SILVA, Guilherme A; Gonçalves, Williams. Dicionário de Relações Internacionais. 2 ed. Barueri: Manole, 2010.
Teoria crítica
A teoria crítica forma, junto com o pós modernismo e o construtivismo, abordagens conceituais definidas como componentes da teoria do conhecimento ou reflexivismo. Como característica comum, essas abordagens conceituais questionam os princípios e métodos positivistas adotados pelas correntes mais difundidas no estudo das relações internacionais, como o realismo e idealismo. Defendem o argumento de que há objetivos, tão somente definições e teorias que, por sua vez, criam a percepção de que fatos existem. Assim, a análise da linguagem e do discurso é essencial para compreender o processo de transformação daquilo que é apenas interpretação em realidade.
A teoria crítica se diferencia, no entanto, por estar fundamentada nos princípios da sociologia crítica, particularmente nos trabalhos da Escola de Frankfurt e de seu maior expoente, Jürgen Habermas. Segundo Habermas, há três tipos de interesse constitutivo do saber (knoledge-constitutive interests): o técnico, o prático e o emancipatório. O primeiro se refere às necessidades materiais e à busca do controle da natureza. O segundo se refere à busca da mútua compreensão entre indivíduos e grupos humanos por intermédio da linguagem, de símbolos, normas e ações. O terceiro, o emancipatório, diz respeito à capacidade humana de refletir, o que nos permite identificar as formas de poder que inibem a realização dos potenciais humanos. A teoria crítica reflete esses interesses cognitivos emancipatórios.
Os adeptos da teoria crítica acreditam que a relações internacionais formam mais do que um mero sistema. É importante reconhecer a existência de uma sociedade internacional. Como tal, essa sociedade é percebida por meio de construções lingüísticas e conceituais específicas. Produtos sociais e históricos, essas construções são apresentadas como fatos e privilegiam determinados grupos, ou as elites, em detrimento dos demais, garantindo-lhes ainda a permanência no poder. Segundo Robert Cox, há uma conexão estreita entre conhecimento e interesses. Toda teoria serve a alguém e a alguma coisa (COX, 1981).
Assim, os adeptos da teoria crítica objetivam descortinar as origens desse “conhecimento” construído no âmbito das relações internacionais e, baseados numa agenda explicitamente normativa, buscam a emancipação política e social daqueles grupos oprimidos ou marginalizados.
O processo de emancipação se inicia com a denúncia dos discursos estatocêntricos das relações internacionais e de sua lógica bipolar anarquia-cooperação como um dado definitivo. O argumento é que esses discursos, solidificados com o sistema de Estados de Vestfália, refletem o projeto iluminista, a crença de que a liberação ou o avanço da humanidade se dão por intermédio da razão e da aplicação judiciosa do conhecimento científico, objetivo.
No entanto, para os teóricos críticos, essa é uma visão inerentemente conservadora, que privilegia a manutenção do status quo. A teoria tradicional é orientada pela solução de problemas (problem-solving). Isso implica a aceitação do mundo, das ordens sociais prevalecentes e das relações de poder tal como são. Como resultado, as ações se dão apenas a partir desse ponto. Não há no projeto iluminista o questionamento das fundações das ordens nem das relações sociais.
Em seguida, o que se pretende é trazer à tona descrições outras do mundo até então “silenciadas”. A desconstrução da teoria ortodoxa permitiria o vislumbramento de novas possibilidades sociais e transformações políticas.
Ao que parece, a última fase desse processo emancipatório seria a habilidade dos indivíduos em suplantar os processos de opressão através da inquisição do conhecimento. Essa é uma visão fundamentalmente kantiana de que a educação, ou a aquisição de uma nova lógica, é o caminho maior para a transformação das desigualdades entre os indivíduos. Nesse particular, a teoria crítica, tal como o pós-modernismo, apresenta os problemas sem no entanto produzir resultados satisfatórios que gerem soluções ou transformações efetivas, seja para a prática da disciplina, seja para a condução dos assuntos internacionais de qualquer ordem.
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