KISSINGER, Henry. A diplomacia. 2 ed. Trad. Saul S. Gefter e Ann Mary Fighiera Perpétuo. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1999. p. 233-262.
A nova face da diplomacia Wilson e o tratado de Versalhes
1) Em 11 de novembro de 1918, o primeiro- ministro inglês David Llyod Georg anunciou, com estas palavras, que fora assinado um armistício entre a Alemanha e os aliados: “Espero podermos afirmar que com isto, nesta manhã de bons fados, todas as guerras chegaram ao fim”. Na verdade, a Europa estava a duas décadas apenas de uma guerra ainda pior.
2) Considerando que, na Primeira Guerra Mundial, nada correu como planejado, era inevitável um anseio de paz frustrante como as expectativas com que as nações se lançaram nela.
3) Os beligerantes previam uma guerra curta e haviam deixado os termos de paz a cargo de um congresso diplomático do tipo que encerrara os conflitos europeus no século anterior. Porém, nas proporções horrendas que alcançaram, as baixas puseram de lado as disputas políticas do início do conflito – a influência dos Bálcãs, a posse da Alsácia-Lorena e a corrida naval.
4) As nações da Europa vieram a atribuir seus sofrimentos à maldade inerente aos adversários e convenceram-se de que acordos não poderiam gerar paz verdadeira; era mister esmagar completamente o inimigo ou travar a guerra até a exaustão total.
5) Os termos de paz tomaram caráter niilista. O estilo aristocrático, meio conspiratório, da diplomacia do século XIX extinguiu-se na era da mobilização de massas. A banda dos aliados especializou-se em slogans morais como “a guerra para acabar com as guerras” ou “mundo seguro para a democracia” – especialmente depois que os Estados Unidos entraram na guerra.
a) O primeiro era compreensível, até mesmo promissor, para nações que lutavam entre si, em várias combinações, havia mil anos.
b) A segunda idéia – disseminar democracia – exigia o fim das instituições internas alemãs e austríacas. Ambos os slogans aliados implicavam, portanto, lutar até o fim.
6) O resultado da Primeira Guerra Mundial foi a desordem social, o conflito ideológico e outra guerra mundial.
7) Em meio aos escombros e à desilusão de três anos de morticínio, os Estados Unidos adentraram o palco internacional com uma autoconfiança, um poder e um idealismo inimagináveis para os exaustos aliados europeus.
a) A entrada nos Estados Unidos na guerra tornou a vitória total tecnicamente possível, porém em nome de objetivos de pouca relação com a ordem mundial que a Europa conhecera por três séculos e pela qual supostamente fora à guerra.
b) Os americanos desprezavam o equilíbrio de poder e consideravam imoral a Realpolitik.
c) Os fundamentos americanos para a ordem internacional eram a democracia, a segurança coletiva e a autodeterminação – nenhum dos quais havia alicerçado qualquer acordo europeu.
d) A idéia de Wilson da ordem mundial derivava da fé americana na natureza essencialmente pacífica do homem e na harmonia básica do mundo.
e) Na opinião dos EUA, não era a autodeterminação que causava as guerras, mas a inexistência dela; não era a ausência de um equilíbrio de poder que produzia instabilidade, mas a tentativa de obtê-lo.
8) Por estranho que pareça, a idéia de uma instituição dessa natureza surgiu pela primeira vez em Londres, até então baluarte da diplomacia de equilíbrio de poder. p. 238.
9) Com paternidade que tivesse, a Liga das Nações era a quintessência do conceito americano. O que Wilson idealizava era uma “associação universal das nações, para manter a segurança inviolável do caminho dos mares para uso comum e livre de todas as nações do mundo, e para impedir qualquer guerra que comece de maneira contrária a dispositivos de tratados ou sem aviso, e total submissão das causas à opinião do mundo – uma garantia virtual da integridade territorial e da independência política. P. 239
a) diplomacia aberta;
b) liberdade dos mares;
c) o desarmamento geral;
d) a remoção de barreiras comerciais;
e) o acerto imparcial de reivindicações coloniais;
f) restauração da Bélgica;
g) a evacuação do território russo;
h) Liga das Nações.
10) O mundo que Wilson propunha teria base no princípio e não no poder; na lei, não no interesse; do vencedor e do vencido; em outras palavras, uma inversão total da experiência histórica e dos métodos das grandes potências. P. 241.
11) Wilson identificou com precisão alguns dos principais desafios do século XX – em especial, como colocar o poder a serviço da paz. Mas suas soluções muitas vezes aumentavam os problemas que via. Ele atribuía a competição entre os estados à ausência de autodeterminação e a motivos econômicos. No entanto, a história enumera muitas causas mais freqüentes da competição, dentre elas o engradecimento nacional e a exaltação do governante ou do grupo governante. Desdenhoso de tais impulsos, Wilson achava que a difusão da democracia os controlaria, e a autodeterminação os privaria de seus pontos focais. P. 242
12) No que dizia respeito à França, agora em posição verdadeiramente trágica. Durante dois séculos ela lutara pela supremacia na Europa, porém, diante das conseqüências da guerra, não se achava nem capaz de proteger suas próprias fronteiras contra um inimigo derrotado. Os franceses sentiam que conter a Alemanha estava além da capacidade de sua sociedade destroçada. A guerra exaurira a França, e a paz continha premonições de mais catástrofes. A França, que lutara por sua existência, lutava agora por sua identidade. Não ousava ficar sozinha; e seu aliado mais poderoso propunha uma paz sobre princípios que transformavam a segurança num processo judicial.
a) Fraqueza diante da Alemanha.
b) Em 1880, os franceses eram 15,7% da população da Europa. Em 1900, esse número caíra para 9,7%. Em 1920, a França tinha 41 milhões de habitantes e a Alemanha de 65 milhões de habitantes, fazendo com que o estadista francês, Briand, respondesse às críticas quanto a sua política conciliatória em relação à Alemanha com o argumento de que aquela era a política externa da taxa de natalidade da França.
c) O declínio econômico relativo da França era ainda mais dramático. Em 1850, a França fora a maior nação industrial do continente. Em 1880, a produção alemã de aço, carvão e ferro superava a da França. Em 1913, a França produzia 41 milhões de toneladas de carvão, comparadas com 279 milhões de toneladas da Alemanha; no final da década de 1930, a disparidade se ampliaria para 47 milhões de toneladas produzidas pela França contra um total alemão de 351 milhões de toneladas.
13) A força residual do inimigo derrotado foi a diferença fundamental entre as ordens internacionais pós-Viena e pós-Versalhes, e a razão para esse estado de coisas era a desunião dos vencedores após Versalhes. No período pós-Versalhes, os vencedores não permaneceram aliados, os EUA e a Rússia retiraram-se completamente, e a Inglaterra mostrava-se assaz ambivalente com respeito à França.
14) Só no período pós-Versalhes, a França chegou à dura conclusão de que sua derrota pela Alemanha em 1871 não fora uma aberração. A única maneira como a França poderia manter sozinha o equilíbrio com a Alemanha seria dividir a Alemanha nos estados que a compunham, talvez restabelecer a Confederação Germânica do século XIX. Na realidade, a França o quis, ao estimular o separatismo na Renânia e ao ocupar as minas de carvão do Sarre. Dois obstáculos impediam a divisão da Alemanha:
a) Um deles era que Bismarck se dedicara a uma construção sólida.
b) Os aliados da França, em especial os EUA, não teriam tolerado uma violação tão crassa do principio de autodeterminação.
15) Wilson foi a estrela da Conferência de Paz, que se realizou em Paris, entre janeiro e junho de 1919. p. 245-246
16) Wilson estava tão enlevado com a Liga de Nações que ocasionalmente formulava teorias favoráveis às expectativas francesas. Várias vezes Wilson descreveu a Liga como um tribunal internacional para adjudicar disputas, alterar fronteiras e instilar nas RI uma elasticidade muito necessária. P. 250-251-252.
17) Quanto a Alemanha, o tratado foi punitivo nas seções territoriais, econômicas e militares.
a) A Alemanha teve que abrir mão de 13% do seu território de antes da guerra.
b) A Alta Silésia, tão importante economicamente, foi entregue a uma Polônia recém-criada, que recebeu também uma saída para o mar Báltico e a área ao redor de Posen, criando-se o “Corredor Polonês” que separou a Prússia Oriental do restante da Alemanha.
c) O minúsculo território de Eupen-et-Malmédy foi dado à Bélgica.
d) Alsácia e Lorena devolvida à França.
e) A Alemanha perdeu suas colônias.
f) As restrições militares do tratado reduziram o exército alemão a 100 mil voluntários e sua marinha a seis cruzadores e alguns navios menores.
g) A Alemanha foi proibida de usar armanas ofensivas como submarinos, aviões, tanques ou artilharia pesada, e seu estado-maior foi dissolvido.
h) Para supervisionar o desarmamento alemão, foi criada uma comissão de controle militar dos aliados, com uma autoridade, ao que se viu, extremamente vaga e ineficaz.
i) Os aliados começaram a perceber que uma Alemanha economicamente prostrada poderia produzir uma crise econômica mundial que afetaria a eles mesmos.
j) Pagamento de pensões às vítimas da guerra e alguma compensação para as famílias.
k) Pagamento imediato de 5 bilhões de dólares em dinheiro ou em produto.
18) O Tratado de Versalhes não preencheu nenhum destes requisitos. Seus termos eram por demais onerosos para a conciliação, mas não severos o suficiente para a subjugação permanente. Na verdade, não era fácil promover o equilíbrio entre satisfazer e subjugar a Alemanha.
19) A França tinha três escolhas estratégicas: tentar formar uma coalizão antigermânica; tentar dividir a Alemanha; ou tentar conciliar-se com a Alemanha. P. 259.
20) Os autores do acordo de Versalhes chegaram precisamente ao oposto de sua meta. Haviam tentado enfraquecer a Alemanha fisicamente, mas fortaleceram-na geopoliticamente. Numa perspectiva de longo prazo, a Alemanha ficou em posição muito melhor para dominar a Europa, depois de Versalhes, do que estivera antes da guerra. Assim que se livrasse das algemas do desarmamento, o que era inevitável no tempo, a Alemanha fatalmente emergiria mais forte que nunca. Harold Nicolson resumiu a questão: “Viemos a Paris certos de que a nova ordem estava prestes a chegar; deixamos a cidade convencida de que a nova ordem apenas estragara a antiga”.
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