CONCLUSÃO: A TRAGÉDIA DA POLÍTICA EM SHAKESPEARE
A fonte principal da Tragédia Renascentista foi precisamente à ênfase na queda de homens famosos e sob o ponto de vista da verità effettuale - a verdade efetiva das coisas. Ou seja - o realismo político - ver e examinar a realidade tal como ela é e não como gostaria que ela fosse. É a tradição exemplar e na ênfase reiterada sobre os assuntos relativos à ascensão e queda dos Reis, sob a perspectiva moderna, da filosofia do pensador florentino Nicolau Maquiavel aliado ao olhar da arte-política dramatúrgica de Shakespeare.
A este respeito, Chaia (2007, p.76) afirma:
a genialidade destes autores – Maquiavel e Shakespeare – está na capacidade de saltar do individual para o institucional – e vice e versa – considerando que as paixões e as irracionalidades, assim como a fortuna e o destino, impregnam a ação política, e que o ritmo do avanço político e suas razões exigem o consumo da alma e do corpo.
Há um novo interesse emergente em relação ao verdadeiro operar da tragédia moderna: esse interesse se revela, superficialmente, nos efeitos que ela pode causar sobre um tirano, como Ricardo III.
A definição de tragédia como dependente da história de um homem de posição é justamente uma tal alienação: algumas mortes importavam mais do que outras, e a posição social era a verdadeira linha divisória – a morte de um escravo ou servidor não era mais do que incidental e certamente não era trágica. Ironicamente, a nossa própria cultura burguesa começou por, aparentemente, rejeitar essa visão: a tragédia de um cidadão poderia ser tão real quanto a tragédia de um príncipe. Freqüentemente, na verdade, essa era menos uma rejeição da verdadeira estrutura de sentimento, e mais uma extensão da categoria trágica a uma nova classe ascendente. E, no entanto, a sua conseqüência final foi profunda. Assim como em outras revoluções burguesas – quando se estenderam as categorias de leis ou eleição – os argumentos para essa expansão limitada tornaram-se inevitavelmente argumentos para uma ampliação geral. A extensão do príncipe ao cidadão tornou-se na prática uma extensão a todos os seres humanos. No entanto, a natureza dessa ampliação determinou em larga escala o seu conteúdo até que se atingiu o ponto em que a experiência trágica foi teoricamente concedida a todos os homens, mas a sua natureza foi drasticamente limitada (WILLIAMS, 2002, p. 74).
Shakespeare expressou de forma inigualável sua visão da capacidade humana de enfrentar as forças do destino em situações extremas. O impasse é parte constitutiva da tragédia. Superar a adversidade é um ponto principal da ação trágica. O traço característico da ação trágica é a dificuldade da superação do obstáculo. Ora impossibilitada por outros homens, ora pelas forças da Fortuna que contrapõem a virtù do sujeito político. Realmente, a busca da ordem e da estabilidade tem um imperativo: “deve ser construída pelos homens para se evitar o caos e a barbárie, e, uma vez alcançada, ela não será definitiva, pois há sempre, em germe, o seu trabalho negativo, isto é, a ameaça de que seja desfeita” (RADEK apud WERNECK, 2006, p. 18).
Na peça Ricardo III, Shakespeare se preocupa fundamentalmente na criação de um quadro sóciopolítico de acordo com a trajetória do protagonista: inicialmente como o Duque de Gloster e posteriormente, o rei Ricardo III. Numa ascensão meteórica, o herói-trágico disputa dramaticamente o poder. Sendo o sétimo na linha sucessória, o duque de Gloster arma ciladas, conspirações, trama assassinatos e chega ao trono manchado de sangue. O dilema da consciência entre a “sede de poder” e a responsabilidade cívica – obediência ao governante – durante o sono de Ricardo III é despertada antes da batalha de Bosworth Field.
De fato, não há dúvida de que Ricardo quer o poder. E tudo que estiver ao seu caminho, será um alvo a ser eliminado. Ricardo pensa como fará para conseguir o poder e age conforme o seu planejamento inicial. Dotado de inteligência, sagacidade, perspicácia, e muito planejamento, utiliza das máscaras da dissimulação para agregar aliados e encobrir a malignidade de seus atos diante de seus inimigos. Seu objetivo político é a ascensão e a permanência no poder. Tem a percepção de como chegar lá, porém, não consegue se manter lá.
De fato, é nesse ponto-limite em que notamos a tragédia política de Ricardo III. Ou seja, ela se estabelece na não realização de sua “sede de poder”: a manutenção do trono inglês. Esta prática exige a virtù, o domínio sobre a Fortuna. “O governante não é, pois, simplesmente o mais forte – já que este tem condições de conquistar mas não de se manter no poder” (RADEK apud WERNECK, 2006, p. 22).
A mais comum interpretação da tragédia a vê como uma ação na qual o herói é destruído. Esse fato é tido como irreparável. Num certo sentido, isso é tão evidentemente verdadeiro que a tal fórmula é dedicado muito pouco exame adicional. Mas essa é, obviamente, ainda uma interpretação, e uma interpretação parcial. Se a atenção se concentra apenas sobre o herói, é natural que esse modo de ver seja a sua conseqüência imediata (WILLIAMS, 2002, p. 79).
Na consabida versão shakesperiana da existência como um breve bruxulear de vela, uma agitação desenfreada, ruídos e caótica de ator no palco que depois não se ouve mais, o personagem se articula de modo desenfreado (hybris) – desmesura, desequilíbrio, todo exagero no orgulho, na insolência e arrebatamento - na busca de seus interesses e objetivos. Atingi-los é sua meta e ter a Coroa inglesa em sua cabeça é o seu projeto político independentemente de quem sofra ou pereça diante de sua conquista: homens, mulheres e crianças.
Como um reaper – ceifador de vidas – devora mentes, pessoas, valores e agiganta-se como um monstro titânico na obtenção de sua meta política. Escravo de sua sede de poder, o ato político é desvinculado de toda moralidade cristã. Seguindo os passos ou “ensinando truques para Maquiavel”, Ricardo III é consciente de que a conquista do poder pela força e astúcia é limitada a poucas pessoas. Incluí-se, desse modo, nesse hall de homens e mulheres descomprometidos com a moral e a religião. É nesse sentido que a ação política tem suas próprias regras, lógicas próprias e sua própria ética. Como afirma Maquiavel, a política é a arte de conquistar, manter e exercer o poder. Ser bem sucedido na ação política é a meta do príncipe. A tragédia da política, assim sendo, é evitar a todo custo a perda do poder.
Nem todas as obras a que chamamos tragédias terminam de fato com a destruição do herói. Excetuando-se a forma medieval não desenvolvida, a maioria dos exemplos que poderíamos oferecer vem, significativamente, da tragédia moderna. O herói é sem dúvida destruído em quase todas as tragédias, mas esse não é, normalmente, o fim da ação. Uma nova distribuição de forças, físicas ou espirituais, comumente sucede à morte (WILLIAMS, 2002, p.80).
Tendo em vista essas ideias confrontadas, é importante salientar que a condição humana moderna é fruto dos atos do homem, não se trata mais de uma vontade divina imperiosa. Ou seja, a política moderna é marcada pela dignidade do espírito humano, a confiança na razão e no espírito crítico.
A percepção, a ação e a decisão são articulações do jogo político moderno. Haja vista que a política é o campo de forças onde se defrontam os interesses divergentes dos grupos sociais. Realmente o destino humano é feito de harmonia e desarmonia, equilíbrio e desequilíbrio, conquista e perda. Mistura o sublime com o baixo. Mistura o desejo e a apatia. Reconhece a aceitação trágica mesmo do declínio da própria existência nasce o conhecimento fundamental de que todas as formas finitas são apenas ondas temporárias na grande maré da vida. Somos finitos e falíveis. O nosso declínio não significa destruição pura e simples, mas o regresso ao fundo da vida do qual surgiram todas as coisas individualizadas. O patético e a ironia trágica alimenta-se do saber que “tudo é uno”. Vida e morte são gêmeas siamesas arrastadas num ciclo misterioso; quando uma coisa sobe, outra desce; enquanto se compõem formas, outras desagregam-se. Tudo é criação e destruição. Quando uma coisa vem à luz, outra tem de se afundar em trevas; no entanto, luz e trevas, formas, sombras infernais, ascensão e declínio constituem apenas facetas da vida sombria e passageira.
Ricardo III, sob o signo da força e violência sem rédeas, se reconhece pela sua força dramática. Aparece, age, provoca adesão (Buckingham), conquista pela força e perde o poder. A surpresa, a ação, o sucesso e o fracasso são as quatro leis da tragédia que lhe dão a existência. A ação trágica não se restringe só ao fim do herói-vilão Ricardo III, ela transcende ao personagem, a vida finaliza a peça, a vida retorna, os sentidos são restabelecidos e reafirmados, depois de tanto sofrimento e morte, o ciclo se normaliza. Para que logo, as lutas e os conflitos continuem ocorrendo. Guerra e paz, conflito e cooperação, ajustes e desajustes estarão em harmonia e desarmonia o tempo todo.
Em Shakespeare se retoma a visão trágica da realidade e da política. Neste sentido, todos somos, paradoxalmente, vítimas e culpados ao estarmos imersos no reino da política. Não há escapatória e as forças que se opõem estão num estado de contradição alarmante. É defrontando-se com o fato de que os conflitos da realidade social e histórica podem ser ''resolvidos, atravessados e modificados'' que a “revolução” - a modificação do status quo - se faz necessária, pela possibilidade de se encontrar os novos homens herdeiros de uma luta que, com modos e sentimentos novos, fazem da revolução, na sua vida diária, responder “à morte e ao sofrimento com a voz humana”.
Nessa perspectiva, o sofrimento é condição indispensável da tragédia da política.
Tragédia, nós dizemos, não é meramente morte e sofrimento e com certeza não é acidente. Tampouco, de modo simples, qualquer reação à morte ou ao sofrimento. Ela é, antes, um tipo específico de acontecimento e de reação que são genuinamente trágicos e que a longa tradição incorpora. Confundir essa tradição com outras formas de acontecimento e de reação é simplesmente uma demonstração de ignorância (WILLIAMS, 2002, pp. 30-31).
O sofrimento é uma parte fundadora desta ordem natural e, portanto, ele se mostra como energia permanente e independente das contingências históricas e das novas formulações que se possam atribuir ao trágico. O sofrimento é, portanto, também parte indispensável da condição humana.
O que parece estar em jogo mais exatamente é um tipo específico de morte e de sofrimento e uma específica interpretação dessas duas questões. Alguns acontecimentos e reações são trágicos, outros não. Por mera influência daquilo que foi sancionando e por causa da nossa avidez natural em aprender, é possível dizer e repetir essa frase, sem que uma contestação real seja feita (WILLIAMS, 2002, p.31).
O que deve ser percebido como elemento restaurador desta ordem trágica seria a passagem de um modelo meramente natural para um outro humano, sendo este último expresso no conceito de experiência. De um modo geral, a idéia da tragédia deixou de ser metafísica e se tornou crítica. A força-motriz desta está vinculada a uma noção de glória. Uma glória intrinsecamente ligada à questão de comportamento, reconhecimento que cada homem tem em face de outro que resulta na reputação. Portanto, a tragédia política de Shakespeare está independente de uma condição ou erro metafísico.
No terreno do comportamento humano, predominou sempre no seu espírito o conflito entre as idéias de lealdade e deslealdade e suas consequências na vida humana. No mundo das paixões, observou o estranho conflito entre a razão e as emoções, e a desordem que prevalece sempre que a razão é suplantada. Shakespeare concedeu às suas personagens a liberdade de viverem uma vida própria levada até aos extremos limites do bem e do mal. A arte trágica de Shakespeare capta uma variedade quase infinita de estados de alma, as suas peças foram escritas para o teatro contemporâneo, aproveitando as possibilidades do palco Isabelino com enorme engenho e invenção. É um olhar penetrante, um olhar que mergulha no coração do mundo. A essência da vida trágica do mundo. Num mundo trágico, há uma busca infinita pela redenção. Embora o que vigore é a lei inexorável da ascensão e da queda. Como a travessia homérica, com constantes riscos e perigos, - de poucos êxitos e inúmeros fracassos – por mares (des) conhecidos e a incerteza de glória e sucesso na empreitada que torna a ação política moderna incerta. Assim sendo, o poder é atraente, traiçoeiro, caracterizado pela incerteza, contingência, de que nada é estável e que o espaço da política se constitui e é regido por mecanismos distintos dos que norteiam a vida privada.
É válido afirmar que a leitura “maquiavélica” de Ricardo III por Shakespeare concebe idéias trágicas diferenciadas da tragédia grega. Shakespeare realiza um novo tipo de tragédia, que envolve indivíduos, um teatro de indivíduos. Ou seja, seres capazes de fazerem escolhas e reverter sem nenhum impedimento divino suas ações.
Dessa forma, examinar a tradição trágica seja de Shakespeare ou de gregos requer olhar criticamente e historicamente para obras e idéias que têm algumas ligações evidentes entre si e que se deixam de associar em nossas mentes por meio de uma única e poderosa palavra. É, acima de tudo, observar estas obras citadas e outras que possuem idéias no seu contexto imediato, assim como na sua continuidade histórica.
Shakespeare viveu num período histórico de transição, o qual o mundo se dessacraliza. Ele, dessa maneira, influenciado pela época em que viveu produz peças fortemente marcadas por questões complexas que envolvem tal período histórico. Não pudemos deixar de retratar esse cenário, indicando de forma sintética essa realidade. Tendo, portanto, no primeiro capítulo o retrato, a trajetória biográfica de Shakespeare que envolveu contexto social, político e cultural da sua época. Analisar a produção artística que procura representar a condição humana requer elementos da estrutura política, econômica, religiosa e social a qual o artista está inserido.
Na busca de desnudar as tramas, relações, intrigas e jogos de poder, ao mesmo tempo, realizamos uma análise interna recortada por categorias analíticas da Teoria Política: conquista, posse/manutenção e queda. O capítulo III examinou através destas categorias centrais para abordar o desenrolar das ações do herói-vilão Ricardo III.
Outrossim, foi inevitável a caracterização dos personagens históricos: Henrique VI, Eduardo IV e Ricardo III. Tal evidência baseada numa investigação histórica serviu para entender e contrapor aspectos relevantes da peça Ricardo III. O segundo capítulo indicou, portanto, esses recortes históricos e subsidiaram, deste modo, o terceiro capítulo. A relação básica entre análise interna e externa estabelece critérios formais que exigirão esforço de pesquisa e seleção de informações pertinentes. Na “compreensão” da aguçada consciência crítica do artista tal equacionamento é mais do que obrigatório. Tais vinculações entre o real (biografia do artista) e o ficcional (criação imaginária do autor) são mediações fortes.
No aspecto que tange acerca da articulação entre tragédia e política, o bardo percebe a necessidade da transcendência, elemento indispensável à tragédia. Ressalta-se, no entanto, que tal “transcendência” ganha uma nova forma, um novo corpo, o acaso se torna fator condicionante a natureza humana. O acaso é uma força ativa e atuante. Os problemas relacionados ao destino — e seus temas afins — foram motivos de reflexão desde cedo, no desenvolvimento do pensamento humano. Para os antigos, a Fortuna não era uma força maligna inexorável. Pelo contrário, sua imagem era de uma deusa boa, uma aliada potencial, cuja simpatia era importante atrair. Ela possuía os bens que todos os homens desejavam: a honra, a riqueza, a glória, o poder. Para conquistá-la era necessário, diziam os antigos, como era deusa e também mulher, mostrar-se um homem de virilidade, de inquestionável coragem. “Assim, o homem que possuísse virtù no mais alto grau seria beneficiado com os presentes da cornucópia da Fortuna”(RADEK apud WERNECK, 2006, p. 21).
Na visão do cristianismo, a boa deusa dos antigos, foi substituída por “um poder cego”, inabalável, fechado a qualquer influência, que distribui os bens de forma indiscriminada. “A Fortuna não tem mais como símbolo a cornucópia, mas a roda do tempo, que gira indefinidamente sem que possa descobrir o seu movimento. Nessa visão, os bens valorizados no período clássico nada são” (RADEK apud WERNECK, 2006, p. 21-22).
Para Shakespeare, o destino ou “Deus” é o drama da vontade individual. O Homem, na concepção de Shakespeare, faz o seu próprio destino e o seu roteiro é determinado pelos seus traços de caráter (bondade, maldade, inveja, ciúme, etc.). Não há nenhuma outra força externa impulsionando alguém para a desgraça a não ser sua própria vontade. O que pudemos verificar na ascensão inescrupulosa de Ricardo III. Esta força imprevisível é condicionada por uma série de elementos que estão fora de controle dele, mas que não lhe tirou inteiramente a possibilidade de optar, buscar alternativas, contudo, a política moderna oferece poucas opções aos homens que buscam o poder. Mesmo aqueles com boas ou más intenções.
Na contemporaneidade, há muitas razões pelas quais poderíamos nos indagar sobre a permanência do espírito trágico. Sob esse aspecto, a tragédia abandonou o palco e estabeleceu, no mundo inteiro, seu campo de ação nas relações verdadeiras, ou seja, do dia a dia. As conexões poderiam existir no cotidiano, nas manchetes dos jornais, nos relacionamentos afetivos e principalmente nas relações políticas seja de âmbito nacional e/ou internacional cujas notícias influenciam nosso pensar sobre um estado de crise ou desordem social, difundido em diferentes povos e nações. O reconhecer trágico, por conseguinte, não desaparece, ele muda de forma; não desaparece porque ele é indissociável da política sempre presente, em todos os momentos e em todas as sociedades, mas cada uma com sua especificidade.
Exemplo esclarecedor é o referente à tirania, na atualidade é impensável imaginá-la. A tirania considerada um desvio dos filósofos gregos e medievais. Na tradicional classificação das formas de governo de Aristóteles, a tirania é indicada como forma corrompida da monarquia e, sendo assim, um acidente a ser evitado a qualquer custo. Maquiavel não analisa a tirania a partir da corrupção do modelo da boa Constituição. Constata com realismo que a tirania em vez de ser exceção, é norma de conduta política, pois assim age a maior parte dos governantes. Mas Maquiavel critica os tiranos não pelo uso da força, mas pela mediocridade do uso que fazem dos meios extraordinários.
O pensamento político moderno inaugura a tradição da razão de Estado (raison d´État). Cabe ao “bom” governante utilizar certas formas de atuação para o Estado conseguir unidade e estabilidade. Se acaso o “príncipe” tiver que fazer uso de recursos de violência/ameaça para tornar-se mais forte, renovando sua autoridade é recomendável na leitura de Maquiavel valer desses princípios. Tanto Maquiavel quanto Shakespeare partem do pressuposto apesar da “diversidade de almas”, o homem é eternamente o mesmo, a história seria constituída por momentos que se repetem. Daí o caráter educativo da história, a “grande mestra”, ajudando os homens a não incorrerem nos mesmos erros. Pois como afirma Jackson e Sorensen (2007, p. 72), “cada nova geração tende a cometer o mesmo tipo de erro das gerações anteriores. Qualquer mudança nessa situação é altamente improvável”.
Por isso, o estudo do passado não é um exercício de mera erudição, nem a história um suceder de eventos em conformidade com os desígnios divinos até que chegue o dia do juízo final, mas sim um desfile de fatos dos quais se deve extrair as causas e os meios utilizados para enfrentar o caos resultante da expressão da natureza humana (RADEK apud WERNECK, 2006, p. 19).
Não como lições de valor moral, mas de valor político para compreender melhor as ações dos governantes. Ou seja, a circularidade da história se encontra nas grandes linhas do seu movimento, como a inevitabilidade do conflito, mas disso não decorre o determinismo da ação humana. Dessa forma, é no entender dos ciclos da história que o homem moderno pode agir com maior eficácia.
Além disso, o poder aparece como a única possibilidade de enfrentar o conflito, ainda que qualquer forma de “domesticação” seja precária e transitória. Não há garantias de sua permanência. A perversidade das paixões humanas sempre volta a se manifestar, mesmo que tenha permanecido oculta por algum tempo (RADEK apud WERNECK, 2006, p. 20).
Retomar o pensamento trágico em Shakespeare, na atualidade, nos insere numa realidade fragmentada, em pedaços, como política, amizade, amor, loucura, sonho, ambição, religião e morte, e está em constante e absurdo movimento. O acontecimento “trágico” não é somente perturbador, é o ponto limite onde se institui e se desfaz o sentido. É, antes, a indeterminação dos fatos que desafia a astúcia do político. A tragédia na política é o reconhecimento que em cada situação há a necessidade de um certo tipo de ação política diferente da que é solicitada em outras condições. Quer dizer, o domínio sobre a fortuna. O triunfo sobre as dificuldades. Os meios para obter e manter o poder. “Em sendo assim, o príncipe deve fazer por onde alcançar e sustentar o seu poder: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos elogiados” (MAQUIAVEL, 2010, p. 87).
E o renascimento do trágico aponta para a suposta inadequação desta proposição numa época marcada pelo absolutismo individualista e a alienação do homem contemporâneo, alheio a si mesmo e fadado a rotinização, desprazer, embrutecimento e morte. Há a necessidade de fugir do modelo simplista de notar a política como uma atividade humana a qual tudo está pronto, acabado, ou seja, fundada em princípios “estanques” e entendê-la como um “sistema” de forças contraditórias que exigem “cálculo” para alteração ou não do equilíbrio existente.
Tendo em vista a sua significação histórica, a tragédia, tal como a conhecemos na Antiga Grécia, ou na Inglaterra Elisabetana, representou um tipo de realização compatível com a maturidade de um povo e o apogeu de sua própria cultura. Assim sendo, a tragédia expressava uma ''experiência compartilhada e de fato coletiva'' em que a força admirável do mito ou da monarquia coexistia com o imaginário de toda uma sociedade. Diante do colapso deste sentido de experiência coletiva na sociedade contemporânea, quem poderia afirmar que o isolamento do homem moderno pudesse fazer renascer a tragédia no âmbito da civilização?
A ação trágica não é, no seu sentido mais profundo, a confirmação da desordem, mas a compreensão, a experiência e a resolução dessa desordem. Em nossa própria época, esta ação é geral e o seu nome usual é revolução. Temos de ver o mal e o sofrimento na desordem efetiva, que torna necessária a revolução, e na luta desordenada contra essa desordem. Temos de reconhecer o sofrimento em uma experiência imediata e próxima, e não encobri-lo por meio de uma busca de nomes e definições. Nós, no entanto, seguimos a ação em sua totalidade: não apenas o mal, mas os homens que lutam contra o mal; não apenas a crise, mas a energia que ela libera, o espírito que nela nos é dado conhecer. Estabelecemos as conexões porque essa é a ação da tragédia, e o que descobrimos no sofrimento é, mais uma vez, revolução, porque reconhecemos no outro um ser humano – e qualquer reconhecimento desse tipo é o começo de uma luta que será uma contínua realidade em nossas vidas, porque ver a revolução desta perspectiva trágica é o único meio de fazê-la persistir (WILLIAMS, 2002, p.114).
O que se procura desvendar é o isolamento do herói e sua transição da ''prosperidade para a adversidade''. Em sua versão moderna, a ação do herói diz respeito ao homem comum, isolado e tendo de cumprir o seu destino a despeito das adversidades. É o que Ricardo III deseja e persegue.
Nesse entendimento, viver a tragédia “moderna”, portanto, é enfrentar os obstáculos cotidianos, conhecer a transitoriedade, perenidade e dinâmica das relações político-sociais, refletir que o conflito e o sofrimento humano é inevitável.
Essa é a tragédia da política. Ou seja, é a confrontação entre a ânsia de poder com as forças do destino - fortuna - e o emprego da virtú pelo príncipe - de conquistar, manter e exercer o poder. A tragédia da política atinge a todos – participantes ou não - e dela seremos sempre vítimas. “O mundo da política não leva ao céu, mas sua ausência é o pior dos infernos” (RADEK apud WERNECK, 2006, p. 18). O mundo indefinidamente marcado pela criação e destruição, alegria e sofrimento, conquista e perda, desejo de poder e corrupção, ordem e caos, estabilidade e instabilidade, glória e fracasso.
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