TEXTO 2: Aspectos da Teoria das Relações Internacionais: notas didáticas
Gelson Fonseca Jr.
1) Introdução ( a relevância das Tri: o objetivo do artigo)
2) O campo das TRI: uma primeira abordagem – a relação com o campo das Ciências Sociais
3) Variáveis normativas:
a) Mutabilidade/Imutabilidade
b) Otimismo/Pessimismo
c) Competitividade/Comunidade
d) Elitismo/Democracia
e) Ordem/Desordem
4) O uso da teoria: as RI e a perspectiva brasileira
5) Temas de análise em TRI
6) Conclusão
Aspectos das TRI: notas didáticas
Observações sobre algumas características das TRI
- Vastíssima literatura sobre temas teóricos das RI.
- Impulso notável no segundo pós-guerra e a procura de refletir a multiplicidade e variedade de questões internacionais no mundo contemporâneo.
- As TRI busca formular tantas conceituações claras sobre conflitos entre Estados – quando ocorrem, que motivações os determinam, como se desenvolvem etc – quanto sobre a influência de organismos não-governamentais, na definição da agenda internacional – qual é o peso das ONGs em matéria de Direitos Humanos ou da Comunidade científica no levantamento de questões ecológicas.
- Objetivo do artigo: mapeamento sintético e preliminar de alguns problemas ligados à formulação teórica no campo das Relações Internacionais. O texto não busca ir além de um roteiro que indique sugestões para estudos mais profundos. Parte de uma premissa simples, a de que estudos teóricos aspiram à validade universal, e busca igualmente examinar como podem servir para que aperfeiçoemos a própria capacidade de compreensão da política externa brasileira.
O Campo das RI: uma primeira abordagem
- Os vários caminhos para se estudar as TRI:
1) Organizar a partir da produção acadêmica, os problemas que definem o campo de estudo, consultando os livros-texto, os clássicos da disciplina, as revistas especializadas e etc.
2) Leitor interessado: noção intuitiva do que é internacional (problemas cotidianos indicam as indagações que faríamos aos elaboradores de teoria).
3) Generalizações: não nos dá respostas conclusivas e precisas sobre o curso de uma questão concreta. Talvez nos ajude a criar condições para que expliquemos melhor o seu alcance e mesmo sugerindo rumos sobre como evoluirá (o papel das TRI).
4) Não será capaz de dizer como se resolverá o conflito na Ex-Iugoslávia, mas tem muito a explicar sobre o peso dos fatores étnicos na origem de conflitos, sobre os modos através dos quais a comunidade opera em situações de crise, sobre a dinâmica regional européia, sobre lideranças que usam o nacionalismo agressivo como instrumento para consolidar o poder nacional e tantos outros temas correlatos.
Primeira preocupação do estudioso:
- limites
- Problemas do que trata
- preocupação fundamental do problema da guerra e da paz, questões intrinsecamente ligadas ao uso do poder (Estado: conflito/cooperação);
- segundo fenômeno: empresas transnacionais;
- o campo se expande em certas circunstâncias, personalidades (como de Gaulle) ou organizações burocráticas (como a complexa burocracia americana).
- Existe uma teoria abrangente que fosse capaz de identificar em cada instância da vida política, econômica e social dos Estados, o componente internacional e definir as regras que regulam as suas dinâmicas? (ciências naturais e na economia: a lei da oferta e da procura);
- Buscar a lei fundamental deveria ser o passo inicial do trabalho teórico em RI.
- Para Hans Morgenthau: o comportamento dos Estados no processo internacional é regulado pelo interesse definido em termos de poder.
Problemática das teorias:
- Diversidade dos fenômenos internacionais que inclusive tem conduzido a um questionamento sobre a própria consistência dos paradigmas que sustentam a TRI.
- Disposição teórica de estabelecer hipóteses básicas, que simplifiquem a diversidade. Organizam-na, dando-lhe sentido, abrindo a possibilidade de previsões sobre o processo internacional.
Três temas merecem referência:
a) Saber se a TRI tem hipóteses próprias, ou apenas as deriva de outras ciências sociais. (dimensão política: teoria do poder; dimensão econômica: leis econômicas).
b) Alcance das teorias: natureza do sistema internacional e outras tem alcance mais limitado, discutindo aspectos científicos, como, por exemplo, o processo de decisão, os mecanismos de integração, o peso dos setores sociais em política externa e etc. (Neste estudo visões gerais que procuram entender as bases de funcionamento do sistema internacional como tal).
c) Problema metodológico, em grande voga nos anos 60. A controvérsia era entre clássicos e comportamentalistas.
Clássicos: compõem-se metodologicamente como uma sequência de suas origens clássicas e sua base analítica seria uma combinação de direito, filosofia e especialmente ética, ciência política clássica e História.
Positivistas ou comportamentalistas (norte-americanos): a TRI só avançaria como “ciência”, se incorporasse métodos que a aproximassem das ciências exatas. A estatística e a matemática seriam instrumentos necessários para a conversão da TRI em ciência.
Emprego da palavra “teoria”: um tanto livre (Teoria em Ciências Sociais, debate infindável). Duas características sublinhadas:
a) Observação sobre a realidade que possa servir a compreensão de mais de um fenômeno similar.
b) O processo de transposição será sempre limitado pelas circunstâncias históricas ou conjunturais de cada situação, as “leis” nunca terão o sentido de perfeição repetitiva que tem as leis físicas.
Relações internacionais (como parte das Ciências Sociais): preocupação teórica com movimentos históricos:
a) coladas aos grandes acontecimentos ganham status de disciplina acadêmica no imediato pós I Guerra Mundial, quando, aí sim, a disciplina começa a ter desenvolvimentos internos.
b) A origem dos temas que constituem o núcleo das preocupações da TRI segue uma trajetória histórica.
b.1. variação de poder para a eclosão de conflitos armados.
b.2. sistema internacional composto de Estados que se organizam de forma anárquica, de permanente conflito pela defesa e afirmação de soberania, em cada qual se sustenta pelo poder de que dispõe (self-help).
c) Balança de poder (o poder é um mecanismo que contém o poder).
- Os textos sobre RI se confundem com obras de reflexão jurídica, histórica ou filosófica:
a) vigor de hipóteses autônomas, como as de Adam Smith para a economia;
b) Maquiavel e Hobbes para o campo da ciência política;
c) Rousseau e Kant talvez sejam os que se aproximem de uma teoria do internacional.
- A violência da I Guerra Mundial abre uma temporada de reflexão sobre procedimentos, especialmente multilaterais, que garantam a paz.
- Já ao tempo da Guerra Fria, veremos que o equilíbrio de terror, determinado pela corrida armamentista nuclear entre os EUA e URSS, leva os refinamentos da chamada teoria da dissuassão.
- Em outro plano, a expansão transnacional dos processos de comunicação e produção gera o debate teórico sobre a interdependência.
- No caso da AL, é a situação de dependência que induz à reflexão teórica, não diretamente sobre o comportamento dos Estados no sistema internacional (política externa) e sim sobre os efeitos do sistema capitalista sobre as próprias possibilidades e formas de desenvolvimento dos países da região.
- Já os estudos geopolíticos – que freqüentam o pensamento latino-americano sobre relações internacionais – corresponderiam mais à adaptação de idéias americanas e européias à nossa realidade, sem pretender criação teórica. É claro que são muitos os outros temas e métodos que servem à análise da diplomacia latino-americana mas, em regra, prevaleceria o sentido de “adaptação”.
- A Teoria das Relações Internacionais (as bases são ocidentais e correspondem naturalmente ao processo de reflexão, nascido da interação dos estados (aliás, outra criação ocidental.
- Nasce naqueles países em que a possibilidade de influenciar os negócios do mundo é mais evidente.
- O tema da construção da Paz – e que sustentaria uma teoria própria, com autonomia em relação às diversas disciplinas que englobavam as noções originais da reflexão sobre o internacional (História – Tucídides) (Filosofia política – Maquiavel e Hobbes) (Direito – Grotius) (Estratégia – Clausewitz).
- Um exemplo de fixação do interesse teórico, sempre citado, é o da voga realista – o realismo é uma didática sobre o uso do poder – nos Estados Unidos, na década de 50, quando justamente se universaliza a participação americana no sistema internacional, participação que supõe alguma “sabedoria” no manejo do poder militar.
- Juventude de RI: textos clássicos são tomados de empréstimo, as hipóteses com que trabalha a TRI são muito coladas ao ideológico, mais do que em outros ramos das Ciências Sociais.
- O tema da objetividade é especialmente complexo em TRI: quem lê a teoria, deve ter o cuidado de separar o que é generalizável e serve a que se iniciem efetivas análises, daquilo que teve a que tem a aparência de teoria, mas não passa simplesmente de disfarce para interesses corretos e específicos.
Alguns valores que orientem as soluções teóricas
- É difícil conceber uma teoria pura das RI, algo que ficasse acima de visões do mundo, de perspectivas ideológicas.
- Fergunson e Mansbach (observações) que o autor se vale para começar pelos valores- ou variáveis normativas, para ficarmos com o jargão – que estariam por trás das construções teóricas. Quatro dicotomias:
1) Mutabilidade/Imutabilidade (p.79 – natureza humana)
Guerra – diplomata – soldado
As RI se desenrolam a sombra da guerra.
- Maquiavel e Hobbes ou mesmo de Freud; o caráter ambicioso do homem é imutável, contam suas criações (entre os quais o Estado): O fenômeno da guerra seria permanente.
- A história é cíclica, o homem e as instituições que cria não se aperfeiçoam.
- Os ganhos científicos e técnicos não corresponderiam a aperfeiçoamentos éticos e institucionais.
- Essa é a escola realista: Escola que tem hegemonia no campo das TRI.
- Do outro lado, haverá os que acreditam em que as coisas humanas podem ser transformadas por atos voluntários.
- Altera-e radicalmente a concepção da história, que deixa de ser cíclica e passa a ter sentido de progresso.
- O homem se renova (só de pensá-la seria um sinal alcançável)
- E o problema teórico passa a ser de conhecer os processos de contenção da agressividade humana e mesmo de superar a inevitabilidade da guerra. (P.80)
- Duas: a natureza do Estado e que se sustenta e que se sustenta na ideia de que a expansão das democratas nacionais levará à paz permnente entre os Estados (as democracias não guerreiam entre si ou na variante marxista, os Estados socialistas vivem paz.
- A natureza do SI que apesar de anárquico e constituído por soberanos, pode ser transformado, à medida mesmo que se intensificaram laços de interdependência entre os Estados. (P. 80)
- A democracia e o comércio, sendo realizações humanas, afetariam positivamente o curso da história (p. 80).
OTIMISMO/PESSIMISMO (p. 80)
- A preocupação é mais especificamente conjuntural, com a “direção de mudança”, vão importando-se e alcançada voluntariamente ou não. De qualquer maneira, as equações mutabilidade-otimismo e imutabilidade-pessimismo. Ocorrem naturalmente.
- Bentham: Ele exalta os valores igualitários, que nasceriam da difusão da educação pública, do acesso generalizado à informação e por fim, das democracias políticas.
- Haveria uma simultaneidade de mudanças – no plano do individuo com a educação e no plano social com a democracia correspondentes à modernização, com a conseqüente criação de uma atmosfera otimista. E assim à medida que universalizem as conquistas, estariam garantidos os pressupostos, sociais, políticos, de uma paz permanente.
- Os nossos autores (Ferguson e Mansbach) analisam que mesmo para os realistas os que consideram a natureza humana imutável, haveria dimensões possíveis de controle, maiores ou menores, a matizar as razões do pessimismo.
- Na visão de Morgenthau, a diplomacia seria uma instituição que nacionalmente utilizada, com prudência, poderia servir a processos de compatibilização de interesses egoístas e contraditórios.
- Um outro exemplo, no plano das instituições, seria o Conselho de Segurança das Nações Unidas nascido como instrumentos para consagrar as articulações de poder e simultaneamente como caminho privilegiado para a contenção dos conflitos.
- O contraste entre os otimistas e pessimistas reaparece. O otimismo benthamiano se repete com o pós guerra fria.
- Fica fácil de visualizar a expansão da democracia, a liberdade comercial, o reforço de valores universais, como os direitos humanos, o novo papel dos organismos internacionais que dariam sentido coletivo à segurança internacional. (Fukuyama – Fim da História e o último homem – previa-se a paz e a riqueza para todos. Os caminhos eram sabidos, o problema era somente o de trilhá-los. (p. 81)
- Mas com a explosão dos conflitos étnicos na Europa, a irredutibilidade de algumas crises regionais, as manifestações de racismo, a dificuldades de levar a bom termo a Rodada Uruguai (Doha) , a perspectiva se altera e o pessimismo volta a imperar. O texto que marca o período é o “Clash of civilizations” de Huntington. O conflito das sociedades nacionais volta necessariamente mas o que varia é o código do conflito. Depois das ideologias será o tempo do conflito entre civilizações, talvez muito mais difícil de reduzir e atenuar que o da Guerra Fria.
Competividade/Comunidade
- Dinâmica dos movimentos internacionais, especialmente entre Estados. A realização de interesses é alcançada necessariamente às expensas dos outros ou ao contrário é possível pensar em processos cooperativos? Na 1° linha, a premissa do teórico é de recursos escassos e a luta para obtê-los: o jogo internacional é zero sum (A segurança do Estado A aumenta à medida que diminui a de B).
- Na segunda, a possibilidade de que se manifeste alguma ‘harmonia de interesses” na relação dos Estados que possa induzir mecanismos de cooperação, prevalece.
- Neste jogo, se as escolhas forem “certas”, todos têm a possibilidade de ganhar simultaneamente (O Estado “A” é mais seguro se houver uma instituição de ampla participação, nascida da visão comum, em que a cooperação é a chave de segurança de todos).
- Por um lado, o realismo e a dinâmica da competição – que nasce da condição soberana e do self help – subordinada todo o complexo tecido de R.I à luta pelo poder.
- Em contraste, os “racionalistas ou idealistas” admitem que os objetivos nacionais e coletivos podem ser idênticos e, mais, acreditam que em choques de interesses, o “bem global” deve prevalecer.
Elitismo e democracia (p. 83)
- Essa dicotomia tem, por sua vez, duas dimensões:
a) Ao próprio modo de ordenar o sistema internacional;
b) Como se formular a política externa dos países;
- No primeiro, existe a tendência a identificar “poder” e “responsabilidade”. O elitismo fica por conta da atribuição as potências de organizar o S.I (p. 83).
- A noção elitista não é nova e terá várias ramificações, que começam na defesa da diplomacia secreta nos arranjos institucionais exclusivistas, na ideia de que uma elite internacional, que compartilha valores, tem condições privilegiadas de organizar os planos de paz. Exemplo disso seria o Concerto europeu do século XIX. Distribuição de poder entre os Estados.
- No plano interno, o elitismo acredita que pela gravidade das implicações dos temas internacionais e pelo fato de que o Estado deve ter objetivos permanentes, condicionados pela sua circunstância geográfica e histórica, a opinião pública deve ser minimizada (movida por paixões e emoções/manipulações) (p. 84)
- Kennan defende a isenção com que as Chancelarias devem definir as suas posições, obedecendo exclusivamente à regra do que é melhor para o Estado na lógica do internacional, desconsiderando conseqüentemente as influências de política nacional.
- As observações dos “democratas”, na fase contemporânea das RI, quem faz uma das primeiras críticas ao elitismo é Wilson, ao final da I Guerra Mundial, um tanto porque via, nas causas da Guerra, os vícios da “ética elitista” – diplomacia fechada secretas, tratados e alianças secretas.
- Os países que não tem poder, tem sentido de justiça e legitimidade e por isso direito a participar nos negócios do mundo.
- No plano interno, a defesa da participação popular ampliada, de cunho democrático nos negócios internacionais eliminaria um vício central do comportamento dos Estados, que é a tendência a usar instrumentos militares para fazer valer seus interesses.
- Na visão Kantiana, é o povo que sofre com “a Guerra” – não o soberano – assim, no momento em que aquele puder influenciar nas decisões políticas, o comportamento dos Estados se alterará.
Ordem e desordem
O autor insere uma última dicotomia às de Ferguson e Mansbach:
- O tratamento de OUTLAW em TRI desenha claramente o problema da ordem.
O uso da teoria: as RI e a perspectiva brasileira
- De que maneira construções voltadas para a compreensão do mundo ocidental desenvolvido servem para o exame das posições diplomáticas no Brasil?
a) O que é relevante para a compreensão de questões brasileiras;
b) Indagar de que maneira a sua aplicação à nossa realidade aperfeiçoaria nossa sensibilidade para problemas específicos.
- O recurso ao instrumento “ético ou jurídico” e sua efetividade.
- Com a defesa da igualdade dos Estados em Haia (Ruy Barbosa);
- Processo negociado de definição de Fronteiras, realizado pelo Barão do Rio Branco.
- As posições que assumimos nas propostas de reforma do sistema econômico internacional nas décadas de 60 e 70.
- Hoje o Brasil discutindo na ONU sobre a necessidade que se estabeleçam regras equilibradas – que superem o arbítrio daqueles que a detêm – para a transferência de tecnologia sensível.
- Em que casos as posições brasileiras foram efetivas?
- Que condições, internas e externas, permitiram o sucesso ou fracasso das posições?
- Em que medida são condições de poder que permitem que a defesa de posições jurídicas ganhe força?
Nenhum comentário:
Postar um comentário