Abra os olhos e veja MATRIX
“Você pode escolher entre a pílula vermelha e a azul. Se escolher a azul, você vai acordar de manhã em sua casa e sua vida vai permanecer a mesma. Mas se escolher a vermelha, vai descobrir o quanto é profunda a toca do coelho de Alice!”. Com estas palavras revela o mestre Morpheus a questão-chave que move toda a complicada história do filme Matrix (EUA,1999): a escolha entre viver no marasmo da normalidade, na doce ilusão do aparente, no monótono da superficialidade ou procurar entender a vida, seu sentido, confrontar-se com seus problemas e fazer a opção de viver a dor e o prazer de transformá-la.
A história de Matrix se desenvolve em um futuro não muito distante de nosso presente. Durante o dia, o especialista em computadores Thomas Anderson trabalha em uma firma de software, à noite ele transforma-se no Hacker Neo e viaja pelas dimensões vrituais do cyberspace. Em uma dessas noites on-line, Neo convence-se de que existe algo de errado e estranho no mundo em que vive. Sua intuição acaba confirmando-se no dia em que ele é contatado por um grupo que vive à margem da sociedade. O líder desse grupo, Morpheus, revela a Neo o que está por trás das aparências: o mundo é na verdade dominado por um sistema que vive da energia dos seres humanos. Para impedi-los de compreender a exploração em que vivem, o sistema os mantém em uma realidade totalmente virtual. Com esta história, os diretores Andy e Larry Wachowski conduzem o público a um verdadeiro sincretismo cinematográfico, a um cosmos no qual filosofia, mitologia, science fiction e artes marciais fundem-se, formando um material simplesmente rico e complexo.
Quando surgimos na existência, iniciamos um processo de aprendizagem que nos introduz na vida familiar, no grupo de amigos e no sistema econômico e social. Quase sem perceber, vamos absorvendo o significado do dinheiro, as regras de compra e venda, as formas de acumular o capital e como sobreviver neste sistema complicado que chamamos de mercado. Ao mesmo tempo, vamos nos acostumando com fatos desagradáveis do cotidiano como desemprego, miséria, corrupção um sistema educacional ruim e uma péssima distribuição de renda. Esse processo, porém, não é unilateral. Nós aprendemos como sobreviver no sistema, mas o sistema também encontra sempre uma forma de tomar posse de nosso ser, viver e pensar. Assim, o nosso comportamento acaba sendo influenciado pelo capital e as leis de mercado. A lei do lucro começa a tomar conta de nossas relações com os outros e com o mundo. As nossas amizades devem nos trazer vantagens, a nossa aparência deve corresponder à moda determinada pelo sistema e ficamos insatisfeitos se a nossa aquisição de bens é restrita. Para aqueles que querem ser alternativos (a exemplo dos hyppies, punks, etc.), o sistema é capaz de absorver todo tipo de movimento “contracultura”, com a finalidade de domesticá-lo e vendê-lo como mercadoria. Enfim, até mesmo as nossas relações com Deus não ficam salvo da influência de mercado. Muitas vezes, mantemos com Deus uma verdadeira relação de troca. Assim, para conseguir algo dos céus, procuramos cumprir nossas “promessas” para Deus ou para os santos, fazer corretamente o “trabalho” para os espíritos e orixás, contribuir financeiramente com a Igreja. Procuramos agir corretamente nesta vida, não exatamente por pensar no bem-estar de todos, mas para que na vida depois da morte tenhamos uma recompensa que seja rentável.
Mesmo estando integrados no sistema, muitas vezes suas contradições nos atingem profundamente. Para que isso não aconteça co freqüência, o sistema encarrega-se de oferecer “pílulas azuis”, as quais nos mantém na inércia da superficialidade. A pílula que mais ingerimos chama-se “normalidade”. Critérios como justiça, honestidade, dignidade vão sendo relativizados pelo “normal”. O que vemos com freqüência vai se tornando norma. Desde pequeno ouvimos a justificativa: “Não faça isso, porque não é normal!”. Assim , o que é normal não nos choca mais: crianças de rua, salário de fome, criminalidade, falta de respeito ou o fato de o Brasil estar entre as dez primeiras economias do mundo e ser a segunda pior em distribuição de renda. “A mosca que pousa no mel o seu vôo impede; a alma que quer estar apegada ao espírito impede a sua liberdade e contemplação”, afirma São João da Cruz. O ser humano só consegue entender a si próprio e sua vida a partir do momento em que deixa a tentadora fuga da normalidade e procura libertar-se de qualquer forma de alienação, buscando compreender sua realidade e confrontar-se com os problemas da vida. Na verdade, o ser humano possui duas alternativas: tomar a pílula azul e ficar como a mosca no mel, ou ter coragem de engolir a pílula vermelha e questionar o habitual. A escolha é sua.
Padre Beto – Sem medo de voar.
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