionais.

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