As máscaras do poder
A peça Ricardo III escrita por William Shakespeare entre 1592 e 1593, Drama Histórico que goza de enorme popularidade e prestígio pelo vigor poético e temática envolvente. Trata-se de um dos textos mais encenados de Shakespeare e, desde o dia 18 de maio a capital paulista abriga duas montagens simultâneas de profunda sensibilidade nos quesitos interpretação e adaptação. No teatro Ágora, a montagem de Ricardo III é dirigida por Roberto Lage com adaptação do texto por Celso Frateschi que, também, encabeça o elenco de quatorze atores. No teatro da Faap com tradução e adaptação do escritor, humorista e apresentador Jô Soares que dirige elenco de quinze atores.
Vivemos uma época em que as práticas e o discurso político são associados à mentira, a farsa, ao engodo de maneira descarada. A ética do indivíduo concebida e desenvolvida no Renascimento se hipertrofiou na contemporaneidade. Notam-se as conseqüências desse ultra-individualismo nas inúmeras doenças culturais que se manifestam na sociedade brasileira: cultura da esperteza, da transferência de responsabilidade, do imediatismo, do negativismo, da vergonha da cidadania, entre outros. Tais comportamentos viciosos proliferam-se na esfera dos três poderes do Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário - como se observa nos sucessivos escândalos que marcam os noticiários políticos dos últimos anos.
A tragédia do rei Ricardo III trata da permanente disputa do poder a qualquer preço e a falta de escrúpulos para a conquista e manutenção dele. Nela, o protagonista é um sujeito manco e corcunda, cuja aparência disforme, segundo o próprio, o impede de usufruir dos prazeres da conquista amorosa, mas não alçar vôos mais altos. No solilóquio inicial ele planeja como chegar ao poder mesmo sendo o sétimo na linha sucessória. Para alcançar seu objetivo, se utiliza de expedientes vis: conspira, manipula, explora, promove alianças por conveniências momentâneas, persegue e condena à morte os opositores. Movido pela sede de poder Ricardo III articula-se nas sombras, ao longo dos atos e cenas, até alcançar o triunfo almejado: o trono inglês. Para se livrar de quaisquer suspeitas de seu envolvimento nas tramas e urdiduras palacianas ele faz uso de subterfúgios conhecidíssimos: esconde-se sob o manto da religiosidade, sobriedade e outros artifícios de valores éticos e morais.
Assim o escritor inglês nos ensina, entretém e diverte. Através da arte teatral fornece elementos constitutivos do homem contemporâneo e suas relações. Essas movidas, muitas vezes, por uma ética individual refletida no uso indiscriminado de inúmeras máscaras como no jogo teatral; múltiplos disfarces agindo conforme interesses ou determinadas circunstâncias. Temos, então, o religioso, o ateu, o humilde, o culto, o ignorante, o moralista, o liberal, o caipira, o ético, o ideológico, o pragmático, o solidário, o sensível, “o paz e amor”, etc.
Shakespeare nos revela, através da presente obra, o diálogo entre a política e a arte e, consegue manter, evidentemente, a atualidade da peça para os nossos dias. E desta forma, compreendemos que tanto o teatro como a política são espaços nos quais somos levados a participar. Ambos exigem engajamento, envolvimento, unidade entre representantes e representados, cumplicidade entre ator (político) e público (cidadãos), não se admite o desinteresse e a passividade. No palco da política sejamos atores e não espectadores, público da tragédia política.
José Renato Ferraz da Silveira
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