segunda-feira, 2 de maio de 2011

A morte não mata o discurso
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DE SÃO PAULO

Interrompo por um dia as férias porque é inescapável falar da morte de Bin Laden. Da morte, nem tanto, que tudo ou quase tudo já foi dito, mas do "day after" ou dos muitos "days after".

Minha sensação inicial é igual à expressada por Ghassan Katib, porta-voz da Autoridade Palestina: "Livrar-se de Bin Laden é bom para a causa da paz mundial mas o que de fato conta é superar o discurso e os métodos violentos que foram criados e encorajados por Bin Laden e outros no mundo".

É óbvio que matar Bin Laden não mata nem o discurso nem o método, até porque a Al Qaeda, com o tempo, deixou de ser uma hierarquia altamente centralizada para se transformar em uma espécie de franquia de laços mais ou menos frouxos entre cada uma das, digamos, filiais.

Basta lembrar a lista, incompleta, de organizações que compartilham métodos e discurso fundamentalistas, compilada pelo Council on Foreign Relations: Jihad Islâmica Egípcia, Grupo Combatente Islâmico Líbio, Exército Islâmico de Aden (Iêmen), Jamaat al Tawhid wal Jihad (Iraque), Lashkar--Taiba e Jaish-e-Muhammad (Cachemira), Movimento Islâmico do Uzbequistão, Al Qaeda do Maghreb Islâmico e Grupo Armado Islâmico (Argélia), Grupo Abu Sayya (Malásia e Filipinas), e Jemaah Islamiya (sudeste asiático).

É ilusório supor que esses grupos deporão as armas porque mataram alguém que podia ter grande valor simbólico mas não era mais o principal executivo da franquia.

É ilustrativo lembrar que dois dos líderes da Al Qaeda no Iraque foram mortos, um em 2006, e o outro em 2009, sem que se possa dizer que o Iraque é um paraíso de paz.

Não é apenas no mundo árabe-muçulmano que há células terroristas, lembra para a BBC Ahmed Rashid, um dos grandes especialistas no assunto. "Hoje", diz ele, "cada país europeu tem uma célula da Al Qaeda", até porque "centenas de muçulmanos com passaporte europeu viajaram às áreas tribais do Paquistão para treinamento e retornaram à Europa".

Voltando pois ao ponto central levantado por Katib, o porta-voz palestino: como é que se desarma o discurso violento?

Um bom primeiro passo seria devolver ao mundo árabe condições dignas de vida, o que começa a ser feito pelos próprios árabes em alguns países como Egito e Tunísia. Pondo esperança no horizonte, corta-se o combustível para o fanatismo.

Mas para a geração já seduzida pelo discurso e pelo método violentos, não me parece haver jeito. Fanatismo não tem cura.


Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

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