Leonardo Augusto Peres
A eterna primavera brasileira
A política externa brasileira tem um histórico de resolução pacífica de conflitos. Com exceção da Guerra da Tríplice Aliança (ou Guerra do Paraguai) e de uma participação, apesar de importante, diminuta na Segunda Guerra Mundial, durante a qual o país tomou vitoriosamente o Monte Castelo, não se tem, em geral, memórias do Brasil em frentes de batalha. Modernamente, o país é líder de uma missão no Haiti, mas essa é, justamente, uma missão de paz sob o mandato das Nações Unidas. Assim, a história brasileira mais lembrada não é bélica, mas sim diplomática, como, por exemplo, a atuação do Barão de Rio Branco.
Esse clima de paz é o contrário do que se observa, presentemente, internamente nos países árabes que passam pela chamada “Primavera Árabe”. Nesses países, a população civil viu-se em precárias situações econômico – devido, em parte, à crise mundial e geral do capitalismo, e em parte à elevação dos preços dos alimentos –; políticas – tendo em vista que esses países são monarquias ou ditaduras, e não democracias –; e sociais – levando em consideração a repressão sofrida pelas pessoas. Era a situação na Líbia, onde a população revoltou-se, mas a reação violenta do governo ditatorial de Kadafi gerou uma verdadeira guerra civil.
Em vista dessa situação, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, único órgão internacional com competência para tal, autorizou o uso da força contra o governo da Líbia para que este deixasse de massacrar a população civil (os rebeldes). O fato de que o bombardeio sobre cidades líbias levou, ao fim e ao cabo, à troca de regime de governo no país, é passível de uma análise própria. No que tange a posição brasileira, atual membro rotativo do Conselho de Segurança, o que passou foi que nosso país condenou a postura do governo Kadafi, porém se absteve de votar o uso de força contra seu governo.
A Síria foi outro país que testemunhou a Primavera Árabe, com características semelhantes à situação da Líbia. A presença de uma ditadura, a ausência de uma constituição efetiva, o desemprego e a corrupção no governo levaram a população civil a realizar uma série de protestos, que consistiram desde a autoimolação e guerras de fome até enormes manifestações. O objetivo era derrubar o ditador Bashar al-Assad, implementando uma troca de regime e reformas democráticas, além de obter mais direitos civis, reconhecendo as minorias e levantando o estado de sítio sírio. O governo da Síria reagiu expulsando a população da rua com tanques e franco-atiradores, confiscando alimentos e cortando o acesso do povo à água e à energia.
A reação brasileira ao caso sírio foi diferente daquela seguida quanto à Líbia, apesar da situação ser tão semelhante e parte de uma mesma conjuntura ampla, a Primavera Árabe. O Brasil não repreendeu Bashar al-Assad. Apenas deu suporte a uma declaração da Organização das Nações Unidas criticando o ditador, porém somente com certa demora, após o massacre da população ficar evidente. Ademais, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil fez parte de uma missão, juntamente com Índia e África do Sul, que foi dialogar com al-Assad, enquanto as tropas do ditador assassinavam civis. Após esse diálogo, o Brasil assinou uma declaração pedindo o fim da violência por parte de todos os envolvidos no conflito sírio, de ambos os lados, conforme relata a Folha de São Paulo.
O editorial desse mesmo jornal busca classificar essas diferentes respostas da política externa brasileira como certa, no caso da Líbia, e errada, no caso da Síria. Porém, desde Maquiavel tem-se claro que não há uma moralidade específica do ato político. Assim, a única classificação que se pode fazer dessas ações brasileiras é se elas são ou não condizentes com a política externa do país, historicamente. Relembrando o que foi exposto no primeiro parágrafo, de que essa política externa tem tendência pacífica, afirma-se que ambas as ações são coerentes. No caso da Líbia, o Brasil absteve-se de apoiar uma resolução que se utilizaria da força para tentar sanar o problema daquele país. No caso da Síria, a chancelaria brasileira optou por ouvir o lado acusado do conflito, prover uma oportunidade de defesa, em especial sendo al-Assad, pelo menos juridicamente, ainda autoridade naquele país. Nos dois casos, portanto, o Brasil seguiu sua política externa diplomática e pacífica.
Tendo em vista essa vocação pacifista e democrática da política externa brasileira, não surpreende a importância que é dada aos direitos humanos nas relações internacionais do Brasil. Isto está posto, inclusive, no artigo 4° da Constituição Federal, que lista a “prevalência dos direitos humanos” como um dos eixos norteadores das relações exteriores de nosso país. Roberto Abdenur diferencia esse princípio dos outros listados no mesmo artigo da Carta Constitucional, como o da “autodeterminação dos povos” ou o da “não intervenção”, como sendo um “imperativo de ordem moral” contra as “normas de comportamento” que ele considera serem estes outros princípios. Porém, como já se disse, não há moralidade na política, conforme apontou Maquiavel. Desta maneira, a importância dada aos direitos humanos não ocorreria por serem considerados imperativos morais, mas sim por serem uma série de princípios imprescindíveis à convivência pacífica entre as nações – e dentro delas, como a Primavera Árabe prova.
Mantendo essa postura pacifista – mas também cada vez mais participando de ações militares como a que lidera no Haiti – o Brasil busca um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU assim que a organização for reformada. Desta forma, assim como é dito que o Brasil é eternamente o país do futuro, eternamente também vive sua própria primavera, despertando para os diferentes assuntos internacionais sempre que estes tomam importância no contexto mundial, sempre prometendo ser uma nova potência no cenário global. A ONU, porém, não dá pistas de que tão cedo irá ser reformada, e o sonho de um assento permanente também se torna eternamente utópico. Com organizações tais como a OMC, o Banco Mundial e as regionais, como a OEA, o MERCOSUL ou a UNASUL possuindo cada vez mais importância relativa comparativamente à ONU, pode-se questionar, pois, se estratégias alternativas de inserção internacional do Brasil não seriam mais proveitosas do que esperar esse tão sonhado assento permanente.