terça-feira, 1 de novembro de 2011

SILVA, Guilherme A; Gonçalves, Williams. Dicionário de Relações Internacionais. 2 ed. Barueri: Manole, 2010.

Pós-modernismo

O pós-modernismo representa um movimento amplo de crítica aos fundamentos epistemológicos e ontológicos das principais correntes teóricas das relações internacionais, quais sejam, o realismo/neorealismo e o liberalismo/neoinstitucionalismo. Sua base histórica está centrada nos trabalhos de críticas literárias, análises do discurso, desconstrutivismo e textualização de autores como Foucault, Lacan, Barthes, Lyotard, Derrida, Kriteva, Baudrillard, entre outros.
O pós-modernismo concentra-se na análise da linguagem, dos textos e dos discursos, cujos significados escondem relações hierárquicas, controles sociais e agendas políticas excludentes. Apenas ao reconhecer tal realidade é que se pode, acreditam os pós-modernistas, questionar a validade de conceitos como o Estado e seus interesses. Mais ainda, o pós modernismo rejeita qualquer tentativa de teorização ou definição, bem como a edificação de qualquer forma taxonomia disciplinar. O argumento é que tais recursos limitam a capacidade de compreensão e acabam por consagrar e ossificar as noções de poder e saber, quando na verdade a realidade social é artificialmente construída.
No âmbito das relações internacionais, o pós modernismo denuncia o poder das definições, das perspectivas ou abordagens teóricas e suas tentativas de identificar sujeitos e objetos de análise, além de definir quais são as questões relevantes e suas hipóteses apropriadas. Tudo isso, alegam os pós positivistas, não releva nem explica os “mecanismos” do mundo, tampouco desvenda a verdadeira realidade ou a compreensão que devemos ter das coisas e relações. O que há, na verdade, são práticas sociais, refletidas em práticas lingüísticas e discursivas, que têm de ser interpretadas para que possamos compreender a construção do universo social criado pelo ser humano e as “definições” impostas a identidades, indivíduos e processos.
A idéia daquilo que seja ocidental carrega consigo, por exemplo, conotações normativas, ou seja, de superioridade em relação a outras culturas ou geografias. Da mesma forma, conceitos de soberania, diplomacia e até mesmo democracia não possuem significados quando separados das realidades históricas. Os conceitos se transformam com o tempo, alertam os pós-modernistas. Sob essa ótica, a primeira contribuição do pós modernismo para o estudo das relações internacionais é sua contestação ao princípio de que os pressupostos teóricos defendidos pelo positivismo realista e liberal, mas também marxista, são objetivos, eternos e imutáveis. Ao contrário, representam construções sociais temporais. A própria idéia do Estado como ator internacional é negada, já que não representa nenhuma realidade tangível, tão somente uma construção artificial imposta. O pós modernismo procura, assim, identificar e denunciar as vozes hegemônicas das relações internacionais.
Podemos, portanto, resumir em quatro os principais argumentos do pós modernismo. Em primeiro lugar, toda e qualquer verdade universal ou absoluta é inexistente. Como resultado não há, de fato, distinção entre teoria e prática. Em segundo lugar, a relação e a manipulação entre conhecimento e poder formam a base das construções sociais. Apenas aquilo e aqueles reconhecidos como válidos pelo conhecimento possuem legitimidade de existência, manifestação ou participação. Em relações internacionais essa correspondência entre conhecimento e poder informa a teoria e a prática da disciplina. Em terceiro lugar, é preciso descortinar a farsa dos falsos movimentos emancipatórios. Por exemplo, o liberalismo representaria tão somente a passagem do poder até então centrado nas relações feudais para as relações capitalistas. Em quarto lugar, o reconhecimento de uma base ética do pós-modernismo aponta para a defesa da pluralidade e das diferenças. Assim, o engajamento político e social deve se dar em contextos específicos de tempo e espaço.
Uma crítica comum que se faz ao pós modernismo é quanto a sua incapacidade de produzir alternativas viáveis que permitam a superação das formas de dominação que procura desvendar. Quaisquer que sejam as investigações acadêmicas ou as tentativas de produção de políticas emancipatórias, elas têm de ser necessariamente negadas, já que taxonomias ou categorizações disciplinares não são aceitas.
Assim, pouco resta a fazer senão debruçar-se sobre textos e discursos, sem que se tenha a possibilidade de edificar algum conhecimento que possa ser dito como válido. Ou seja, para muitos, o pós modernismo não passa de um relativismo cognitivo e ético extremo. Mais ainda, o pós-modernismo acaba por negar a consideração de elementos materiais e concretos que estão na base das relações de desigualdade de poder social e internacional que pretende denunciar. Dessa forma, a capacidade de transformação dos discursos e construções sociais revela-se ineficiente.
Para concluir, é importante diferenciar pós-modernismo de teoria crítica e construtivismo. Todas as correntes fazem parte da linha reflexivista de estudo das relações internacionais, a teoria do conhecimento. Em comum, todas essas abordagens ressaltam que definições e teorias são formas de construção de fatos; enfocam ainda a temática da linguagem e do discurso como instrumentos essenciais para a interpretação do mundo que nos rodeia. Mas, diferentemente do pós-modernismo, a teoria crítica se baseia na sociologia crítica, e não na lingüística ou no desconstrutivismo. O construtivismo, por sua vez, se baseia na teoria social. Em vez de atacar os fundamentos das relações internacionais, essa corrente enfatiza seu caráter social, ou seja, o meio internacionanl reflete não apenas um sistema, mas uma sociedade internacional.

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