O horror, o horror
Incompreensível, inexplicável, abominável, execrável, odioso, nefando, aterrorizante, paralisante, inominável, ignominioso.
Nem mesmo recorrendo ao dicionário, nem conseguindo reunir uma dezena de palavras ou mais, tampouco os argumentos todos que se arregimentarem aqui serão suficientes para, remotamente, descrever a indignação, a dor na alma, o pasmo causado pelo massacre do Rio de Janeiro.
Crianças, meus filhos, seus filhos, brasileirinhos, como disse nossa inconformada presidente, ceifados assim, sem mais, na sua inocência e na sua impotência.
Tanta atrocidade em nome de Deus?
Qual deus, perguntou na Folha o colunista Rui Castro?
Será que é o mesmo deus que o homem, desde seus primórdios, usa para justificar sua maldade, uma maldade que, anos, décadas, séculos de iluminismos depois, permanece arraigada firmemente à alma humana?
É o indelével carimbo da maldade no DNA humano.
A maldade da qual o homem não se livra jamais.
A maldade dos que até tempos atrás empalavam seus inimigos.
A maldade dos que ainda hoje apedrejam suas mulheres até a morte.
A maldade dos que pregavam na cruz seus detratores --é só entrar em qualquer igreja católica que lá veremos o tradicional instrumento de tortura.
A maldade dos que traziam das batalhas os escalpos de suas vítimas.
A maldade dos que fechavam a porta e abriam o gás.
A maldade dos que extirpam clitóris em nome de uma moral selvagem.
Sim, é ela, a mesma maldade de quem abre fogo contra crianças.
Exatamente a mesma, a maldade humana em sua mais pura manifestação, límpida, transparente.
Em seu raro e derradeiro momento de lucidez, o personagem Kurtz de "No Coração das Trevas" (romance seminal do inglês Joseph Conrad, que inspirou o filme "Apocalipse Now", de F.F. Coppola) define em uma frase a iniquidade de sua condição, envolto em medo, escuridão e canibais fanáticos, ao mesmo tempo em que com desenha com maestria o contexto de seus mais baixos instintos, que são os mesmos de todos nós.
"O horror, o horror."
Sim, ele está falando do homem, do Homem e de tudo o que ele é capaz.
Loucura, fanatismo, surto, trauma: podem culpar quem e o que quer que seja, muçulmanos, cristãos, pirados e pedófilos, que não adianta, nada explica: a única razão para tirar da vida as 12 crianças de Realengo foi a maldade.
A maldade cuja marca está na alma de todos nós e que de tempos em tempos diz a que veio.
Vai, mas volta...
Luiz Caversan, 55 anos, é jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos Cotidiano, Ilustrada e Dinheiro, entre outros. Escreve aos sábados para a Folha.com.
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