Entrevista
No dia 16 de agosto, o
professor e coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade
Federal de Santa Maria, José Renato Ferraz da Silveira, lançará a obra A
tragédia da política em Ricardo II, fruto de sua tese de doutoramento defendida
em 2009 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. José Renato dá
sequência a uma pesquisa que já rendeu bons frutos quando da publicação de sua
dissertação de mestrado – A tragédia da política em Ricardo III.
O lançamento será na Livraria Nobel, 2° andar, Shopping Royal
Plaza, às 17 horas.
Do
que o livro trata?
José Renato: Vivemos tempos sombrios, tempos difíceis, tempo de tragédia,
tempo de grandes mudanças, quando se entrelaçam destinos pessoais e históricos
em registro extremo. É o retrato de tempos assim que é a matéria deste livro.
Estão em jogo a tensão e a ruptura dramática entre orientações políticas
básicas na passagem da era medieval para a moderna. Como se vê neste livro, ao
tratar de Ricardo II Shakespeare mobiliza os grandes temas que dão unidade à
sua dramaturgia política, centrada na figura trágica do homem que está no
centro da ação e tem sua capacidade de fazer frente aos entrechoques de
ambições e paixões continuamente posta à prova. Procuro demonstrar pela contextualização
histórica da figura de Shakespeare, a qualidade primeira que ele vê no
monarca no qual consiste em ser capaz de
manter sob controle as ambições e hostilidades daqueles que o cercam. Ser capaz
de centralizar e concentrar na sua pessoa o poder, não mais por injunção divina
e sim (e aqui cabe Maquiavel) por virtú.
Unificar o mando, consolidar a nação; realizar, portanto, a grande tarefa
histórica do momento, a da construção do Estado nacional. É esse tema, nas suas
diversas dimensões e na transfiguração que lhe confere a grande obra de arte,
que se encontrará reconstruída neste livro.
A
peça Ricardo II pode ser lida como uma obra política?
JR: Sem dúvida. Ricardo II
é obra singular, imprescindível ao campo da ciência política e proporciona ao
leitor um ângulo privilegiado para observar a transição de um fundamento
teológico da Idade Média para uma justificação moderna de
legalidade-legitimidade dos reis, apresentada por Shakespeare por meio da
tragédia lírica. De fato, essa obra dramatúrgica possui potencial para
enriquecer e/ou complementar obras da filosofia e teologia política, em um
fluxo multidirecional.
Cito parte do prefácio do amigo,
professor e cientista político Reginaldo Teixeira Perez “vislumbram-se,
assim, os planos que interagem na
obra de Silveira: um autor contemporâneo (século XXI) se debruça sobre uma peça
shakespeariana (final do século XVI), que, de sua parte, com o possível intento
de metaforizar o reinado de Elisabeth, retrata um drama histórico-político da
segunda metade do século XIV. Não é necessário recorrermos às exigências
vergastadas por Quentin Skinner[1] a
uma boa recuperação de um tempo pretérito – a saber, erudição à farta na
apreensão dos significados dos termos dos debatedores daquele contexto – para
reconhecermos a coragem incomum do professor José Renato no tratamento dado aos
seus temas estudados. O que se depreende de sua obra (em tempo: de
agradabilíssima leitura) – e que certamente o aproxima de perspectivas
shakespearianas – é uma possibilidade que a todos fascina: os indivíduos teimam
em não ser escravos de seu contexto de formação, ceteris paribus, parece ser necessário reconhecermos componentes
constantes nas nossas condutas. O exame da política – assim como o de seu
sujeito, o político –, em sua dimensão agônica e universal, apresenta-se como
um bom caminho”.
Qual
a importância da sua obra para o leitor?
JR: O que observamos é que cada vez mais
as vivências políticas dos estadistas são teatralizadas, em que as “sombrias
forças” do poder impactam principalmente neles. A obra procura evidenciar a crise generalizada que intima
profundamente a dimensão cultural, artística, política, ecológica, espiritual e
filosófica de nosso tempo, pois todas estão tocadas, no seu âmago, por um
sentimento de desorientação e incerteza. A angustiante insatisfação das populações com as
democracias ocidentais tem sido parte da História. Elevam-se as vozes que
interrogam as escolhas e decisões que determinaram a economia política das
sociedades. Mas ao mesmo tempo, vemos sinais da criação de novas formas de
viver e de pensar, inspirados na memória das lutas políticas e dos movimentos
sociais. A presente obra A tragédia da
política em Ricardo II demonstra essa singularidade histórica do Ocidente
(podemos pensar também em termos do Brasil do século XXI), entrelaçando
experiências trágicas e esperanças messiânicas.
Creio quem tiver a oportunidade de adquirir e ler a presente
obra terá o privilégio de ver os seguintes aspectos: a) a imbricada relação
entre arte e política, uma incômoda reunião, outras vezes, uma surpreendente
união como diria o cientista político Miguel Chaia; dois, a análise centrada
nas relações de poder, sob a visão realista conquista, manutenção e queda;
três, os conflitos que são inerentes ao jogo político numa linguagem acessível;
quatro, a dimensão trágica do poder, principalmente no que se refere a queda do
rei Ricardo II; cinco, conhecimento de história medieval e moderna inglesa;
seis, conhecimento literário da peça Ricardo II; sete, conhecimento da
biografia do dramaturgo William Shakespeare; oito, é fruto de minha tese de
doutorado, muito original, criativa e rica em linguagem e cultura política.
José Renato Ferraz da
Silveira é coordenador e professor do curso de Relações Internacionais na
Universidade Federal de Santa Maria. Estudioso da obra shakespeariana desde
1999. Publicou Sob o signo da Fênix lançado pela editora canal 6, participou da
obra Arte e Política (sob organização de Miguel Chaia) e publicou A tragédia da
política em Ricardo III, ambos lançados por esta editora. É membro do Núcleo de
Estudos em Mídia, Política e Arte (NEAMP) e líder do Núcleo de Pesquisas em
Relações Internacionais de Santa Maria (PRISMA). Atualmente pesquisa guerras e
conflitos simbólicos, cultura e teoria política e a permanência da tragédia na
política.
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