SILVA, Guilherme A; Gonçalves, Williams. Dicionário de Relações Internacionais. 2 ed. Barueri: Manole, 2010.
Construtivismo
Segundo Emanuel Adler (2003), construtivismo representa uma postura metafísica, uma teoria social e uma perspectiva empírica. O debate construtivista nas Relações Internacionais traz todas essas dimensões. Mais ainda, Adler enumera vários programas que se diferenciam sob esse manto construtivista. Em particular, o construtivismo originou-se de abordagens sociológicas e filosóficas várias, como a hermenêutica objetiva, a hermenêutica subjetiva, a teoria crítica e o pragmatismo. Como resultado, diversas vertentes do construtivismo se formaram no âmbito das Relações Internacionais: o construtivismo modernista ou neoclássico, a lingüística modernista e o construtivismo radical, que inclui o pós-modernismo e o pós-estruturalismo, estão entre as principais.
A título de simplificação, porém, e considerando as diferenças observadas no que diz respeito às influências individuais efetivamente experimentadas pelas correntes várias no estudo das relações internacionais, adotaremos uma classificação distinta. Embora a teoria crítica tenha influenciado a formação de uma visão construtivista das relações internacionais, na prática, teoria crítica e construtivismo acabaram por ser reconhecidos como correntes distintas de investigação em relações internacionais. O mesmo se pode dizer do pós-modernismo. Em comum, todas essas correntes têm abordagens reflexivistas das relações internacionais. Ole Waever (1996) define reflexivismo como corrente pós-positivista. São abordagens que se propõem à autoreflexão, à interpretação das relações entre atores e instituições internacionais que se constituem mutuamente.
Dessa ótica, o construtivismo se apresenta como uma das principais correntes reflexivistas no âmbito das Relações Internacionais, junto com o pós-modernismo e a teoria crítica. Chamadas de “teorias do conhecimento”, essas vertentes teóricas e conceituais questionam os princípios iluministas que orientam as principais abordagens das relações internacionais, em particular o realismo/neorealismo e o liberalismo/neoliberalismo. Em comum, essas vertentes reflexivistas questionam a existência de qualquer conhecimento objetivo sob o argumento de que a realidade se origina de interpretações e padrões de comportamento provenientes de práticas históricas. Questionam ainda a separação entre relações internacionais e política doméstica.
Mas dentre essas vertentes a do construtivismo aparenta ser a menos radical. Baseada em princípios originários da teoria social, não apresenta o questionamento de todos os fundamentos do estudo e da prática das relações internacionais.
Aceita a existência do Estado como entidade essencial para a análise das relações internacionais. Entende, contudo, que as relações entre Estados não são definidas com base em interesses nacionais fixos, mas por padrões de comportamento e de identidade que se transformam com o tempo. A composição do Estado e de seus interesses nacionais reflete identidades sociais dos atores dominantes no âmbito doméstico, quais sejam as elites as elites políticas e econômicas. Daí a impossibilidade de diferenciação entre relações internacionais e política doméstica.
Aceita ainda a idéia de anarquia internacional. O argumento, entretanto, é que o que importa saber é quais são as estruturas sociais possíveis de serem sustentadas em tal meio. Ou seja, a idéia de anarquia em si mesma não possui nenhuma relevância. O que importa são as identidades existentes nesse meio. Por exemplo, um meio anárquico composto de unidades que se identificam como inimigas é fundamentalmente diferente de outro regido por relações de cooperação. Exemplo interessante é o da Guerra Fria, ela mesma uma estrutura social. A Guerra Fria existiu apenas enquanto os atores sociais se entendiam como inimigos, e terminou quando essa identificação antagonística se extinguiu.
É importante notar que, para o construtivismo, as estruturas não possuem nenhum significado, a não ser quando relacionadas às identidades. Para Alexander Wendt, por exemplo, anarquia ou capacidade material não são capazes de explicar o comportamento do Estados e suas relações. Não é possível saber em que medida dois Estados se relacionam ou mesmo o tom desse relacionamento apenas pela análise da estrutura anárquica dos sistema ou pela aferição de sua capacidade militar ou econômica.
O construtivismo dedica-se com especial atenção à análise das estruturas institucionais fundamentais que compõem a sociedade internacional, assim considerada algo mais do que mero sistema internacional. Instituições internacionais para os construtivistas são um conjunto estável de identidades e interesses, entidades cognitivas que existem apenas em virtude das percepções que seus criadores têm do funcionamento de seu universo social. É importante notar, portanto, que as instituições internacionais para os construtivistas não se resumem àquelas formalmente constituídas na forma de organizações internacionais. Há instituições que se originam da prática e da aceitação tácita unânime de determinados princípios.
As instituições possuem normas regulatórias, responsáveis pela definição dos limites aceitáveis do comportamento dos atores. As normas constitutivas definem os comportamentos, dando-lhes significado. No primeiro caso, as normas informam o que é permitido e o que é proibido. No segundo, as regras do jogo são apresentadas, o que é essencial para que as relações tenham sentido.
Dentre as instituições consideradas essenciais pelos construtivistas temos o direito internacional, a diplomacia e a soberania, além dos regimes internacionais. O direito internacional é de particular importância para os construtivistas, que por seu intermédio buscam as reformas das regras e normas internacionais. Além do mais, os construtivistas possuem uma interpretação acerca da natureza e da função do direito internacional que diverge daquelas adotadas por correntes mais tradicionais.
Para o realismo e o liberalismo, o direito internacional, suas regras e normas são expressões de interesses racionais das unidades do sistema – os estados. Para os construtivistas, as regras e normas internacionais, ao identificar os parâmetros determinantes das regras do jogo, nos informam quais são os jogadores e quais são os comportamentos admitidos como possíveis e necessários para assegurar uma efetiva participação nas relações internacionais. A linguagem, portanto, tal como se manifesta nos ordenamentos jurídicos internacionais, é mais do que codificação, ela é ação.
Duas críticas dirigidas ao construtivismo são de particular importância. Primeiro, essa é uma vertente teórica que não possui poder explanatório definido, ou seja, não é capaz de prever os acontecimentos internacionais, o funcionamento futuro de estruturas sociais ou o comportamento dos atores internacionais, como o Estado, em sua totalidade. Como resultado, sua capacidade de agir sobre esses elementos é, no mínimo, limitada. O construtivismo se reduz, portanto, ao exame detalhado, à articulação e compreensão de relações sociais individuais, com poucas possibilidades de produzir generalizações teóricas capazes de serem aplicadas à totalidade das relações sociais. No entanto, essa é uma crítica que talvez julgue a relevância do construtivismo a partir de parâmetros que a própria corrente rejeita. Justamente por se ocupar de relações de identidades que variam e se transformam no tempo e no espaço, o construtivismo rejeita a possibilidade de grandes teorias ou das explicações universais.
A segunda crítica deriva da primeira. Ao se ocupar de desvendar as perspectivas individuais o construtivismo nega, dessa forma, a possibilidade de uma realidade objetiva. Como resultado, não há uma hierarquia com relação aos textos de validade e autoridade reconhecidas. Todas são igualmente importantes. Assim, não há como dizer o que é certo e o que é errado, respostas certas ou equivocadas. A realidade dependerá sempre dos olhos de quem vê.
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