Como foi
a criação e elaboração do livro?
O livro é
fruto de 13 anos dedicados ao entendimento da obra shakesperiana, em especial,
a peça Ricardo III. Foi objeto de pesquisa de iniciação científica, mestrado.
Senti que era o momento ideal para publicação deste trabalho. Por essa razão,
apoiado por alguns alunos de Relações Internacionais, Guilherme Backes, Junior
Bourscheid, Juliana Graffunder, Eduardo Wontroba e Taís Röpke, pudemos rever e
reavaliar meu mestrado. Com a revisão finalizada pelos alunos e por mim, decidi
publicar pela Azougue Editorial do Rio de Janeiro. E o livro está
magnífico!
Como iniciou o interesse em abordar o tema? Ou porque ele foi escolhido?
Partiu de uma situação inusitada que relato de modo breve... No ano de
1999, fiquei sabendo de uma palestra intitulada A guerra em Shakespeare que
seria (foi) proferida pelo professor Miguel Wady Chaia. Senti-me atraído pela
palestra. Ao final da mesma, tive certeza que este era o tema para ser a linha
condutora da minha carreira acadêmica. Lembro que duas semanas após o evento,
já tinha lido umas dez peças shakesperianas. Fiquei fascinado e apaixonado pelo
objeto de estudo. E me encantei com a peça Ricardo III. Iniciei já em 1999, uma
pesquisa de iniciação científica sob orientação do professor Chaia. Eu
identificava nas leituras prazerosas de Shakespeare, elementos que norteiam a
política: conquista, posse, queda do poder, urdiduras palacianas, virtù,
fortuna, intrigas, jogos de poder. Ou seja, a arte, como a filosofia e a
ciência, é um exercício de pensamento e criação capaz de gerar diferentes
formas de conhecimento. Ampliar as fronteiras do conhecimento produzido pela
arte e agregar novas possibilidades para a a área do saber foram metas e
resultados que eu esperava alcançar e alcancei.
Quais foram os desafios ao longo da pesquisa?
Creio que o maior desafio foi demonstrar a complexa relação entre as
áreas de saber e buscar borrar as fronteiras que compartimentam a
inteligibilidade do mundo. Investigar a obra shakesperiana com um olhar de
cientista político não é tarefa fácil. Investigar as relações de poder,
problematizar questões clássicas que envolvem a sociabilidade humana a partir
de um drama shakesperiano foi, de fato, um trabalho hercúleo. Mesmo assim, um
trabalho que me deixa satisfeito. A conclusão que chego é que
a literatura pode fornecer consistentes elementos para auxiliar na compreensão
da realidade política. Shakespeare nos transmite pistas para compreensão das
quebras de legitimidade do governante, visão cíclica da história, na
civilização sucedem-se governos legítimos e governos usurpadores e as
trajetórias previsíveis e maléficas dos usurpadores.
Qual é a expectativa de leitura para o seu publico?
Suponho que as pessoas gostarão do que vão ler. É uma linguagem
acessível, didática, enriquecedora, além de ser um livro marcado por uma série
de encontros cognitivos. O primeiro deles é o encontro entre arte e política, à
medida que busco elucidar questões das lutas pelo poder e delimitar
perspectivas para interpretar a política no seu significado polissêmico. Um
segundo encontro propiciado pelo livro é a reunião orgânica entre indivíduo e poder.
Ou seja, desdobra-se numa questão polêmica da política, que diz respeito à
relação entre ética e governança. E um terceiro encontro, vínculo indivíduo,
sociedade e guerra, gerando a orgânica reciprocidade entre política e
guerra.
Quais foram os objetos de estudo e porque estes foram escolhidos?
O (s) objeto (s) de estudo (s) da presente obra é a leitura política da
peça Ricardo III e o entendimento em torno do conceito de política como
tragédia, ou tragédia da política. Essa ideia elucida a trajetória de Ricardo
III e aponta tanto para as possibilidades da política quanto para as suas
dificuldades.
Parto do pressuposto que a política é um reino da
negatividade, onde os conflitos, as tensões estarão sempre presentes. É uma
condição inerente ao jogo político. A tragédia da política é a impossibilidade
de realização plena da arte do desejável. E considero por fim, outro aspecto
que me inquieta intelectualmente, primeiro, a capacidade humana de enfrentar as
forças do destino em situações extremas – diante do desafio de contestação;
segundo, o conflito entre o possível e o desejável; terceiro, o exercício
de julgamento – escolhas morais difíceis para os políticos – decisões que
envolvem objetivos e valores políticos conflitantes. Ou seja, o ponto
central de análise em relação ao estadista que deve destacar as seguintes
categorias: interesses, preocupações, intenções, ambições, cálculos e erros de
poder, desejos, crenças, esperanças, medos, dúvidas, incertezas.
Há muitos Ricardos III por aí?
A tragédia do rei
Ricardo III trata da permanente disputa do poder a qualquer preço e a falta de
escrúpulos para a conquista e manutenção dele. Nela, o protagonista é um
sujeito manco e corcunda, cuja aparência disforme, segundo o próprio, o impede
de usufruir dos prazeres da conquista amorosa, mas não alçar vôos mais altos.
No solilóquio inicial ele planeja como chegar ao poder mesmo sendo o sétimo na
linha sucessória. Para alcançar seu objetivo, se utiliza de expedientes vis:
conspira, manipula, explora, agrega apoios, promove alianças por conveniências
momentâneas, articula adesões e coalizões, persegue e condena à morte os
opositores. Movido pela sede de poder Ricardo III articula-se nas sombras, ao
longo dos atos e cenas, até alcançar o triunfo almejado: o trono inglês. Para
se livrar de quaisquer suspeitas de seu envolvimento nas tramas e urdiduras
palacianas ele faz uso de subterfúgios conhecidíssimos: esconde-se sob o manto
da religiosidade, sobriedade, humildade e outros artifícios de valores éticos e
morais.
Assim o escritor inglês nos ensina, entretém e diverte. Através da arte teatral fornece elementos constitutivos do homem contemporâneo e suas relações. Essas movidas, muitas vezes, por uma ética individual refletida no uso indiscriminado de inúmeras máscaras como no jogo teatral; múltiplos disfarces agindo conforme interesses ou determinadas circunstâncias. Temos, então, o religioso, o ateu, o humilde, o simples, o culto, o ignorante, o moralista, o liberal, o caipira, o urbano, o ético, o ideológico, o pragmático, o vilão, o herói, o solidário, o benemérito, o sensível, o delicado, o paz e amor, etc. Todos, devidamente, direcionados ao público alvo a ser atingido. É interessante que vemos muito do Ricardo III também em séries como Game of thrones - Tyrion Lannister (Peter Dinklage)
Assim o escritor inglês nos ensina, entretém e diverte. Através da arte teatral fornece elementos constitutivos do homem contemporâneo e suas relações. Essas movidas, muitas vezes, por uma ética individual refletida no uso indiscriminado de inúmeras máscaras como no jogo teatral; múltiplos disfarces agindo conforme interesses ou determinadas circunstâncias. Temos, então, o religioso, o ateu, o humilde, o simples, o culto, o ignorante, o moralista, o liberal, o caipira, o urbano, o ético, o ideológico, o pragmático, o vilão, o herói, o solidário, o benemérito, o sensível, o delicado, o paz e amor, etc. Todos, devidamente, direcionados ao público alvo a ser atingido. É interessante que vemos muito do Ricardo III também em séries como Game of thrones - Tyrion Lannister (Peter Dinklage)
e House of
Cards – Francis Underwood (Kevin Spacey) tratam sob uma ótica shakespeariana da
dimensão simbólica do poder