A SECA NA TERRA DOS BICHOS
Faltava chuva naquela região, os animais poderiam ter dificuldades com a falta de água.
Segundo o gavião maca ó e a seriema, não iria chover tão cedo. Somente na próxima primavera as chuvas voltariam.
O rei leão resolveu convocar uma reunião. Haveria necessidade de fazer um poço. Todos os bichos deveriam unir-se.
A juriti, a araponga e a pomba ficaram incumbidas de espalhar a notícia: “A união faz a força. Se ficarmos unidos não faltará água. Um grão de areia retirado na escavação também é um trabalho significativo.”
Esta foi a mensagem escolhida pela secretária corsa.
O cavalo resmungou:
- De qualquer jeito morrerei! Se não morrer carregando água para outros bichos, então morrerei de sede!
A preguiça saiu de sua árvore uma semana antes do dia da reunião a fim de chegar a tempo. Disse que depois iria se mudar para uma árvore bem próxima do poço.
A cutia passou por lá e deixou um recado: - Não morrerei trabalhando. Sou esperta e darei um jeito. Sei onde buscar água. Os outros também irão trabalhar por mim.
O macaco era desconfiado e pensou:
- Isto pode ser um velho truque do leão. Não tenho certeza se haverá volta para quem for.
Portanto, primeiro certificou-se do alto de uma árvore se os bichos estavam mesmo reunidos no local marcado. Entretanto todos estavam lá.
O local escolhido para cavar o poço foi à beira do regato do jaboti. O mestre tatu disse que ali nunca faltou água. Decerto havia uma mina subterrânea.
Todos os animais atenderam ao chamado e em poucos dias o poço estava pronto.
Como não havia eletricidade. A água era retirada do fundo do buraco, dentro de um balde de cerâmica puxado por um cipó. Havia algumas dificuldades, mas estava funcionado muito bem.
A cutia foi a única que não participou. Disse que estava muito ocupada. Ela se gabava da sua inteligência.
Os bichos em reunião resolveram castigar a cutia. Ela estava proibida de beber a água que minasse no poço.
O leão determinou que cada noite um bicho ficasse de guarda para não deixar a cutia beber água. Durante o dia não haveria problema, uma vez que alguém sempre estaria por perto.
Assim foi feito. Na primeira noite ficaria o urso. Era um animal robusto com braços enormes e daria uma patada na cutia caso ela se aproximasse.
A cutia chegou desconfiada. Primeiro certificou-se quem era o guarda. Quando percebeu que era o dorminhoco urso, até sorriu. Sabia onde arrumar um bom mel de abelha. Trouxe uma garrafinha
Veio cantando: - “Que mel delicioso, que melado cheiroso, até o polar vai se deliciar”.
O urso quis criar obstáculos, todavia estava sonolento. A cutia molhou a ponta de uma varinha com mel e deu para o urso experimentar:
- Prove que você vai ver que delícia. É mel de abelha Europa, até a comadre raposa gostou.
Além de tudo ela ainda fazia fofoca.
Ele não resistiu e pediu mais e mais. Logo caiu num sono profundo e a cutia levou uma garrafada de água.
O macaco já estava convocado para o segundo dia. Ficou muito atento em cima de um galho. Na primeira investida da cutia deu-lhe muitos tapas.
Entretanto a cutia roubou algumas bananas do bananal do orangotango seu rival. E veio com seu costumeiro papo:
- Estão tão cheirosas e são da espécie banana prata. Eu sei que o amigo macaco há muito não come desta banana. Prove só uma.
O macaco também não resistiu à lábia da cutia. Em pouco tempo ela partia com uma garrafada.
Na terceira noite foi convocada a onça por ser um bicho muito feroz e valente.
A cutia era demais esperta e ficou sabendo adiantado, pois os próprios bichos foram gozar na sua cara que desta vez ela passaria sede.
Era o que a cutia queria. Correu dar uma de dedo duro a um fazendeiro da região. A onça havia atacado seus bezerros e o homem queria ajustar contas com a felina. Não deu outra. A onça, a principio, farejou-os e quis enfrentá-los. Porém eram muitos caçadores com cachorros, armados até os dentes. Após quase levar chumbo, ela foi obrigada fugir em disparada.
O terreno ficou livre e a cutia encheu duas garrafadas de água.
O leão soube das diabruras da cutia e ficou furioso:
- Será que eu terei de ficar de plantão? Que bicharada mole e dorminhoca!
O cágado se prontificou ficar de vigilante. Alguns bichos caíram na risada:
- O jaboti e mais lento que a tartaruga! Ele não serve nem para vigiar duas lesmas!
Como ele insistiu e outros bichos estavam se acovardando o leão resolveu dar-lhe uma chance.
- Qual equipamento você precisa. – Perguntou o leão ao cágado.
- Não preciso de nada. Amanhã, vocês me trazem uma boa ração de tomates e verduras.
- Não subestime a esperteza da cutia. Ela é astuta, você verá.
- Deixe comigo, eu tenho meus recursos.
A mina era ótima e o poço estava cheio até a boca. O cágado se meteu na beirinha do poço. Ficou só com as costas de fora.
A cutia chegou atenta e não viu nenhum bicho na guarda. Ficou encucada:
- Será que desistiram da vigilância. Eu os venci. Puxa! Hoje até tem uma pedrinha para eu lavar os meus pés.
Enfarou-se de água e encheu a garrafa. Poderia ter ido embora. Mas sentou-se no barranco para banhar-se melhor. Depois acabou apoiando todo seu peso na pedra.
O cágado deu um profundo mergulho. Dentro d’água tinha ele suas qualidades. Ele nadava e mergulhava muito bem.
A cutia não sabia nadar e do outro lado o barranco era alto. Ela pererecou, pererecou, todavia acabou morrendo afogada.
O jabuti só teve o trabalho de empurrar o corpo sem vida para o barranco.
A FALSA APARÊNCIA
Simplício, um rapaz solteiro, bom aspecto, alto, de alguma posse, porém muito tímido. Ele queria casar. Entretanto não encontrava a moça certa, tinha alguma dificuldade devido seu acanhamento.
Foi aconselhado procurar uma fada que havia nas redondezas.
A fada indica uma lagoa no meio do mato onde três jovens costumavam nadar. Elas chegavam até ali voando.
Ela também o aconselha:
- Deverá chegar sorrateiramente para não assustá-las. Elas deixam suas penas sobre uma pedra. Escolha a melhor pena. Examine a qualidade e o estado de conservação. A pena mais bem cuidada pertence à moça mais prestimosa, mais fiel e melhor companheira. Portanto será essa que você deverá escolher. Não se iluda pelas aparências físicas das moças. Não se prenda às superficialidades e exterioridades das jovens. Não esqueça deste versinho:
“Se deitar olho à moça,
Sua aparência o seduz.
Todavia, se abrir melhor seus olhos,
Percebê-la-á sobre uma outra luz.”
- Se escolher a pena correta, ela logo se identificará com você. Somente uma das moças sentirá plenamente realizada e nunca tentará ir embora.
Ele chega bem cedo e espera as moças pousarem à margem da lagoa. Elas deixam suas penas enfiadas em orifícios existentes em uma pedra.
Porém ele não se decide apanhar a pena em melhor estado de conservação.
Ele espiona secretamente as três jovens seminuas voltarem do banho. Elas vestem suas roupas quentes e pegam suas penas e partem para a terra dos devaneios.
Ele já deveria ter chegado até a pedra e escolhido a pena com melhor trato. No entanto ele resolveu conhecer primeiro as três jovens e fica apaixonado pela mais formosa. Ele é atraído por aquela que tem o contorno mais refinado, por conseqüente o corpo mais perfeito.
Ele marca as posições de onde as três jovens retiram suas penas e depois vai dar uma checada na pedra.
Cada pena ficou com a ponta cravada em um pequeno orifício. Nesses orifícios estão gravados os nomes das jovens. Examina atentamente aquele buraco da direita, justamente o pertencente à pena da moça que mais chamou sua atenção.
Ela chamava-se Perfildosa. Logo vem a sua mente. Perfil de mais belo perfil. O Osa deveria referir-se a formosa, sim, ela era a mais deleitosa.
A segunda chamava-se Pacita. Seria de paciência ou pacifica? Somando o ita da dureza da pedra, do ferro, seria uma garota de paz, mas de muita resistência.
A terceira chamava-se Sóbria. Entendeu-a como uma moça que se sente melhor sozinha. Como uma planta solitária. Embora tivesse uma relação com sóbrio.
Conforme instrução da fada, ele não deveria comparar as jovens, e sim, comparar as penas. Ele errou e primeiro fez alguma comparação entre as jovens. Como elas estavam um pouco afastadas, a escolha foi de modo superficial, somente pelas aparentes estruturas físicas.
No dia seguinte, nosso jovem ficou escondido. Deixa as moças colocarem suas penas nos orifícios da pedra e atirarem-se às águas.
Em seguida, aproximou-se do local das penas. Ele agora iria tentar escolher a pena que mais lhe chamasse a atenção. Seria pelo estado de conservação, pela aparência geral, pelo tamanho, pela solidez e resistência da raque. Ou seria pela quantidade de barbas, se as mesmas eram limpas, se não havia falhas, se não estavam enroladas ou tortas.
Ele examina primeiro a pena pertencente à moça que chamara sua atenção. Percebe ausência de algumas barbas. Algumas estão grudadas entre si. Presta atenção no eixo. Depois examina outra pena e percebe uma raque muito mais forte, como fosse feito de um material melhor. As barbas estão bem conservadas, não há falhas, estão completas e esticadas. Há uma perfeita continuidade. Ele esfrega essa pena em sua barba conforme instruíra a fada. Ele percebe que essa pena é uma pena especial. A moça recebe o estímulo e tenta aproximar-se. Porém ele a recoloca no orifício.
Agora ele inicia o exame da terceira pena. Porém, mal tem tempo de segurá-la, o pássaro conhecido como bente vi, como fosse um guardião, ataca-o com fúria. Ele assusta e, com receio de chamar atenção das moças, devolve-a ao seu lugar.
As jovens púdicas sentem sensações estranhas quando suas penas são estimuladas. Porém elas não conseguem decifrar o que acontece.
Todavia o homem é atacado pelo cupido. Ele esquece os conselhos e opta pela pena da mulher mais formosa. Ele a toma e se esconde no mato a espera que a dona a procurasse para voar.
Elas terminam o banho e procuram suas penas. Pacita e Sóbria levantam vôo e vão embora um tanto amedrontadas. Perfildosa não encontra sua pena e fica desesperada. No entanto ele logo vem acalmá-la:
-Você foi a escolhida. Agora você irá a minha casa. Nós ficaremos noivos e marcaremos nosso casamento para bem breve. Sua pena me pertence e você estará presa ao coração do homem que a possui.
A moça aos poucos compreende a situação. Ela também deverá amar o detentor da pena.
Ele leva a moça para sua casa e esconde a pena numa caixinha no alto, próximo ao telhado.
Começam os preparativos para o casamento. Tudo transcorria normalmente. Porém a moça sente saudades de sua terra e de sua família.
Ela nota aquela caixa amarrada no telhado e sente uma curiosidade de ver o que ela guarda.
O rapaz saiu para o trabalho e ela arruma uma escada e mexe na caixa. Reencontra sua pena. Experimenta e descobre que tem condições de voar.
Antes de partir escreve-lhe um bilhete:
“Eu sigo para Terra dos Devaneios. Se me amas de fato, deverás descobrir onde ela fica e buscar-me, como prova do teu grande amor.”
Ele volta pedir socorro à fada. Esta, por sua vez, repreende-o:
- Eu o aconselhei escolher a melhor pena, pela resistência e grossura da raque e pelo melhor acabamento e conservação das cerdas. Nunca deveria observar as jovens e influenciar-se pela sedução.
- Mas eu lhe darei mais uma chance. Quem conhece bem a Terra dos Devaneios e a nossa amiga lua. Ela, com seus raios prateados, conhece todos os rincões da terra.
O rapaz no desespero parte para consultar a lua. Somente encontra uma velhinha:
- Ela voltará na próxima manhã. Esconda-se neste quarto, pois ela costuma chegar com muita fome.
Não demorou e a lua adentrou-se à casa exausta e faminta.
- Está cheirando carne humana. Sinto que ela está próxima.
- Não, minha filha. Você está com muita fome. Almoce bastante e verá como o odor desaparece.
Após alimentar-se à vontade, a lua foi informada da presença do homem:
- Eu ilumino todos os recantos da terra. Porém nunca avistei esse lugar. Deve ficar na região polar. Somente os raios solares iluminam-na no verão astral.
O moço partiu à procura do sol. Chegou ao começo do dia e novamente ficou escondido em um quarto escuro. Ele só retornaria à noite.
O sol voltou para casa e reclamou do cheiro humano. Novamente sua mãe deu-lhe bastante comida.
Quando perguntado se conhecia a Terra dos Devaneios, respondeu:
- Somente o vento consegue atingir aquela região. Ela fica escondida atrás de uma enorme cordilheira.
O moço então segue à procura do vento. O vento informa que somente seu primo Minúvio conhecia aquela terra:
- Agasalhe-se bem e vista esse capuz. Tome carona na minha garupa. Quando sentir um frio quase irresistível no rosto e nos pés, avise-me para eu parar.
Assim foi feito. Quando o rapaz estava com os pés quase congelados reclamou:
- Sim, já chegamos. Eu parto para outras terras. Você tomará carona na garupa de meu primo Minúvio.
O rapaz encontrou-se com o vento chamado Minúvio:
- Você teve sorte. Agora mesmo eu sigo para aquela cordilheira. Monte em minha garupa e feche os olhos. Quando sentir alguns jatos de água quente em seu rosto, abra os olhos. É sinal que lá chegamos.
O rapaz obedeceu direitinho. Quando abriu os olhos deparou com uma terra maravilhosa. Havia bastante água brotando de gêiser. Ficava numa cadeia de montanhas, com muito verde e florida.
Saltou da garupa e foi procurar a moça. Ele encontra uma sábia senhora que se diz protetora e conselheira das jovens.
- Então, veio procurar sua noiva? Elas estão muito ocupadas. Em cima deste armário estão as três penas. Você poderá examinar detalhadamente as três. Se escolher a pena correta, eu acredito que a jovem seguirá com você.
Desta vez o viajante solteiro escolheu a pena correta.
Assim que a tocou e acariciou seu rosto com as barbas da pena, a jovem Pacita apareceu e prontificou-se viajar de volta até sua terra, ou poderiam ficar morando naquela linda cordilheira.
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