Eros e Tânatos
Nas últimas semanas, delicio-me
com a obra Amor e Amizade de Allan Bloom no qual o autor defende – de modo
impactante - que vivemos num mundo em que o amor e a amizade estão a
desvanecer.
Ainda de acordo com o autor, o
individualismo e o igualitarismo transformaram as relações românticas em
assuntos contratuais sujeitos a litígios. Perdeu-se aquilo que separa os seres
humanos dos animais – o poder da imaginação, que consegue transformar o sexo em
eros. O empobrecimento dos nossos sentimentos resulta, afinal, de um
empobrecimento da linguagem do amor.
Amor e ódio, sexualidade e
agressividade, vida e morte, são forças que coexistem dentro do ser humano e
estão presentes no cotidiano, tanto nos conflitos mais banais quanto nos mais
mórbidos ou sublimes da humanidade.
Encontramos no universo das peças
de Shakespeare, nos romances de Stendhal, Jane Austin, Tolstoi, entre outros
escritores que pertencem ao chamado cânone universal por Harold Bloom. Esses
grandes livros descrevem os fenômenos do amor e do ódio, como também nos ajudam
a experienciá-los. Parafraseando Bloom: “para mim, a literatura não é meramente
a melhor parte da vida; é ela mesma a forma de vida, que não possui nenhuma
outra forma”.
Como pontua Allan Bloom: “os livros são expressões vivas
de experiências profundas e, sem esses advogados conhecedores dessas
experiências, acharíamos muito difícil aceder a questões que dependem tanto de
um sentimento educado e para o qual a mera observação externa não é suficiente”.
O ódio e o amor, tais pares de
opostos estão misturados, amalgamados em tudo que o ser humano faz, pensa e
sente. Por exemplo, onde há amor deve haver ódio, toda sexualidade necessita de
um grau de agressividade, em proporções variadas. Essas polaridades são os
cernes dos conflitos psíquicos. Em psicanálise, elas podem ser nomeadas pelos
conceitos de pulsão de vida (Eros)
e pulsão de morte (Tânatos).
A mitologia apresenta uma bela
metáfora para compreendermos a amálgama entre as pulsões. No mito grego, Eros
(cupido na mitologia romana) é o deus do amor e Tânatos, deus da morte. Eros, o
mais belo dos deuses, possui arco e flecha com os quais costuma enlaçar de amor
homens, mulheres e deuses. Segundo consta na mitologia, certo dia Eros
adormeceu numa caverna, embriagado por Hipno (deus do sono, irmão de Tânatos).
Ao sonhar e relaxar suas flechas se espalharam pela caverna, misturando-se às
flechas da morte. Ao acordar, Eros não sabia quantas flechas possuía.
Recolheu-as, e sem querer levou algumas que pertenciam a Tânatos. Sendo assim,
Eros passou a portar flechas de amor e morte (Tânatos). Dessa forma, apropriando
dessa bela história da mitologia, o amor
é da ordem do acaso. Não há uma estrutura lógica, o acaso está fora dela. E,
sem dúvida, o amor afeta corpo e alma, nos afeta inteiramente. Até mesmo Eros
foi vítima de seus ardilosos planos quando apaixonou-se perdidamente por
Psique. Keats faz alusão a essa história, em sua Ode a Psique:
Ó mais bela visão!
Ó derradeira imagem
Da estirpe
celestial, da olímpica linhagem!
Mais bela que
Diana livre de seu véu
E que Vésper
erguida entre os astros do céu!
Que, no Olimpo,
pudeste reluzir e ofuscar
Embora sem um
templo, embora sem altar!
O
epistemológo Edgar Morin reconhece o amor como o ápice mais perfeito da loucura
e da sabedoria, ou seja, que no amor, sabedoria e loucura não apenas são
inseparáveis, mas se interpenetram mutuamente. O amor faz parte da poesia da
vida. A poesia faz parte do amor da vida. Amor e poesia engendram-se mutuamente
e podem identificar-se um com o outro.
O
eros é irmão da poesia e os poetas escrevem sob a influência da paixão erótica
ao mesmo tempo que informam os homens sobre o eros. Acredito que nunca se pode
ter sexo sem imaginação, ao passo que se pode ter fome e comer sem qualquer
contribuição da imaginação.
Portanto,
se o amor expressa o ápice supremo da sabedoria e da loucura, é preciso assumir
o amor. “Se verdadeiramente amo alguém, escreveu Erich Fromm, “então amo a
todos, amo o mundo, amo a vida”.
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