Tempos difíceis, tempo de
tragédia, tempo de grandes mudanças, quando se entrelaçam destinos pessoais e
históricos em registro extremo. É o retrato de tempos assim que é a matéria
deste livro. Estão em jogo a tensão e a ruptura dramática entre orientações
políticas básicas na passagem da era medieval para a moderna. E quando se fala
aqui em dramático é também no sentido literal que se pensa: a tragédia como
composição literária destinada à encenação. Isso, na sua expressão mais alta, a
de Shakespeare, e numa peça na qual todas as reconfigurações impostas pela
mudança de época se condensam, a tragédia de Ricardo II. Também não casual que
se fale no livro das “forças imponderáveis do acaso” quando a referência é a
uma época em que ruíam as defesas contra a dimensão da contingência nos
assuntos humanos. Desde Aristóteles esta era reconhecida como intrínseca à
política, mas, no momento da consolidação do poder monárquico no mundo cristão
a ela se opôs a concepção da unção divina, imune às contingências terrenas,
como fundamento do direito monárquico. Unção que se exprimia na ideia de que ao
corpo profano do rei se junta seu corpo sagrado (a doutrina dos “dois corpos do
rei”, à qual o autor deste livro recorre nas suas análises). É o período no
qual vem a emergir aquilo que Maquiavel colocou no centro da concepção do
exercício do poder político que marcaria a modernidade: a ação do homem de
valor, de virtú, para dar conta da contingência e, no tempo devido, dobrar a
seu favor a inconstância do acaso, da fortuna. Como se vê neste livro, ao
tratar de Ricardo II Shakespeare mobiliza os grandes temas que dão unidade à
sua dramaturgia política, centrada na figura trágica do homem que está no
centro da ação e tem sua capacidade de fazer frente aos entrechoques de
ambições e paixões continuamente posta à prova. Como sugere o autor, e busca
demonstrar pela contextualização histórica da figura de Shakespeare, a
qualidade primeira que ele vê no monarca consiste em ser capaz de manter sob
controle as ambições e hostilidades daqueles que o cercam. Ser capaz de
centralizar e concentrar na sua pessoa o poder, não mais por injunção divina e
sim (e aqui cabe Maquiavel) por virtú.
Unificar o mando, consolidar a nação; realizar, portanto, a grande tarefa
histórica do momento, a da construção do Estado nacional. É esse tema, nas suas
diversas dimensões e na transfiguração que lhe confere a grande obra de arte,
que se encontrará reconstruída neste livro.
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