segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Napoleão, D. João VI e Carla Camurati

Em meio às comemorações do bicentenário da vinda da família real ao Brasil, partilho com o leitor do JC, amigos, colegas e alunos um intrigante episódio de nossa história.
No início do século XIX, na Era dos Imperialismos, acirrava-se cada vez mais a rivalidade anglo-francesa. O imperador Napoleão, na tentativa de enfraquecer a Inglaterra, decretou o Bloqueio Continental. Ou seja, todos os países europeus deveriam fechar seus portos ao comércio inglês.
Nesse cenário de instabilidade estava Espanha e Portugal. Aliados importantes na consolidação do imperialismo. As coroas espanhola e portuguesa estavam em plena decadência, mas ainda “conservavam a maior e melhor parte de seus imensos domínios, incorporados na fase brilhante de sua história: séculos XV e XVI”. Como afirma Caio Prado Júnior: “corpos imensos de cabeças pequenas...”.
O imperador Napoleão impunha a Portugal duras exigências quanto ao Bloqueio Continental, além do decreto imediato de guerra à Inglaterra, fechasse seus portos aos navios ingleses, incorporasse os seus navios à esquadra francesa e confiscasse os bens de ingleses que vivessem lá.
D. João VI que governava em nome de sua mãe demente, a Rainha D. Maria estava numa encruzilhada. Atendendo à França, perderia o Brasil para os ingleses; se não atendesse as ordens do imperador francês, Portugal seria invadido pela França. Após “hesitações” propositais, decidiu manter-se secretamente ao lado dos ingleses, fingindo assumir as exigências dos franceses.
Sem demora e com medo da Grand Armée, comandada pelo general Jean-Andoche Junot, D. João VI partiu com a família real e comitiva, aproximadamente 10.000 pessoas, em 1807. Em apenas quatorze navios, com suas riquezas, documentos, bibliotecas, coleções de arte e todos os bens que pudessem carregar”, os “bravos e nobres patrícios” viriam para o Brasil.
Escoltados pela forte Marinha Inglesa, os navios portugueses, mesmo assim, não tiveram uma “viagem tranqüila”: falta de alimentos, acomodações e muitos piolhos. Além das constantes tempestades que dispersaram os navios. Alguns, com sorte, chegaram ao Rio de Janeiro. Outros, como o navio de D. João VI aportou na Bahia, em fins de janeiro de 1808.
Só em março, D. João VI e comitiva se mudaram para o Rio de Janeiro. Foram recebidos em clima de festa. Apesar das festividades em nome do príncipe regente e família real, inevitavelmente, as principais residências foram requisitadas por D. João VI. Muitos moradores foram despejados de suas casas, e afixados nelas: P.R. (Príncipe Regente). No entanto, como afirma o historiador Jobson de Arruda, o povo dizia: “Ponha-se na rua” ou “Prédio Roubado”. Mal sabiam que dois séculos depois, a sigla P.T. teria um significado similar.
Voltando as aventuras de D. João VI, com o apoio dos ingleses na vinda para o Brasil e a tentativa inglesa de libertar Portugal do jugo francês, o príncipe regente quando estava na Bahia, em 28 de janeiro de 1808, tomou medidas firmes para a economia brasileira: a Abertura dos Portos da colônia às “nações amigas” (Inglaterra). O pacto colonial estava desfeito.
Em 1995, tivemos o filme Carlota Joaquina: princesa do Brasil, dirigido por Carla Camurati. No filme, D. João VI (Marco Nanini) é retratado como um tolo. Homem sem personalidade política, incapaz de tomar decisões (sozinho), de maus modos na mesa. É alvo de chacotas e brincadeiras de brasileiros e portugueses. Soma-se a isso às inúmeras traições e casos amorosos que a sua esposa - a exótica princesa Carlota Joaquina (Marieta Severo) revela abertamente ao público.
O trágico cômico dessa construção esteriotipada de D. João VI por Carla Camurati é que o filme recebeu investimento do Banco do Brasil para a sua produção. O BB, instituição financeira fundada por D. João VI. O homem que enganou Napoleão, abriu os portos brasileiros e assegurou o fim do pacto colonial.

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