segunda-feira, 11 de abril de 2011

DEU TOURO, OU COBRA?

Minha esposa tinha o costume de jogar no bicho. Todas as manhãs, ela me especulava se eu sonhara com algum bom palpite.
Entretanto, numa noite eu tive um sonho bem diferente, no qual, ela revelou-me um fato sinistro:
- Jobert, você se lembra do Clemente, aquele senhor calvo, que era seu colega na repartição.
- Sim. Lembro-me muito bem, sempre eu o reencontro por aí. Ele ainda trabalha lá. - Respondi-lhe no diálogo do meu sonho.
- Eu soube que ele surpreendeu a jovem esposa com um amante e deu dois tiros na cabeça do conquistador barato.
Após aquele marasmo eu acordei muito agitado. Dava a sensação que era tudo verdade. Demorei certificar-me de que era simplesmente um pesadelo. Por outro lado, eu me questionava como minha senhora entrara no meu sono para dar-me aquela inoportuna notícia.
Entretanto, não levei muito a sério a premonição. Era um sábado e eu fui, logo de manhã, a uma livraria do centro. Queria conferir alguns lançamentos.
Enquanto observava um livro que veio a calhar. Seu título, “Pense na frente do seu rival”. Curiosa coincidência, surgiu no momento apropriado.
Com um sorriso zombeteiro, alguém colocou uma das mãos delicadamente em meu ombro? Enquanto me dirigia sua saudação:
- Então, seu Jobert, o senhor continua gozando sua merecida aposentadoria?Tudo bem?
Eu tive um violento sobressalto, uma vez que reconheci a sua voz. Em seguida, tentando disfarçar minha surpresa, respondi-lhe de modo alegre e cortês:
- Que prazer reencontrá-lo, meu antigo companheiro de batalhas. Desculpe-me, pela voz, eu julguei que fosse um velho senhor, lá da minha terra, que há muito não vejo.
- Eu não sabia que, às vezes, o senhor é também aprendiz de detetive. Perguntou-me com alguma malícia.
Eu não entendi de onde ele tirou aquela dedução. Eu ainda desconhecia o livro. Será que tratava desse assunto? Fui obrigado improvisar uma resposta:
- Sabe que gosto de escrever e simplesmente buscava uma nova inspiração.
Porém, não resisti à tentação e dirigi-lhe uma pergunta:
- Então, como vai sua jovem esposa, sempre bem disposta e alegre?
- Continua até mais jovem e feliz, para ela o tempo não passa, nem se desgasta com os vários problemas que enfrentamos no dia a dia. Nós marcamos encontro aqui, ela está demorando, já dei voltas no quarteirão... E continuou um tanto pensativo: - Depois ela precisa passar no supermercado, enquanto eu irei comprar uns acessórios...
Em seguida, meu antigo colega afastou-se para outra estante. Eu continuei minhas buscas, porém, com o rabo dos olhos procurava não perdê-lo de vista.
Ele não demonstrara nenhum tipo de aborrecimento ou contrariedade. Embora o sonho não tenha, comprovadamente, algum significado, aquilo me intrigava.
Num momento de desatenção, ele escapou da minha vista, quando o procurei, a esposa já havia chegado. Parece que foi um reencontro um tanto frio.
Procurei aproximar-se um pouco mais. Captei uma conversa sobre equipar o carro dela com o acessório já comentado.
Em todos os gestos do casal eu procurava usufruir do meu suposto segredo já conhecido.
Se a premonição estava correta, eles eram bons atores e não deixavam transparecer que havia um clima para uma atitude mais radical. De qualquer maneira, eles permaneciam distante um do outro. Não existia aquela aproximação de casal apaixonado.
De fato, deu para notar que a jovem senhora apresentava-se melhor conservada. O maridão estava grisalho, já perdera muitos fios de cabelos e tinha uma pança de sete leitões.
Enquanto aguardava o desenrolar dos acontecimentos, eu desfrutava de uma sensação de ser um sábio profeta, com uma angústia suprema e com uma séria preocupação. Era como eu já soubesse o resultado do jogo do bicho na véspera do sorteio.
Ainda mais, quando eles conversaram sobre algo. Notei que houve uma transfiguração nas faces do casal. Eu percebi algum contratempo, ou uma surpresa qualquer. Havia uma interrogação, pela fala mais ríspida ou mais pesada.
Como bom observador, cheio de malicia, eu pensava com meus cabelos: “Por que ela demorou tanto? Sua consciência pesa quantas arrobas?O que ele planeja?”
Finalmente, o distinto casal partiu, enquanto eu permaneci mais alguns minutos, muito pensativo, naquele recinto.
No domingo cedo, eu até já esquecera aquele episódio, no entanto, abri o jornal e, estampado na primeira página: “Jovem empresário é encontrado morto nas margens da vicinal, bem próximo do motel estrela”.
Atônito, quase caí duro. Ainda assim eu me perguntei: - E agora? Que bicho dará?
Eu conhecia superficialmente o empresário citado, todavia ignorava sua fama de paquerador.



























ERAM DOIS GRANDES SONHOS

Luciano Fernando era um pobre órfão de vinte e dois anos. Não era tão inteligente, mal terminara o curso básico até a oitava série. Isto até justifica, visto que precisou trabalhar para ajudar os pais. Por ser uma criança levada, seu pai o chamava pela combinação das quatro e três primeiras letras do seu nome: Lúcifer.
Havia também feito alguns cursos técnicos, mas isto não lhe assegurou emprego. Um dos seus grandes sonhos era trabalhar numa fábrica de médio porte que há um bom tempo instalara na cidade. Na verdade, quase todos os moradores da cidade tinham essa pretensão.
No momento trabalhava de caseiro na casa de campo de um ricaço da capital. Mostrara boas qualidades. Cuidava bem da casa, do jardim, da piscina, dos carros e dos cachorros. Ficava vinte e quatro horas disponível. Quando o patrão aparecia por lá, não faltava cerveja e sabia também fazer um bom churrasco.
Estava apaixonado pela garota Heleny, às vezes desligava-se do mundo, ficava extático, absorto com aquela linda formosura, de vez em quando deixava seus afazeres para vê-la, numa escapadinha até a cidade, nem que fosse só para olhá-la passar como uma ave colorida, batendo as asas. Isto já o prejudicara uma vez.
Estava arrebatado com seus pensamentos. Aquela mulher fazia-o perder o juízo. Quando uns garotões da cidade tentaram pular o muro para nadar na piscina. Luciano apareceu no momento correto. Os folgados, ao perceberem o desagradável flagrante, quiseram negociar uma autorização para nadar, todavia foi negada pelo caseiro.
Luciano pediu com muito jeito:
- Por favor, retirem-se. Caso contrário, eu soltarei os cachorros ou então chamarei a policia. Qual vocês escolhem?
Os jovens não gostaram do tom irônico e das propostas. Uma vez que ambas eram severas e punitivas.
Foram embora, mas arrumara antipatia com o grupo. Eles pretendiam descobrir o seu ponto fraco.
Sobre o caso com a garota, decidiu procurar uma mandingueira. Foi instruído fazer alguns trabalhos, porém no final, deveria entregar a alma ao diabo, o qual, numa próxima sexta feira, viria negociar encarnado em um homem normal, todavia deveria ser identificado pelo cheiro do enxofre.
Fernando era mesmo apaixonado e um homem assim, às vezes, pode perder a razão e os bons princípios.
Com referência ao emprego, seu patrão o queria bem, quando soube do seu grande desejo de trabalhar na fábrica, não se opôs, e até usou de sua influência para apresentá-lo como candidato a uma vaga como guarda ou vigilante.
Deu tudo certo, pois Luciano era sozinho, solteiro, não escolheria horário. Era desse elemento que a firma precisava e tinha boas referências como caseiro.
O fato de ter-se saído bem na seleção para os serviços da fábrica deixou alguns concorrentes, moradores de uma cidade vizinha, muito enciumados. Pois havia, pelo menos, cinqüenta candidatos para duas vagas.
Luciano começou trabalhar imediatamente, fez curso de vigilante, especializou em usar armas em legítima defesa. Iniciou os trabalhos no turno da noite, quando a fábrica ficava parada.
Agora, estava entusiasmado com Heleny. Como a metade de seu sonho já realizara. A outra já deslumbrava no horizonte. Havia possibilidade de conquistar o coração de sua amada. Ela até tornara sua amiga, a tarefa já não parecia impossível.
Entretanto, Heleny era uma bela jovem, morena, bem torneada e de negros cabelos caídos sobre os ombros. Tinha excelente educação, boa formação, era de boa família. Eles até tinham alguma posse. Heleny sabia desses seus predicados. Portanto, ela era um delicioso filé mignon feito com muito esmero. Não era para o marmitex de um Luciano qualquer.
Na sexta feira seguinte, por coincidência, treze, de madrugada, após uma ligação à portaria da fabrica para confirmar a presença de Luciano naquele turno. Dois monstros estranhos, diabólicos mesmos; um chamava a atenção pelos chifres, pelo rabo, pelo focinho de bode, por um roupão negro e peludo e por um enorme casco substituindo os sapatos. Seu seguidor parecia usar uma máscara de um animal estranho, ambos exalavam um cheiro danado de enxofre. Esses satânicos monstros surgiram de um matagal perto da firma, bem no momento em que um vigilante fazia uma espécie de ronda, contornando todas as ruas que circundavam a área da fábrica, em plena madrugada, numa área muito mal iluminada.
O mais curioso era que os diabólicos, mesmo com aquelas vestimentas estranhas de capetas, queriam apenas atrair sua atenção. Não planejavam espantar o guarda, tudo indicava que a intenção era mesmo chamá-lo para iniciar uma negociata.
Todavia os dois comparsas apareceram tão inesperadamente, barraram o caminho do guarda, tentaram comunicar-se para início do negócio, aí acabaram assustando-o. Decerto os dois sobrenaturais acreditavam que só um guarda trabalhava naquela noite.
O vigilante, no reflexo, julgou que realmente tratava-se de algo sobrenatural, após uma bambeada de pernas, recuperou-se e virou em disparada. Ao dobrar a primeira esquina deu de cara com outro capeta. Aí foi demais, o coração quase pula fora do peito, mas ainda conseguiu ficar em pé. Ao ver-se encurralado, teve lembrança, pelo que lera a respeito de demônios, de que não adiantava atirar contra, pois o Lúcifer era inatingível. Deu, então, um tiro para cima para chamar a atenção do companheiro que estava dentro da fábrica. Tentou esconder-se num pequeno bosque.
Porém, teve um pensamento positivo e tomou uma decisão:
- Eu não creio em capetas! Quanto mais aqui na terra, visitando a cidade de Prosperidade. Eu retornarei à rua! Disse com ares de super herói.
Que boa surpresa. Já não viu mais os dois capetas nas proximidades dos lugares onde eles estavam anteriormente, muito menos o perseguiram.
De um lado estava o seguidor ainda tentando levantar-se, pois no corre-corre, pisara na barra do roupão e capotara. A esta altura já devia estar todo lambuzado. Na confusão, havia vazado enxofre, o vento esparramara o pó pela rua. Um mau cheiro pairava na atmosférica.
Na outra travessa, já afastado, o segundo capeta ainda corria a fim de apanhar carona em um carro que manobrava. Um dos chifres havia se despregado e rolava asfalto abaixo.
O guarda deduziu que o mascarado assustou-se com o outro capeta, que saíra dos cafundós do inferno para castigá-lo, enquanto o outro demoníaco tivera o mesmo pensamento. Por isso, ambos correram sem olhar para traz, sem ao menos conferir se o seu oponente realmente era um demônio legítimo.
O guarda então teve certeza de que se tratava de alguns moleques brincalhões que tentaram pregar-lhe um susto e sentiu-se seguro de que já havia espantado os maus atores.
Portanto, regressou ao portão da guarita. Nesse instante, o colega saiu ao seu encontro. Ao sentir o cheiro do enxofre esparramado, o companheiro perguntou-lhe:
- Parece que o bom capeta quer falar comigo? Por acaso foi nele em que você tentou acertar?
- Sim, atirei, eram dois covardes e fugiram!
- Nossa! Então eram dois? A feiticeira era jóia mesmo!
O colega desconhecia a estória da mandinga, não entendeu nada.
- Puxa! Você foi espantá-los! Eles tinham negócios comigo! Insistiu o guarda Luciano.
Aí o colega ficou na dúvida e tentou argumentar que eram falsos capetas. Contou todos os detalhes dos encontros.
Entretanto, pensando melhor: “Por que eram falsos? O primeiro desaparecera em segundos? Somente ficara aquele pateta mondrongo que caíra? Hum! Ele devia ser seu interprete ou testemunha? O segundo deveria ser um capeta terrestre e fugira de carro? Eh, eles perceberam que foram atrás do guarda errado e decidiram voltar outro dia? Mas por que perdera o chifre?”
Enquanto o companheiro teimava que ele atrapalhara o seu encontro. Ou então, um falso capeta surgira para atrapalhar:
- Que azar danado! Era minha oportunidade!
- Bom, se eles eram falsos ou verdadeiros eu já nem sei. Agora, como eu usei uma bala, teremos que fazer relatório para o chefe da segurança.
Logo os dois estavam reunidos para bolar uma estratégica e rabiscar um relatório que justificasse o uso do revolver.
- E se outras pessoas ouviram o tiro? – Disse Luciano preocupado.
O outro respondeu:
- Como não chegamos a disparar o alarme e demos um único tiro, seria mais prudente relatar que um palhaço mascarado rondou a fábrica.
Prosseguindo o relatório: O vigilante deu de cara com ele e pediu documentação. Por que rondava a fábrica? Como ele não manifestara vontade identificar-se. O vigilante atirou para o ar a fim de intimidá-lo.
O palhaço, mal intencionado, fugiu e pegou carona em um carro. O guarda que estava dentro, o competente Luciano Fernando, percebeu os movimentos do carro, olhou pelas frestas da grade e anotou o número da placa.
Logo os dois imaginavam uma manchete no jornalzinho da cidade:
“Malandros Mal Sucedidos”.
E o texto:
Dois suspeitos, com vestes estranhas e assustadoras, com longos chifres, rondavam a fábrica, na madrugada de sexta feira, treze. Suas intenções não eram boas, segundo um dos vigilantes. Porém, o corajoso e destemido vigilante assustou-o, dando um tiro para o ar. Enquanto o outro determinado e eficiente vigilante anotou a placa, etc.
Todavia, de repente, numa recaída, Luciano lembrou-se de Heleny. Voltou a questionar alto, repreendendo o colega:
- Perdi a oportunidade de encontrar a fórmula mágica para conquistá-la!
O outro perguntou:
- Conquistar quem? Qual fórmula?
- Deixe para lá.“Não era mesmo o filé certo para a minha marmitinha”, pensou tristemente. E disse em tom agudo:
- Em compensação, agora eu conheci Angélica, um anjo, uma nova luz na minha solitária existência!
“Vamos deixar essa estória de fazer acordo com o feiticismo e cair na real, ou em outro caso, posso até perder o emprego. Esta vez foi por pouco.” Até sorriu com uma ponta de consolo.
Em seguida, relembrou: “Na vida, às vezes, igualmente, temos que aceitar a derrota, a renúncia, o conformismo, a realidade, a solidão e o recomeço. Devemos constantemente lembrar que no fim do túnel não existe somente uma porta fechada. Deve haver também janelas e outra porta abrirá para você, uma nova, florida e perfumada primavera sorrirá ao amanhecer.” Recordou esta frase que lera em algum lugar.
Mesmo assim, ainda pensou consigo mesmo: “Será que era mesmo ele...”

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